Análise: os erros e acertos de Sergio Massa no Ministério da Economia da Argentina
Massa assumiu o cargo no início de agosto de 2022, marcando como princípios a “ordem fiscal, superávit comercial, fortalecimento de reservas e desenvolvimento com inclusão"
“Ele pegou uma batata quente”, disse a vice-presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, sobre a chegada de Sergio Massa ao Ministério da Economia do país no início de agosto de 2022, há pouco mais de um ano, quando a Argentina estava no meio de uma nova crise.
Depois da demissão do primeiro-ministro da Economia de Alberto Fernández, Martín Guzmán, que confrontou a vice-presidente, e da fugaz passagem de Silvina Batakis à frente das contas nacionais, a Argentina atravessava uma corrida cambial, uma rápida desvalorização do peso, uma aceleração inflacionária e a tensão interna na coalizão governante, a Frente de Todos, devido ao acordo assinado com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para refinanciar o empréstimo contraído por Mauricio Macri para poder cumprir pagamentos de dívida externa. Tudo isso gerou profunda incerteza.
“Não sou super nada, nem mágico, nem salvador. Venho trabalhar de forma muito comprometida, para tentar ajudar a Argentina a ter um bom desempenho e os argentinos a melhorar”, disse Massa ao assumir o cargo, marcando como princípios “ordem fiscal, superávit comercial, fortalecimento de reservas e desenvolvimento com inclusão”, baseado em “investimento, produção, exportação e defesa do mercado interno”.
Massa, que não é economista, mas advogado, é o terceiro sócio da coalizão governamental.
Ele assumiu o cargo porque a situação precisava de alguém com peso político para diminuir a tensão entre as diferentes correntes dentro do governo, e a princípio o que ele trouxe foi calma: conseguiu colocar um gelo na tensa relação entre o presidente Alberto Fernández e sua vice, e acalmar os mercados.
“Massa chegou em um momento de forte turbulência cambial gerada principalmente pela crise da coalizão. Sua chegada, pelo menos, interrompeu a espiral da crise”, diz o economista Javier Marcus.
Assim, conseguiu, vários meses depois, posicionar-se como candidato presidencial do partido no poder, embora as conquistas puramente econômicas que conseguiu demonstrar em todo este tempo sejam díspares.
“No final do mandato não parece possível aplicar planos de estabilização ou de longo prazo. A sua grande conquista foi ser o piloto de tempestade mais criativo que alguma vez conhecemos. Medidas como o dólar da soja, o swap da China e o financiamento de organizações somado ao poder político e uma regulamentação bem lubrificada permitiram que passasse mais de um ano sem uma crise terminal”, acrescenta Marcus.
Inflação
Massa ingressou no Ministério da Economia da Argentina com inflação mensal de 7,4% no país, em julho de 2022, segundo estatísticas oficiais.
Foi a maior, até então, do governo Fernández, e Massa conseguiu fazer com que começasse a cair: em agosto era de 7% e continuou caindo até novembro, quando atingiu 4,9% mensais.
A partir de dezembro voltou a subir, estabelecendo novos recordes para o governo da Frente de Todos, com Massa como homem forte: em março foi de 7,7%, em abril de 8,4% e em agosto, com a desvalorização do peso, após as eleições primárias, atingiu 12,4%.
“Serei o presidente que derrotará a inflação”, prometeu Massa em um evento em julho passado, mas até agora esse parece ser o ponto mais fraco de seu governo: até agosto, os preços cresceram 124,4% ano a ano.
“A inflação não pôde ser administrada neste período, justamente porque é a saída de um governo e está em pleno processo eleitoral. Essa batalha parece destinada ao próximo governo, seja ele quem for”, explica Marcus.
Dadas as perspectivas inflacionistas, a Argentina, como muitos outros países, tem apelado ao aumento das taxas de juro, mesmo antes da chegada de Massa.
Porém, junto com a última desvalorização, houve um forte ajuste: de 97% passou para 118% anualmente na tentativa de conter o preço do dólar, outra variável premente no país.
No entanto, há quem duvide da sua eficácia. “A política de aumento das taxas de juro para conter dólares alternativos não funciona nestes níveis. Apenas deteriora o balanço do Banco Central”, afirma o economista.
Dólar
Massa procurou evitar um salto na taxa de câmbio oficial e desvalorizou gradativamente o peso.
Conseguiu mantê-lo durante o seu primeiro ano de mandato, onde, de qualquer forma, a moeda nacional perdeu mais de metade do seu valor face ao dólar em termos nominais.
Além disso, estabeleceu diversos tipos de taxas de câmbio oficiais, que se somaram à multiplicidade de cotações do dólar que existe na Argentina, entre legais, financeiras e ilegais.
Assim lançou o dólar soja 1, o dólar soja 2, o dólar agrícola e o dólar milho, para citar algumas das desvalorizações parciais que implementou para aumentar as exportações e aumentar as reservas.
Contudo, no dia seguinte às Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (PASO), o governo ordenou uma desvalorização de 22% da taxa de câmbio.
O ministro justificou dizendo que o FMI exigiu uma “atualização cambial” para fazer novos desembolsos porque “de 2021 até agora tivemos um atraso cambial de quase 19 pontos e meio”.
As cotações alternativas do dólar, por sua vez, também cresceram. No dia 3 de agosto de 2022, dia em que chegou ao Ministério, o chamado dólar blue, que é vendido no mercado paralelo, custava 298 pesos.
Um ano depois, era quase o dobro, para 570 pesos. Hoje, após o choque da desvalorização de agosto, está sendo negociado em torno de 740 pesos.
O dólar MEP, obtido legalmente no mercado de capitais, estava cotado a 281 pesos em 3 de agosto de 2022, agora ultrapassa os 680 pesos.
Reservas
A média das reservas do Banco Central da Argentina para julho de 2022, antes do início de sua gestão, era de US$ 40,3 bilhões
Com a implementação dos dólares de soja e similares, conseguiu elevar esse valor para US$ 43 bilhões até janeiro de 2023.
Massa também conseguiu renovar e ampliar o crédito swap com a China, o que permitiu ao país ter US$ 10 bilhões para transações comerciais.
Porém, agosto deste ano fechou com uma média de US$ 25,1 bilhões, embora não devamos ignorar os efeitos da grande seca que a Argentina atravessou e que afetou consideravelmente a sua economia e o acúmulo de reservas.
O plantio e a colheita de quase todos os grãos caíram acentuadamente. No caso da soja, principal exportação nacional, contraiu 42% em relação à campanha anterior.
Embora os volumes de exportação sejam bem menores, no trigo a queda é ainda um pouco mais acentuada: 43% menos, enquanto a redução no milho chegou a 30,5% e na cevada 13,5%. Só o girassol cresceu 22,5% no mesmo período, embora seja o menos exportado de todos.
Emprego e salários
Com Massa como ministro, a Argentina atingiu a menor taxa de desemprego em muitos anos: 6,2% no segundo trimestre do ano, o que significa uma queda de 0,7 ponto percentuais em termos anuais.
No que diz respeito aos salários, as últimas estatísticas oficiais mostram que até junho de 2023, os salários aumentaram 108,7% em termos homólogos, enquanto no mesmo período o aumento de preços foi de 115,6%.
Embora os números oficiais não meçam os últimos aumentos salariais, é importante notar a bateria de medidas que o candidato a ministro anunciou para aliviar o impacto da desvalorização de agosto, que inclui bônus para aposentados, montantes fixos para trabalhadores, congelamento de taxas e preços de convênios, redução do IVA para alimentos, eliminação do Imposto de Renda para trabalhadores e aposentados, redução de impostos para trabalhadores autônomos e créditos, entre outros.
“Estas medidas têm efeitos bastante limitados porque a desvalorização é transferida para os preços e as medidas subsequentes tentam compensar os preços. Em resumo, temos um salto na nominalidade que mostra a iniciativa do governo e de um FMI que participa na política econômica de uma forma mais importante em um papel mais comprometido pelo peso da dívida argentina”, finaliza Marcus.