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    30 anos do real: cuidado com contas públicas é essencial para sustentar legados do plano, diz Edmar Bacha à CNN

    Real completa 30 anos nesta segunda-feira (1º) e traz consigo o legado da estabilização monetária

    Pedro Zanattada CNN , São Paulo

    Trinta anos atrás, o Brasil conhecia a nova moeda que passaria a circular, o real. A promessa era das mais desafiadoras, a de encerrar os anos de hiperinflação e corrosão salarial da população.

    A moeda vingou e, passadas as três décadas, o país segue com a estabilidade monetária.

    Na avaliação de Edmar Bacha, um dos “pais” do Plano Real, o sucesso e a continuidade da moeda também se deu através do aperfeiçoamento da economia brasileira e de medidas que foram implementadas ao longo dos anos, todas voltadas para o mesmo objetivo: garantir a saúde das contas públicas.

    “A partir de 1999 e 2000, com a criação do tripé macroeconômico e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Isso foi a condição para que a economia prosseguisse com a estabilidade de preço”, afirmou em entrevista à CNN.

    Em um contexto no qual a discussão sobre o tamanho do orçamento público se torna cada vez mais urgente, Bacha diz ser necessário que sempre exista uma vigilância e instituições fortes para assegurar a estabilidade contra interesses populistas.

    “Como se dizia antigamente, ‘o preço da liberdade é a eterna vigilância’… o preço da estabilidade também é a eterna vigilância. Porque a tentação de governos de gastarem mais do que podem é permanente”, considera.

    Em entrevista à CNN, o economista também lembrou do longo processo para a implementação do plano, composto por três fases, e o esforço de comunicação para garantir a adesão da população ao real, além de falar sobre o legado.

    Bacha, além de integrar a equipe que elaborou o plano de estabilização, também já ocupou a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

    Confira abaixo a entrevista na íntegra.

    O Plano se provou ao longo dos anos, passou por crises internas e externas, por guerras e por uma ferrenha oposição em sua implementação. Como foi para o senhor ir rememorando todos aqueles artigos presentes no livro “30 anos do Real”, observar tudo o que já passou na economia e saber que continuamos com a mesma moeda?

    Foi um longo processo. Tem uma certa ilusão das pessoas de que conseguimos baixar a inflação de repente, por um golpe de mágica. Mas como o livro demonstra, ao longo dos seus cinco anos iniciais, até mesmo nos dez anos iniciais, a estabilização só se materializou depois de um conjunto de providências e reformas que foram implantadas ao longo dos oito anos em que o presidente Fernando Henrique Cardoso esteve à frente do país.

    O primeiro artigo do livro, “Feliz Segundo Aniversário”, e que é justamente mostrando que naquela altura – isso era 1996 – no final de 1994, depois da implantação do plano, a economia estava muito desequilibrada, foi preciso diversas atitudes muito duras adotadas pelo governo Fernando Henrique para conseguir com que a inflação se mantivesse controlada. Então tem esse aspecto muito importante que o livro mostra. Foi um processo, não foi meramente um ato de genialidade, que permitiu com que o Brasil conseguisse a estabilidade.

    Muitos de seus artigos presentes no livro, assim como dos demais autores, alertam sobre a necessidade de limite para gastos, controlar o déficit fiscal e executar reformas estruturantes. Mesmo passados 30 anos, os especialistas seguem com batendo nas mesmas teclas. Por que, de fato, é importante para a moeda brasileira que se tenha equilíbrio fiscal, por que não podemos ver gastos como investimentos? No fim, o real amadureceu mais que o país?

    O livro inclui um artigo do FHC por ocasião de 25 anos do real, onde ele deixa muito claro como foi trabalhoso executar todas aquelas reformas. Por exemplo, o todo o esquema de privatização da Vale do Rio Doce, da Telebras, acabar com o monopólio estatal da Petrobras e, além disso, fechar a maioria dos bancos estaduais – que eram verdadeiros impressores de moeda – refazer o Banco do Brasil e a Caixa Econômica, lidar com a quebra dos três principais bancos brasileiros.

    Tudo isso foi emblemático, e o Fernando Henrique aponta que a culminância desse processo foi a Lei de Responsabilidade Fiscal, do ano 2000, que se estabeleceu, supostamente, de maneira definitiva, mas vemos agora que isso não é verdade, que uma das condições básicas para a manutenção da estabilidade era que o governo gerasse continuadamente superávits primários, ou seja, gerasse um excesso de receitas sobre seus gastos correntes. Isso porque, no longo prazo, o que importa para a inflação é que o governo tenha controle sobre as suas contas. Se não tiver isso, a dívida pública cresce sem limites e, ao crescer, eventualmente as pessoas não querem mais reter a dívida e o governo terá que emitir moeda, ao fazer isso a inflação vai para o espaço.

    Comunicação foi um fator chave para a população adotar a Unidade Real de Valor (URV) e o Plano Real como um todo? Como foi esse jogo de cintura entre a equipe econômica, imprensa e população?

    Esse foi o primeiro plano que não foi feito de surpresa. Os planos anteriores, a população ia dormir em um país na sexta-feira e acordava, na segunda-feira, em um país virado de cabeça para baixo. E o Congresso tinha de engolir aquelas medidas provisórias que foram emitidas ao longo do fim de semana. Esse plano foi diferente, ele foi integralmente pré anunciado, nós tínhamos um mantra: “Só vamos fazer aquilo que vamos anunciar. Só vamos anunciar aquilo que vamos fazer. E tudo vai ser negociado com o Congresso”.

    Então, nesse contexto, a comunicação assumiu um papel central. As pessoas tinham de entender para poder apoiar. Era um plano complexo. Era um plano de três fases. Primeiro, medidas para equilibrar o orçamento, depois uma medida de unificação do sistema de indexação, um período para permitir que os agentes econômicos se entendessem, em termos de URV e, finalmente, a transformação da URV na nova moeda que foi o real.

    Tudo isso foi essencial a comunicação com a imprensa, a equipe econômica tinha reuniões semanais com a imprensa para explicar o que tinha sido feito aquela semana e o que iria ser feito na semana seguinte. E fizemos isso de uma maneira religiosa, desde dezembro de 1993 até 1º julho de 1994, quando foi a introdução da nova moeda, 30 anos atrás.

    O Real trouxe mudanças em vários setores e o varejo foi um dos mais importantes, até por estar intrinsecamente ligado ao dia a dia das pessoas. Qual a importância da moeda para o setor e para o consumo?

    Um tinha de entrar na fila do feijão e outro tinha de entrar na fila do arroz, antes que a maquininha chegasse e aumentasse o preço no dia. E as pessoas faziam filas no supermercado para chegar antes das maquininhas de demarcação. Era assim a vida.

    As pessoas tinham de dedicar parte do seu dia a tentar ganhar a luta contra a inflação. A inflação era 1% ao dia, 45% ao mês e 3000% ao ano. Você imagina… era impossível viver. Hoje em dia é inconcebível pensar como as pessoas sobreviviam. Sobreviviam mal e, depois do plano, sobrevivem bem. Tanto que elegeram Fernando Henrique duas vezes.

    Qual foi o momento mais crítico para o real, na sua avaliação?

    Primeiro teve toda a angústia da implantação do real e de conseguir, nas votações do Congresso, que fossem aprovadas as medidas que estávamos negociando com eles. Foi um processo difícil dessa negociação, tanto do equilíbrio orçamentário quanto das regras da conversão dos preços e salários em URV. Isso foi a fase inicial. E também foi difícil o período inicial do governo Fernando Henrique, porque o plano estava fazendo “água” e, portanto, tiveram de ser adotadas medidas muito duras, tanto na área fiscal como na monetária. Teve o processo de desindexação dos salários que foi feito em julho de 1995.

    Agora, teve a crise importante no final de 1998 para 1999. O real, até então, se sustentava com base na paridade do dólar, com uma âncora cambial e ali, em 1999, o câmbio flutuou. E isso foi uma dúvida. Será que o plano aguenta o câmbio flutuante? Será que podemos tirar a âncora do dólar e a estabilidade ainda se manter? Se manteve.

    A outra crise importante, foi o chamado medo do Lula, em 2002. Porque o Lula estava ganhando as eleições, o câmbio foi para a lua, com o medo do que o Lula iria fazer quando chegasse na presidência. E o plano sobreviveu porque, em 2003, quando Lula entrou – com Palocci na Fazenda e Meirelles no Banco Central – ele manteve os princípios básicos do plano.

    Outro momento crítico foi no governo Dilma, porque o governo abandonou o tripé macroeconômico que havia sido criado em 1999 e que Lula havia respeitado em 2003. E criou um negócio chamado Nova Matriz Macroeconômica – que era basicamente que se pode gastar sem pedir permissão e, quando houver desequilíbrio, se faz pedaladas fiscais para ocultar o déficit que está ocorrendo. Isso também foi uma crise que só se resolveu com o impeachment.

    O plano passou por diversas peripécias… Quando Jair Bolsonaro ganhou também houve muita dúvida, ele votou contra o Plano Real, como o PT também votou. E também o plano sobreviveu a crise da Covid-19 e estamos aí, com essa estabilidade aparentemente consolidada.

    Existe alguma ameaça ao Plano Real atualmente?

    Como se dizia antigamente, “o preço da liberdade é a eterna vigilância”… o preço da estabilidade também é a eterna vigilância. Porque a tentação de governos de gastarem mais do que podem é permanente. E esse país com todas as carências que tem é um prato cheio para o populismo, tanto de esquerda quanto de direita. Portanto, é preciso de instituições fortes, que protejam a estabilidade da moeda.

    Recentemente foi aprovado um instituto muito importante que é a independência do Banco Central. Ao BC cabe a vigilância para garantir a estabilidade da moeda, mas isso, quando a área fiscal não corresponde, cria um conflito, que é um conflito que está aberto atualmente entre o Executivo e o Banco Central e isso é lamentável. É um fato da nossa realidade, mas mostra que, apesar de o Executivo e o Legislativo também – com a voracidade do centrão – quererem gastar além do que o governo pode gastar, o BC está segurando. Então trata-se de uma problema que esperamos que a estabilidade ganhe, porque os políticos, no final das contas, se eles mexem com a inflação, eles não se reelegem.

    Na sua avaliação, quanto as metas de inflação e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) contribuíram para a continuidade do sucesso do real? Qual a importância de mecanismos como estes?

    A importância é que, a partir de 1999 e 2000, com a criação do tripé macroeconômico e a LRF e a autonomia, de fato, que o BC tinha – exceto no período da Dilma – isso foi a condição para que a economia prosseguisse com a estabilidade de preço, porque o BC está para isso.

    Quando tem um sistema de metas de inflação, o Conselho Monetário Nacional (CMN) estabelece, para o BC, quais as metas que ele tem que atingir e a diretoria do BC estabelece os critérios da política monetária necessária para manter a inflação na meta. Então o sistema é consistente. Nós temos todas as instituições no lugar. Agora, é preciso também ter responsabilidade fiscal que seja obedecida.

    Qual o legado que o real deixou para o Brasil?

    O legado você pode caracterizar comparando a situação do Brasil hoje com a Argentina. Imagina se o Plano Real não tivesse dado certo? Imagina que se, ao invés de Fernando Henrique, quem tivesse sido eleito em 1994 fosse Lula, com o jeito que ele e o PT eram naquele momento de alta da inflação?

    Nós estaríamos hoje na mesma situação da Argentina, afundando e com uma perspectiva de uma luta insana dentre política para lidar com a inflação que atualmente está lá pelos 200% ao ano.

    O real tem isso, né? Nós conseguimos sobreviver. É o que a Argentina não conseguiu até agora, está tentando com Javier Milei, com políticas que provocam enorme reação contrária da população.

    Esse é o legado do real. Um país normalizado nessa questão. Ainda temos essas dificuldades todas que estão presentes, de ter um crescimento sustentável mas, pelo menos, a estabilidade nós temos.

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