Análise: indicados mais recentes de Trump são um “presente” para setor de criptomoedas
Presidente eleito do País anunciou suas intenções de lideranças para Comissão de Valores Mobiliários e divisão antitruste do Departamento de Justiça, cruciais para relacionamento do governo com setor tecnológico
Se não estava claro antes, agora está: o presidente eleito dos Estados Unidos Donald Trump planeja impulsionar a indústria de criptomoedas enquanto mantém uma ampla repressão antitruste contra gigantes da Big Tech, como Amazon, Meta e Google.
Essa combinação parece beneficiar alguns dos doadores mais ricos e influentes do candidato republicano eleito no Vale do Silício, alguns dos quais pediram especificamente menos regulamentação no setor de criptoativos e um enfraquecimento do poder dos grandes monopólios tecnológicos.
Resumidamente, trata-se da agenda dos investidores de capital de risco no setor de tecnologia.
Nesta quarta-feira (4), Trump anunciou sua intenção de nomear Paul Atkins para liderar a Comissão de Valores Mobiliários (SEC, na sigla em inglês) e Gail Slater para chefiar a divisão antitruste do Departamento de Justiça. Essas duas nomeações serão cruciais para moldar o relacionamento de seu governo com o setor tecnológico.
Atkins é um defensor das criptomoedas e co-presidente da Token Alliance, iniciativa da Câmara Digital de Comércio, importante associação do setor blockchain. Slater, assessora econômica do vice-presidente eleito JD Vance, trabalhou na primeira administração Trump e passou mais de uma década no início de sua carreira lidando com investigações antitruste e políticas tecnológicas na Comissão Federal de Comércio dos EUA(FTC).
As escolhas de Trump são menos conhecidas do que outras nomeações de destaque, como o ex-deputado Matt Gaetz para procurador-geral ou do ex-apresentador da Fox News Pete Hegseth para secretário de Defesa.
No entanto, nesse contexto, a indicação pode ter um grande impacto – não apenas no preço do bitcoin, que ultrapassou US$ 100 mil nesta quarta-feira, em antecipação a uma administração favorável às criptomoedas, mas também no futuro da economia digital como um todo.
“Trata-se de uma espécie de política industrial, com algumas áreas recebendo escrutínio mais rigoroso e outras um tratamento mais leve, com base em uma visão específica de como direcionar o mercado”, disse Gene Kimmelman, ex-funcionário do Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) especializado em antitruste.
Ao anunciar suas indicações, Trump sinalizou um afastamento da regulamentação rígida das criptomoedas defendida pelo presidente da SEC durante a administração de Joe Biden, Gary Gensler. Além disso, indicou que grandes plataformas de tecnologia continuarão enfrentando forte escrutínio antitruste nos EUA, sob a liderança de Slater.
“As big techs abusaram por anos”, escreveu Trump na Truth Social. “Sufocando a concorrência no setor mais inovador e, como todos sabemos, usando seu poder de mercado para reprimir os direitos de muitos americanos, além dos da ‘Pequena Tecnologia’! Orgulhei-me de combater esses abusos no meu primeiro mandato, e nossa equipe antitruste do DOJ continuará esse trabalho sob a liderança de Gail.”
Como as escolhas de Trump refletem as prioridades do capital de risco
A menção deliberada de Trump à “pequena tecnologia” provavelmente agradará investidores influentes como Marc Andreessen e Ben Horowitz, que, durante a campanha, popularizaram o termo e doaram milhões para um super comitê pró-Trump.
O uso casual do termo por Trump evidencia a crescente influência de alguns investidores de capital de risco em sua órbita — algo que também reflete o passado de Vance como ex-investidor de risco e o apoio de Peter Thiel, bilionário de direita e cofundador do PayPal, à entrada de Vance na política.
Em julho, Andreessen e Horowitz — fundadores da famosa firma de investimentos Andreessen Horowitz, ou a16z — publicaram a “Agenda da Pequena Tecnologia” que criticava a fiscalização regulatória sobre empresas relacionadas a criptomoedas, alegava que monopólios tecnológicos sufocam o ecossistema de startups e pedia um “programa de governo abrangente” para promover a supremacia tecnológica dos EUA.
“Pequena Tecnologia é nosso termo para startups de tecnologia, em contraste com as grandes empresas de tecnologia”, escreveram. “Acreditamos que políticas governamentais ruins são agora a ameaça número 1 para a Pequena Tecnologia.”
‘Ideias zumbis’
A crítica baseia-se em um manifesto publicado no ano anterior, no qual Andreessen denunciava a “captura regulatória” pelos grandes monopólios e listava uma série de “inimigos” percebidos do progresso humano, incluindo responsabilidade corporativa, gestão de riscos, ética tecnológica e sustentabilidade.
Os adeptos dessas “ideias zumbis” estão “sofrendo de ressentimento — uma mistura tóxica de amargura e raiva que os leva a adotar valores equivocados”, escreveu Andreessen. “Precisamos ajudá-los a sair de seu labirinto de dor autoimposto.”
A solução de Andreessen? Deixar os mercados livres criarem mais tecnologia, pois ela poderia resolver todos os problemas da sociedade, se apenas os míopes saíssem do caminho.
“Acreditamos que não existe problema material — seja causado pela natureza ou pela tecnologia — que não possa ser resolvido com mais tecnologia”, afirmou.
Agora, Trump parece estar pronto para entregar exatamente o que Andreessen pediu: liberdade regulatória para um dos setores mais promissores da indústria tecnológica e maior pressão antitruste sobre as plataformas mais dominantes.
A mudança de Trump em relação às criptomoedas
Especialistas em antitruste acreditam que Slater dará continuidade às ações judiciais do DOJ contra gigantes tecnológicos iniciadas no governo Biden. Slater assumirá casos de monopólio em andamento contra Google, Apple, LiveNation (controladora da Ticketmaster) e Visa.
Foi o primeiro DOJ de Trump que processou o Google em 2020 por acusações de monopolizar o mercado de buscas online, uma alegação confirmada por um juiz federal neste ano.
“Espero uma continuidade significativa no programa iniciado pela primeira administração Trump e levado adiante pelo governo Biden — especialmente para as grandes empresas de tecnologia”, disse William Kovacic, ex-presidente da FTC. Ele descreveu Slater como uma “candidata excelente” e uma “especialista altamente respeitada em política de concorrência”.
Atkins, por sua vez, deve promover políticas pró-cripto que defende desde sua atuação no setor privado. No ano passado, por exemplo, ele argumentou que uma abordagem mais “acolhedora” da SEC para empresas e exchanges de cripto tornaria mais fácil o acesso dos americanos a essas plataformas.
Trump, que antes chamou as criptomoedas de “fraude”, agora as abraçou, inclusive lançando um negócio familiar no setor. Em 2022, ele causou polêmica ao tentar vender cartões colecionáveis virtuais, ligados ao breve sucesso dos NFTs.
A nomeação de Atkins recebeu elogios de Chris Dixon, sócio da a16z:
“Parabéns a Paul Atkins por sua nomeação como presidente da SEC. Estamos muito otimistas com as oportunidades sob sua liderança para acelerar o progresso e permitir que as criptomoedas prosperem nos EUA”, escreveu Dixon no X (antigo Twitter), adicionando um emoji de bandeira americana.
