Desempenho de petroleiras diverge na bolsa mesmo com alta da commodity; entenda
Aspectos corporativos e políticos acabam gerando diferenças nas ações, segundo especialistas


Desde o início da guerra na Ucrânia, o petróleo chegou a níveis recordes vistos pela última vez apenas na crise de 2008. O tipo Brent, referência para a Petrobras, foi da casa dos US$ 90 o barril para mais de US$ 130 antes de ter um leve recuo. Nesse cenário, seria natural imaginar que as ações das produtoras de petróleo seriam beneficiadas, mas não é bem assim.
Um levantamento da Economatica feito a pedido do CNN Brasil Business mostra que as três petroleiras com ações no Ibovespa – PetroRio (PRIO3), 3R Petroleum (RRRP3) e Petrobras (PETR3 e PETR4) – tiveram comportamentos bem diferentes desde que o conflito começou.
De 23 de fevereiro até 17 de março, o papel da 3R foi o que mais subiu, 12,41%, enquanto a ação da PetroRio avançou 0,64%. Já os ativos ordinário e preferencial da Petrobras caíram, respectivamente, 9,40% e 12,30% no período.
Especialistas consultados pelo CNN Brasil Business afirmam que essa diferença se deve a uma série de fatores, levando em conta tanto questões mercadológicas ligadas a cada empresa quanto o inevitável elemento político na Petrobras, uma estatal.
Impacto da política de preços
Phil Soares, chefe de análise de ações da Órama, afirma que, antes de analisar o comportamento das empresas na guerra, é preciso lembrar que elas já vinham em uma tendência de alta devido à valorização do petróleo.
A commodity subiu ao longo do ano de 2021, e continuou em 2022, devido às divergências de oferta e demanda com a pandemia. Com os preços em alta, as ações tendem a se beneficiar, mesmo que o reflexo seja “de forma gradual”.
Para Flávio Conde, head de Renda Variável da Levante Ideias de Investimentos, a principal causa da divergências entre as ações está no fato de a PetroRio e a 3R Petroleum seguirem de imediato os preços do petróleo no exterior.
Isso significa que, se o preço sobe, o valor cobrado também se eleva, assim como o lucro das empresas, o que atrai os investidores. No caso da Petrobras, a história é diferente, mesmo com a estatal tendo uma paridade com o mercado internacional.
“A Petrobras só aumenta ou diminui preço no intervalo em torno de 50 dias, então quando o preço começou a subir muito, ficou muitos dias sem ganhar nada com essa alta. Ela não consegue acompanhar pari passu o preço do petróleo igual às outras duas”, diz.
Mas isso não é necessariamente uma vantagem para as duas companhias. Logo no início do conflito, as ações chegaram a subir ainda mais. Por outro lado, quando o petróleo devolveu parte dos ganhos e passou a rondar a casa dos US$ 100, elas também reduziram as altas.
O tempo que a Petrobras leva para reajustar os preços dos combustíveis significa que o impacto da queda no petróleo também demora mais para afetar as ações. No mesmo período, enquanto a PetroRio e 3R devolviam alguns ganhos, a Petrobras valorizava e reduzia as perdas, já que tinha acabado de anunciar o maior reajuste de preços em mais de um ano.
Mas isso não foi suficiente para equilibrar as quedas ligadas a outro fator da estatal, o político. Conde atribuiu o recuo nesse período ao “medo de interferência do governo” na política de preços, para segurar altas, o que afetaria as margens de lucro da Petrobras.
Soares afirma que “tem a crença muito grande dos investidores de que a Petrobras nunca vai conseguir se aproveitar de alta dos preços indefinidamente, uma hora não vai conseguir repassar porque o preço fica politicamente caro, uma espécie de teto”.
“Teve o repasse agora, mas foi toda uma discussão, com passagem de leis, é uma questão política forte, e conforme o mercado nota isso, as ações tendem a cair”, diz.
Segundo ele, além de não serem estatais, o fato da PetroRio e da 3R negociarem quantidades de petróleo bem menores, que não afetam a oferta interna, evita que elas sofram o risco de ter qualquer interferência política.
Já a divergência entre a PetroRio e a 3R Petroleum está ligada a alguns elementos específicos das empresas.
Soares aponta que a PetroRio já vinha de uma tendência de “muita apreciação desde o segundo semestre, muitas aquisições, e essas mudanças internas foram premiadas já pelo mercado”.
Ele avalia que o espaço para valorização acabou sendo menor, o que levou a um fluxo de apreciação rápido no período, mas depois um ceticismo quanto à cotação e também realização de lucros, o que resultou na venda dos papéis e redução da valorização.
Conde diz que a 3R acabou subindo nesse período porque logo antes de a guerra começar, a empresa divulgou um resultado trimestral que não foi bem-visto pelo mercado, levando a uma forte queda.
Com isso, surgiu um espaço para valorização exatamente quando o preço do petróleo disparou.
As próprias ações da Petrobras acabam tendo desempenhos diferentes por outro fator. Segundo Conde, os investidores estrangeiros costumam priorizar a ordinária (PETR3) porque se sentem mais seguros, vendo menos chances do governo tomar alguma medida que afete os detentores desse tipo de ação.
Como o cenário era de temor de interferências, a queda na ação preferencial (PETR4) foi maior devido à visão de seus detentores poderiam estar mais vulneráveis.
O cenário atual vai continuar?
Phil Soares avalia que o preço do petróleo está muito alto, e que a tendência para os próximos é de redução devido à tendência de aumento de oferta e avanço de negociações entre Rússia e Ucrânia.
Isso não significa necessariamente que as ações de petroleiras vão cair, mas “podem ter alguma reação, em proporção menor”.
Para ele, a alta atual é insustentável, e não faz muito sentido investir levando em conta os recordes recentes porque eles não refletirão os lucros futuros, mais ligados a preços menores.
Conde afirma que o reajuste anunciado pela Petrobras já muda a divergência entre as três empresas.
“Se o petróleo recuar, digamos para US$ 94, as ações da PetroRio e 3R caem, e da Petrobras cai bem menos pelo tempo de reajuste. Na alta é bom ter as duas empresas, mas na baixa não”, diz.
Ele cita um estudo recente da Agência Internacional de Energia (AIE) que projeta altas do petróleo nos segundos trimestre e semestre pela dificuldade em aumentar a produção em meio a uma demanda elevada.
A tendência, diz, é que, caso a guerra acabe, os preços fiquem entre os US$ 90 e os US$ 100, com a variação voltando a depender de análise de números de oferta, demanda e estoque.
Além disso, Conde afirma que as eleições presidenciais neste ano devem influenciar o comportamento das ações da Petrobras no segundo semestre, principalmente a partir de agosto, com potencial de pesar negativamente.
“O cenário atual, com os favoritos atuais, deve fazer com que mais investidores saiam dela e vão para as outras 2 [PetroRio e 3R]. O problema disso é que não existem ações suficientes, liquidez, para fazer essa troca porque são empresas pequenas”, diz.
“Não tem como vender Petrobras e comprar PetroRio e 3R, o investidor pessoa física faz, mas os institucionais, fundos, não têm como fazer”.
Por isso, ele avalia que há grandes chances de esses investidores migrarem para o mercado de minério de ferro, com preços também em alta, em especial a Vale (VALE3), que tem liquidez para absorver essa entrada.
Saiba mais sobre o petróleo e como funciona a sua cotação
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O petróleo é considerado uma commodity. O termo se refere a recursos finitos que têm origem na natureza e são comercializados. No caso, o petróleo é usado principalmente como combustível, mas também dá origem a materiais como o plástico • REUTERS/Vasily Fedosenko
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O petróleo pode ser de vários tipos, dependendo principalmente do seu grau de impureza. Os dois principais, Brent e WTI, são leves (pouco impuros), e a diferença se dá pelo local de negociação: bolsa de Nova York no caso do Brent e bolsa de Londres no caso do WTI • Instagram/ Reprodução
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Os preços do petróleo seguem uma cotação internacional, e flutuam pela oferta e demanda. No Brasil, o preço de referência adotado pela Petrobras - maior produtora no país - é do Brent, seguindo a cotação internacional, em dólar • REUTERS
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Quando se fala da comercialização de petróleo, um fator importante é a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). Com 13 membros, ela é responsável por quase 50% da produção mundial de petróleo, e portanto consegue regular a oferta - e preços - pelos fluxos de produção • Reuters/Dado Ruvic
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A partir de 2020, os preços do petróleo foram afetados pela pandemia e pela guerra na Ucrânia. A Opep+ (que inclui países aliados do grupo, como a Rússia) decidiu cortar a produção temporariamente devido à baixa demanda com lockdowns, e os preços caíram. A média em 2020 foi US$ 40, distante da de anos anteriores, entre US$ 60 e US$ 70 • REUTERS
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Em 2021, porém, o cenário mudou, com o avanço da vacinação, os países reabriram rapidamente, e a demanda por commodities decolou, incluindo pelo petróleo. A Opep+, porém, decidiu manter os níveis de produção de 2020, e a oferta baixa fez os preços saltaram, ultrapassando US$ 80 • REUTERS/Nick Oxford
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Já em 2022, a situação piorou. A guerra na Ucrânia, e as sanções ocidentais a um dos maiores produtores mundiais da commodity, a Rússia, fizeram os preços dispararem, ultrapassando os US$ 120. Atualmente, o barril varia entre US$ 100 e US$ 115 • 03/06/2022REUTERS/Angus Mordant
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A alta dos preços do petróleo, porém, trouxe consequências negativas para o Brasil. Como a Petrobras segue a cotação internacional e o dólar está valorizado ante o real, ela subiu o preço nas refinarias, o que levou a uma elevação da gasolina e outros combustíveis. Até o momento, o preço da gasolina já subiu 70% • REUTERS/Max Rossi
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A alta do petróleo não afetou só o Brasil. Países dependentes da commodity, como EUA, Índia e Reino Unido, também viram os preços dos combustíveis subirem, e têm tentado pressionar a Opep+ a retomar os níveis de produção pré-pandemia, o que tem ocorrido lentamente enquanto a organização aproveita para se recuperar das perdas em 2020 • Reuters
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