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    “Amapá precisa de alternativas”, diz economista sobre petróleo na região

    Charles Chelala defende que recursos da exploração sejam uma alternativa para promover o desenvolvimento do estado

    Caio Junqueira

    O economista Charles Chelala é um dos mais ativos atores no debate sobre a exploração de petróleo no Amapá.

    Para ele, a commodity não deve ser vista como uma redenção para o estado, mas, sim, como uma alternativa para promover o desenvolvimento da região.

    Leia abaixo a entrevista com o economista.

    O petróleo é uma redenção para o Amapá?

    Não, é longe de ser uma redenção. Na verdade, eu acredito que é uma importante e imprescindível alternativa. Até porque acredito que nós vamos levar muito tempo. Até começar, primeiro, nós precisamos saber se tem petróleo, né? A grande briga hoje da APO, Avaliação Pré-Operacional, é saber se tem petróleo. Todo poço é seco até que você comece a furar e, às vezes tem, mas não é econômico. Segundo, tem um tempo para começar a produzir. Terceiro, a produção em si vai gerar uma atividade econômica bastante considerável diante da incipiência da economia do Amapá, mas a maior parte da cadeia produtiva do petróleo levaria a outros procedimentos, inclusive refinaria, transporte. E é absolutamente leviano pensar que isso vai acontecer no Amapá em um curto prazo de 10, 20 anos.

    Esperamos que consigamos produzir petróleo, isso consiga gerar alternativas importantes, mas a redenção do Amapá, as alternativas econômicas do Amapá, vem de outras fontes.

    Charles Chelala, economista

    Acredito muito mais nos recursos e na economia da bioeconomia, plataforma de madeira certificada. Eu acho que a própria mineração, explorada de maneira sustentável, tem muito mais condições de atrair e gerar recursos. Acho que toda a cadeia. Falei da bioeconomia como um todo, mas estamos falando da fruticultura, do açaí. Então, estamos falando de pescado, de turismo. Enfim, existem muitas outras alternativas que terão que ser a redenção, mas o Amapá precisa urgentemente de alternativas econômicas para a geração de emprego e renda, porque é um estado hoje altamente dependente do setor público.

    Bem sinteticamente, professor, por que se chegou a essa condição? Um estado rico desse jeito dependendo de funcionalismo basicamente.

    Há 80 anos, se pedisse para eu escolher entre Roraima, Acre, Rondônia e Amapá, eles não foram criados ao mesmo tempo, mas vamos fazer de conta que eles foram criados ao mesmo tempo, eu escolheria o Amapá, por conta das condições que já possuía e da localização. E hoje o Amapá disputa com Roraima o último local. Então, por que se tornou um estado tão dependente? De cada dez reais gastos em salário, sete reais são pagos com salário de servidor público, 57% do PIB é gerado na administração pública.

    As causas: primeiro, por ser ex-território, todos os ex-territórios também têm uma grande participação do serviço público. Segundo, é que nós não conseguimos desenvolver o principal atrativo na atividade privada, que é a infraestrutura. Nós temos benefício fiscal, nós temos área de livre comércio há mais de 30 anos. Nós temos, há pouco mais de sete, oito anos, a Zona Franca Verde de Macapá, em Santana. Nós temos potencial mineral, florestal, agrícola, mas por que na hora de tomar decisão do investimento o investidor não vem pra cá? É basicamente porque a dificuldade de infraestrutura é muito latente, nós somos o único estado do país que não é ligado por meio rodoviário com o restante do país.

    Nós temos dificuldade ainda de distribuição de energia elétrica, transmissão de energia elétrica. Já temos produção, mas não temos nem distribuição, nem transmissão de energia elétrica de maneira segura. Somos os piores no saneamento. Nós temos duas rodovias federais importantíssimas, a BR-156 e a 210, nenhuma das duas completamente pavimentada. Então, eu colocaria essas questões, ser ex-território e, a partir daí, isso traz uma herança muito grande. E a segunda é uma ausência de uma visão de desenvolvimento regional que tenha garantido a esse estado infraestrutura para o desenvolvimento.

    Economista aponta dificuldade em infraestrutura como um dos entraves ao desenvolvimento do Amapá / Djalma Sena

    Petróleo ajudaria a impulsionar?

    Ajudaria, sem dúvida. Ajudaria pela seguinte razão: o petróleo movimenta a atividade econômica a jusante e a montante. Para nós interessa mais a jusante, ou seja, antes mesmo da produção. Movimenta uma cadeia de suprimentos de fornecedores que hoje não têm atividades econômicas que cumpram isso. Estamos falando desde todo o trade turístico, de fornecedores de suprimentos para a plataforma, de serviços que tendem a ser gerados e estamos falando de oportunidades até de ocupações que hoje o Amapá poderia formar essa qualificação e transformá-la.

    Enfim, por outro ponto, geraria um negócio bastante importante que são os royalties, os royalties são valores muito altos. Se a gente pegar municípios importantes, Campos, Vitória, do Espírito Santo, Macaé e outros no Rio de Janeiro, são municípios que tem como principal receita os royalties que vem da produção do petróleo.

    Existe um termo que a gente usa muito que é a maldição do petróleo, que onde tem petróleo a população é pobre. Então, você pega vários países, há vários exemplos onde tem muito petróleo e a população em geral é pobre, e muitos poucos são ricos. Isso é uma meia verdade, porque você tem também países escandinavos que produzem muito petróleo e são países extremamente ricos, IDHs altíssimos. Parece que nem são do planeta. Na realidade, é outra história.

    Então, é muito importante que, em uma ação conjunta de poder público, sociedade civil organizada, poderes municipais e a própria empresa, uma empresa responsável, com suas responsabilidades socioambientais como a Petrobras, não é uma aventureira qualquer, ficar muito atento a partir de toda essa geração de recursos a montante da produção e de tributação gerada por royalty, criar novas alternativas para atividades mais perenes e mais voltadas à nossa vocação.

    Se ficar só aquele projeto de enclave extraindo petróleo, pode gerar problemas sociais. O maior cuidado que nós temos que ter é com a pressão socioeconômica que um projeto como esse faz. Um estado que tem um grande número de desempregados, poucas alternativas, ao se emplacar um projeto como esse, ele vai atrair, e isso vai gerar uma pressão sob os equipamentos sociais, situações que são comuns a todos os grandes projetos. Então, é esse que tem que ser o principal cuidado.

    Isso tem sido pensado, planejado, discutido?

    Eu tenho falado sobre isso sempre que eu tenho a oportunidade. Tenho estudado a situação e tenho falado que isso tem que ser colocado antes. Temos exemplos doloridos no Amapá que nós levamos muito tempo para corrigir, quando veio o projeto do Jari, na divisa entre o Amapá e o Pará, foram criadas duas corruptelas que eram o Beiradão e o Beiradinho, que se tornaram dois grandes municípios, dois já com estrutura, que eram Laranjal do Jari e Vitória do Jari. Mas esses municípios foram criados, não sei se esse é um termo muito forte, mas como eu já comecei a falar tem que terminar, foi criado como atração de pessoas de menor qualificação que queriam se aproveitar do grande projeto. Então, naquele momento não foi pensado , eu tenho dito muito que isso tem que ser pensado.

    Mas tem uma questão: a gente não pode falar ainda que tem petróleo no Amapá. Pode ser um bilhão de barris/mês ou mais, pode ser menos, ou pode ser nada. Por isso que eu acho que ainda não tem sido fortemente discutido. Tem gente que está pensando só exclusivamente na produção etc. Não. Tem que primeiro saber: terá petróleo? O petróleo será comercial? Em sendo comercial, eu vou estudar de que maneira a gente consegue ter todos os cuidados ambientais etc.

    Mas eu volto a dizer: pra mim, a maior preocupação que a sociedade amapaense agora tem que ter é com alternativas socioeconômicas para conter esse impacto social que vai ter e garantir perenidade e aproveitar o boom. Nós já tivemos dois ou três booms aqui e que passaram e não foram devidamente aproveitados.

    Só essa expectativa do petróleo movimentou a economia local?

    É impressionante. Se você pegar alguns dados do censo, nós temos 16 municípios. Mais ou menos nove ou dez cresceram a população, cinco ou seis mantiveram entre estável ou pequena redução, e todos os que cresceram cresceram muito pouco. O Amapá chegou a ter uma taxa de crescimento populacional de 6% ao ano, era um negócio absurdo. Aí, depois, foi caindo e, no penúltimo censo, entre 2001 e 2010, ainda era o maior crescimento do país, com 3,4% de crescimento ao ano. Agora baixou para 0,8%, está na “meiuca” para baixo, entendeu?

    E qual é o município que mais cresceu? Oiapoque. Quando você chegar a Oiapoque você vai ver que ainda continua a pressão, mas quando a sonda estava lá, era um negócio inimaginável. Pressão imobiliária, até empregos. Não tenho os números, mas se gerou um nível de emprego, muito maior oferta de emprego, muito menor desemprego do que no restante. Você, de certa forma, reativou o campus binacional da Unifap. Ele voltou a ter dinamismo, crescimento, incentivou a arrecadação própria do município do Oiapoque, que não tinha absolutamente nada.

    Existem projetos sociais que a Petrobras abriu para editais que se aproximam de uma centena de milhão de reais, que abrange Oiapoque, a região norte do estado. Projetos de educação, projetos ambientais, um dinamismo apenas com atividades pré-descoberta de petróleo, apenas atividades pré-operacionais. Então, não tenha dúvida de que impacta. Por duas razões, se tivesse isso, vamos dar o exemplo que já demos, em Santos, em Campos, em Macaé, não teria grande impacto, porque já está impactado. Como aqui é muito pequeno e tem muito pouco, uma pequena movimentação tem uma repercussão muito alta.

    Agora me fala desse quase consenso que há. Tem uma união praticamente da elite política e econômica do estado e, do outro lado você tem movimentos sociais, você tem ONGs. Como é esse discurso, contradiscurso?

    O consenso é que o Amapá precisa de alternativas. Eu vou falar uma frase, você é mais novo do que eu Caio. Vou falar uma frase do Mário Covas, na eleição de 1989: “o Amapá precisa de um choque de capitalismo”. O Amapá precisa de investimento privado, isso é o consenso, nós precisamos atrair. O agronegócio é outro potencial que pode ser interessante e tudo, mas, ao analisar o portfólio de investimento, os que têm recursos para investir, eles têm dois ou três locais que são mais atrativos do que aqui. Então, o consenso é em torno de que é necessário esse tipo de investimento. Isso leva realmente pessoas que atuam na política, que se preocupam com o futuro do Amapá, a defender esse projeto, e aí você aprofundando vai ver as nuances entre eles.

    Tem uns que defendem petróleo a todo custo, e tem outros que defendem o petróleo com os cuidados que precisam ser feitos, ambientais, sociais. Essas são as nuances.

    Charles Chelala, economista

    No movimento que se posiciona contrário à questão do petróleo, eu acho que existem duas importantes vertentes. A primeira, existe um movimento reivindicatório de que o petróleo, se vier, tem que vir pagando um preço de compensação mais alto do que a própria legislação exige. Eu não posso falar em nome deles, não tenho lugar de fala, por isso, não vou citar. Mas tem alguns que fazem o seguinte: “eu faço questão de exigir que eu vou ser muito impactado, porque aí eu vou receber mais do que isso”. Esse é um tipo, é normal, e isso tem que ser trabalhado, porque um empreendimento como esse gera expectativas, e as expectativas são de todo tipo. E existe um segundo que nós podemos dizer que é um pouco emblemático, ideológico, institucionalizado, que são duas palavras que não rimam: Amazônia e petróleo.

    É claro que nós temos o poço de Urucum funcionando há uma década, com muito pouco impacto, com cuidados ambientais, e esse não é em alto mar, esse é dentro da floresta mesmo. Mas hoje a situação evidentemente mudou. Então, existe toda uma preocupação com a nossa região, e as pessoas se colocam muito fortemente preocupadas que um possível e altamente improvável acidente, vazamento, fosse causar impactos fortíssimos na Amazônia. E isso aí me parece que cada vez mais tem sido afastado. Então, essas são as duas grandes vertentes. É muito mais forte fora do Amapá do que dentro do Amapá, sem negar que existem no Amapá. Mas a força contrária à possibilidade de continuar os estudos, e saber se tem petróleo ou não, parte muito mais de forças, organismos, organizações ambientais nacionais e internacionais do que dentro do Amapá. No Amapá também existem, mas elas são, de fato, minoritárias.

    A CNN publica nesta semana a série especial Petróleo na Amazônia. Confira aqui as reportagens.

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