“Bolsa de Valores das Favelas” busca sócios; veja como funciona
Ações das companhias negociadas na bolsa custarão R$ 10 e terão seu rendimento pré-fixado
O G10 Favelas, bloco de líderes e empreendedores que reúne as dez maiores favelas brasileiras, e a plataforma de investimentos DIVI•Hub lançam nesta sexta-feira (19) a “Bolsa de Valores das Favelas”, plataforma em que pessoas poderão se tornar sócias de frações de empresas que operam nas comunidades brasileiras, a partir de R$ 10.
As companhias precisarão realizar um IPO para receber os investimentos. Contudo, ao invés de passar por um processo de bookbuilding, em que tradicionalmente as corretoras e os bancos apuram com seus clientes se possuem interesse em uma determinada oferta e, assim, definem o preço do papel, as companhias e o DIVI•Hub determinarão os valores.
Os empresários precisam ter empresas S.A (sociedade anônima), entregar alguns documentos que informam o balanço financeiro, escolher quanto de sua companhia desejam ofertar no mercado e, diante do valuation, determinar a quantidade ações, ou DIVIs – nome dado às frações, que serão negociadas a custo de R$ 10.
Gilson Rodrigues, presidente do G10, afirma que a bolsa tem o intuito de democratizar os investimentos. “Parece que a B3 é apenas para os mais ricos comprarem e venderem ações, e que a comunidade, que também tem vontade de estar no mercado de capitais, não tem acesso”, declara.
Rentabilidade e preço das ações
Se uma companhia pretende ofertar R$ 100 mil de seu valuation na bolsa, terá que vender 10 mil papéis ao custo de R$ 10. “Esse é o cálculo que toda companhia que realiza um IPO deverá fazer”, explica Rodrigues.
A grande diferença da B3 é que as ações na Bolsa da Favela são pré-fixadas, ou seja, os investidores saberão qual será o retorno financeiro de cada papel adquirido.
Ricardo Wendel, presidente da DIVI•Hub, explica que os investidores estão comprando apenas o direito de participar da receita das empresas, e poderão receber retornos por até 10 anos.
O emissor dos papéis é o próprio empreendedor, via uma SPE (Sociedade de Propósito Específico), modelo de organização empresarial que constitui uma nova empresa, limitada ou sociedade anônima, podendo em alguns casos ter prazo de existência determinado.
“Uma das vantagens de se investir é que os [futuros] acionistas não estarão registrados por um contrato social e não têm ônus como sócios caso as empresas incorrem em problemas de recuperação judicial ou disputas trabalhistas”, destaca Wendel.
O início das transações na Bolsa de Valores das Favelas ocorre nesta sexta-feira, ao mesmo tempo que acontece o Slum Summit G10 Favelas 2021, organização que visa destacar os principais polos de negócios das comunidades.
Riscos
O presidente da DIVI•Hub afirma que o risco para esses investimentos é receber o retorno com uma TIR (taxa interna de retorno) mais diluída.
Se, por exemplo, uma empresa que capta R$ 1 milhão tem o plano de devolver aos investidores R$ 1,6 milhão em 5 anos – o retorno será de 12% ao ano. “Essa cifra pode ser retornada antes dos cinco anos, aumentando o TIR, ou após cinco anos, diminuindo a taxa interna de retorno”, explica o executivo.
Contudo, Josilmar Cia, professor de finanças do Mackenzie, acredita que os pontos negativos são mais profundos. “O risco desses investimentos é grande porque são empresas em um ambiente não-tradicional”.
O professor considera a Bolsa das Favelas como um investimento de alto risco.
Outra grande preocupação de Eduardo Dotta, professor do Insper de Direito de Mercado financeiro de Capitais, é que as companhias quebrem. “Essas empresas estão inseridas em um mercado menos explorado, conseguem ter presença nas comunidades, mas precisam ter sustentabilidade financeira para não encerrar suas operações [depois que fizeram o IPO]”, explica.
“[No começo], a forma como os investidores devem enxergar a bolsa e as empresas negociadas é como o venture capital encara as startups: sabendo que a maioria pode dar errado, mas que uma parcela de 10% a 20% pode valer a pena”, diz Cia. “A plataforma é um instrumento que ainda não foi testado, e possui poucas ofertas. Dessa forma, os acionistas devem alocar, por enquanto, pouco capital nesses investimentos”.
IPOs
Até o momento, apenas duas companhias realizarão o IPO nesta sexta-feira, o G10 Bank Participações, banco aprovado pelo Banco Central do Brasil para atender clientes da comunidade, e o Favela Brasil Xpress, companhia especializada no serviço de entregas nas favelas.
Giva Pereira, presidente da Favela Brasil Xpress, pretende levantar R$ 1,33 milhão, oferecendo 5% do valuation da companhia.
A empresa pretende devolver 1,8 vezes o capital investido. Em uma projeção de cinco anos, a rentabilidade será de 12,5% ao ano. “Contudo, se o negócio de entregas performar melhor do que esperado, podemos aumentar a rentabilidade”, diz Pereira.
O montante captado será investido em quatro frentes:
- Sistema de logística: criação de um sistema próprio de gestão das entregas, monitoramento, app de entregas, torre de controle, armazenamento, movimentação das cargas e mapeamento dos territórios;
- Base sustentável: estrutura necessária para tornar as operações sustentáveis no que tange ao reuso de água, placas de energia solar e veículos leves elétricos;
- Expansão: compra de ativos e aluguéis de espaços para expandir as operações;
- Serviço de consultoria e capacitação: projetos que visem a expansão escalável dos negócios da companhia.
Futuro
O G10 e o DIVI•Hub têm a pretensão de movimentar R$ 6 milhões até o final de 2021 e realizar 18 IPOs, com mais de 15 mil investidores. Após completar um ano de operação, a plataforma projeta 140 mil investidores e movimentar cerca de R$ 75 milhões.
“Espero que empreendimentos das favelas de todo o Brasil façam IPO na nossa bolsa”, comenta Rodrigues.
Vale destacar que, além de realizar um IPO na Bolsa da Favela, o empresário ainda pode negociar um equity ou captar recursos de outras formas – o que não pode acontecer com as empresas listadas na B3.