Ao Cade, Petrobras nega condutas abusivas ou discriminatórias
Ofício foi encaminhado em um dos inquéritos abertos para apurar suposto abuso de poder, após reajuste nos preços dos combustíveis
Em ofício ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a Petrobras levantou questionamentos sobre uma resposta da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), em que foi apresentada uma lista dos processos movidos contra a empresa, em conflitos de acesso à infraestrutura para movimentação de combustíveis, como o uso de oleodutos.
O documento foi apresentado em um dos inquéritos que correm no Cade, abertos em janeiro após a notícia de aumento dos preços dos combustíveis, para investigar o suposto abuso de posição dominante da companhia no mercado. Este especificamente trata de possíveis efeitos na concorrência para importação, após auditoria sobre o mercado de refino.
A segunda apuração cita a notícia do reajuste como um dos elementos para abertura do inquérito. O parecer final sobre as investigações, que deve sair no segundo semestre, é visto por integrantes do governo Jair Bolsonaro como uma brecha para mudar a política de preços da Petrobras, de acordo com a apuração das analistas da CNN Renata Agostini e Thais Arbex.
Dentro do escopo sobre o mercado de refino, a Petrobras apontou ao Cade que a ANP não se limitou ao escopo temporal solicitado, a partir de janeiro de 2019. A agência incluiu dois processos anteriores à data.
O primeiro, de 2017, mostra uma empresa que solicita “atuação e se necessário fosse intervenção” da ANP para ter acesso a dutos, após supostamente ter o acesso negado pela Transpetro, subsidiária da Petrobras.
Já o segundo, de 2018, aponta que a Transpetro não teria atendido a contento a utilização de oleodutos, “causando desequilíbrios entre os agentes interessados e um potencial prejuízo ao suprimento do mercado”.
“A ANP não apresentou qualquer informação que justificasse o recorte temporal mais amplo que adotou”, diz a Petrobras no ofício encaminhado ao Cade.
“A ANP tampouco se limitou a reportar processos que tratam de pedidos de acesso à infraestrutura – apresentou também demandas que tratam de pedidos de interconexão e tarifas de movimentação”, acrescentou.
A Petrobras ainda afirmou que “chama a atenção” que a ANP se ateve à motivação dos processos, mas teria deixado de incluir informações importantes para análise do Cade.
“Se a ANP entendeu relevante extrapolar os pedidos da SG/Cade em relação ao marco temporal e ao objeto das reclamações formuladas, teria sido coerente incluir em sua resposta elementos sobre o desfecho dos processos mencionados – ainda que essas informações, importantes para a completude das respostas apresentadas, não tenham sido solicitadas pela SG/Cade”, diz o documento.
A estatal declarou que, diante desse contexto, decidiu apresentar dados que “entende serem fundamentais” sobre os cinco processos citados pela agência.
Em relação aos dois de 2017 e 2018, no primeiro, a empresa declarou que fez melhorias no sistema de livre acesso, enquanto no segundo, afirmou que a própria ANP disse não ter como intervir e que não entendeu como uma ação discriminatória.
A Petrobras ainda elencou que os pedidos de acesso à infraestrutura para movimentação de combustíveis levados à ANP “correspondem à parcela pouco representativa das demandas feitas à Transpetro – mais de 90% dos pedidos são atendidos. As demandas levadas à ANP tratam de situações extraordinárias, amparadas por justificativas comerciais ou circunstanciais legítimas”.
A companhia brasileira também destaca que não houve qualquer decisão da ANP contrária a ela e questionou que a agência, durante uma consulta pública sobre o acesso não discriminatório a terminais aquaviários para movimentação de petróleo e derivados, não acatou a sugestão dos agentes do setor de uma Análise de Impacto Regulatório (AIR).
“A AIR teria sido uma oportunidade de alterar a regulamentação de acesso de terceiros a infraestrutura e obter resultado mais proveitoso – com maior alcance – que eventual intervenção da Autoridade Concorrencial”, argumentou.
A CNN procurou a ANP sobre os levantamentos feitos pela Petrobras, e a agência afirmou que “não cabe à ANP se pronunciar sobre processo em andamento no Cade”.
Expectativa para o fim dos inquéritos
Apesar do Cade afirmar que não tem como competência a fiscalização de preços e serviços, mas o funcionamento dos mercados e a prevenção de práticas que possam prejudicar o ambiente competitivo, o parecer do órgão sobre a Petrobras é visto como uma estratégia para uma futura mudança na política de preços – hoje, a paridade é com o mercado internacional.
Segundo as analistas da CNN Renata Agostini e Thais Arbex, fontes ouvidas em caráter reservado afirmaram que essa é uma aposta do Ministério da Economia para aumentar a pressão sobre a gestão da Petrobras e achar uma saída para reduzir os preços dos combustíveis ainda antes das eleições.
Os rumores sobre a estratégia do governo levaram a Petrobras a emitir uma nota de posicionamento. A empresa divulgou que “não mantém conversas com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica sobre mudanças em sua política de preços”.
“A companhia informa também que não tem conhecimento de achados de infrações à ordem econômica nos processos administrativos em curso no Cade. A Petrobras reitera seu compromisso com a prática de preços competitivos e em equilíbrio com o mercado, acompanhando as variações para cima e para baixo, ao mesmo tempo em que evita o repasse imediato da volatilidade para os preços internos”.
Em resposta ao Cade após a abertura dos dois procedimentos, a Petrobras chegou a questionar os motivos da apuração e argumentar o “descabimento da atuação do Cade como regulador de preços” em ambos, em ofícios registrados em 24 de janeiro.
“A ser essa a motivação e objetivo da presente investigação, trata-se, a toda evidência, de procedimento absolutamente insólita, à luz das atribuições legais de um órgão de defesa da concorrência. Não faria qualquer sentido, com efeito, o Cade propor-se a regular preços no mercado de refino de derivados de petróleo”, diz a empresa em uma das manifestações.
“A autoridade antitruste brasileira já teve a oportunidade de se debruçar sobre diversas denúncias envolvendo supostas condutas de abuso de preços praticados por agentes detentores de posição dominante. Em todos os casos analisados, as conclusões invariavelmente terminaram – muito acertadamente – por rejeitar investigações…”, declarou.