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    Retrospectiva 2022

    Guerra, petróleo, alimentos e juros: relembre as principais crises econômicas de 2022

    Especialistas avaliam que o conflito na Ucrânia acentuou problemas gerados pela pandemia e afetou os preços dos combustíveis, de energia e, consequentemente, gerou um efeito inflacionário em cascata

    Efeito em cascata gerado pela escalada dos preços impôs aos bancos centrais a necessidade de elevar as taxas de juros pelo mundo
    Efeito em cascata gerado pela escalada dos preços impôs aos bancos centrais a necessidade de elevar as taxas de juros pelo mundo Freepik/Wirestock

    Pedro Zanattado CNN Brasil Business

    em São Paulo

    A economia global sofreu um abalo em 2022. No início do ano, as instituições financeiras já projetavam um crescimento mais tímido como parte das consequências da pandemia que afetou as cadeias globais de comércio.

    No entanto, a guerra da Ucrânia, que começou em 24 de fevereiro, aprofundou problemas de demanda, gerou mais desafios econômicos para o mundo e trouxe urgência para debates que seguiam um curso gradativo entre as lideranças e nações.

    Segundo especialistas, as principais crises que grande parte dos países enfrentam, principalmente os ocidentais, surgiram em decorrência da guerra, uma vez que o conflito afetou os preços dos combustíveis, de energia e, consequentemente, gerou um efeito inflacionário global.

     

    “Vínhamos de um período de pandemia em que tivemos uma forte pressão nos preços que acabou gerando uma inflação global. Em um primeiro momento, vimos um choque de oferta grande, pois as medidas restritivas fizeram com que a atividade parasse, gerando uma menor oferta, principalmente, de bens industrializados”,  lembra a economista da XP Tatiana Nogueira.

    Em um segundo momento, com os lockdowns e a mobilidade reduzida em muitos países, os governos iniciaram políticas de auxílio e estímulo econômico. Esse contexto, somado ao momento de juros baixos pelo mundo gerou uma forte demanda que foi direcionada para bens industriais e alimentos. Resultando em mais pressão sobre os preços.

    A expectativa era de que o ano de 2022 seria marcado por certa normalização da economia. Contudo, o advento da guerra mudou o quadro de perspectivas para o restante do ano e, até mesmo, para os anos seguintes.

    Confira as principais crises globais que afetaram o mundo em 2022:

    Petróleo

    Em março deste ano, os preços do petróleo atingiram o nível mais alto desde 2008 por conta dos primeiros desdobramentos da guerra e negociações entre Estados Unidos e Irã, sendo negociado a US$ 129,78 por barril. Esse foi o ápice do aumento dos preços do petróleo.

    Segundo especialistas, a volatilidade que a guerra trouxe à commodity é um dos principais fatores que explicam, por exemplo, o aumento dos preços dos combustíveis no Brasil e no mundo.

    O professor de relações internacionais da ESPM Leonardo Trevisan explica que a guerra foi o grande catalizador da crise nos preços do petróleo, principalmente na Europa.

    “Assim que a guerra foi declarada o petróleo saltou muito, isso alterou completamente os preços. A Rússia é a grande fornecedora de petróleo. O país era a grande impulsionadora de todo o parque industrial europeu com seu gás natural”, disse.

    O especialista afirmou ainda que as sanções anunciadas pelos países ocidentais acentuaram a crise, uma vez que a Rússia retalhou ao interromper parte do fornecimento para os europeus.

    Passados 10 meses desde o início do conflito, a avaliação é de que a guerra já foi precificada pelo mercado.

    “Está no preço, uma guerra sem solução é o cenário base que está precificado. Você não tem uma escalada do conflito e nem uma paz, um conflito congelado. O mercado já precificou esse cenário de manutenção da guerra”, diz Gabriel Barros, economista-chefe da Ryo Asset.

    Atualmente, os preços do petróleo tem se estabilizado em níveis mais baixos do que os vistos anteriormente, na margem dos US$ 76 o barril. Mas ainda deve haver desdobramentos dado tensões geopolíticas envolvendo as exportações russas.

    No início deste mês, a União Europeia (UE) chegou a um consenso sobre  limitar o petróleo russo poucos dias antes de sua proibição à maioria das importações entrar em vigor. Os 27 estados membros do bloco concordaram em estabelecer o limite de US$ 60 o barril. A Rússia, por sua vez, disse que não fornecerá petróleo a países que implementem o limite.

    Alimentos

    Com o aumento nos preços dos combustíveis, uma das categorias mais afetadas foram os alimentos. A guerra na Ucrânia também exerceu grande influência, uma vez que o país eslavo tem papel importante nas exportações de grãos para os países Ocidentais.

    Logo em março, os preços atingiram recorde no mundo. O Índice de Preços de Alimentos da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) alcançou média de 159,3 pontos naquele mês, alta de 17,9 pontos (12,6%) ante fevereiro. O maior nível já alcançado desde o início da avaliação, em 1990.

    No Brasil, a escalada inflacionária nos preços também alcançou o ápice em março, quando o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) — que mede a inflação oficial do país –, acelerou para 1,62% no mês. Maior resultado para o mês de março desde 1994, antes da implantação do Plano Real.

    Naquele momento, o indicador acumulava alta de 3,20% e, nos últimos 12 meses, de 11,30%.

    Apenas após a aprovação do projeto que estabeleceu um teto para o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre bens considerados essenciais (combustíveis, energia, transportes coletivos, gás natural e comunicações) o indicador entrou em um período de queda, registrando deflação de 0,68% em julho. Atualmente o índice está em 5,90%, em 12 meses.

    Energia

    Nos últimos anos, as economias desenvolvidas vinham discutindo alternativas para alcançar as metas de sustentabilidade e descarbonização. No entanto, a guerra colocou um frio nos planos de migração para uma economia mais limpa.

    Após a paralisação da venda de gás natural russo aos países do continente, muitas nações foram obrigadas a aumentar o uso de combustíveis fósseis para garantir energia para a população. Com isso, os preços da energia dispararam.

    O Reino Unido, por exemplo, um dos países que mais sofreram com o aumento dos custos de energia, se deparou com o dilema da necessidade de preservação ambiental ao mesmo tempo em que era preciso fornecer energia para a população.

    Contudo, não existiam muitas escolhas para o curto prazo. Com isso, o país aprovou no início deste mês sua primeira nova mina de carvão profundo em décadas para produzir o combustível altamente poluente para uso na siderurgia. A decisão atraiu críticas de oponentes que dizem que isso prejudicará as metas climáticas.

    As emissões de gases de efeito estufa provenientes da queima de carvão –como nas usinas de aço e de energia– são o maior fator de contribuição para as mudanças climáticas, e a independência dos países do carvão é considerada vital para atingir as metas climáticas globais.

    A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), classificou esta como a pior crise energética desde os anos 1970 e que, a partir dela, se desencadeará uma forte desaceleração, com a Europa sendo a mais afetada.

    Juros

    O efeito em cascata gerado pela escalada dos preços impôs aos bancos centrais a necessidade de elevar as taxas de juros para combater a inflação, principalmente nos países Ocidentais.

    A economista da XP Tatiana Nogueira explica que o aumento das taxas de juros pelo mundo vai em linha com a invasão da Ucrânia e os choques na economia provocados pela pandemia.

    “Os bancos ficaram com taxas artificialmente muito baixas, eram taxas muito estimulativa para o período pandêmico. O que vimos é que dado esse choques consecutivos do lado da oferta e uma demanda que se demostrou muito mais resiliente do que esperávamos, os BCs tiveram que ir além e entrar no campo contracionista”, disse.

    No Brasil, o Banco Central (BC) realizou uma sequência de 12 altas, iniciada em março de 2021, quando a Selic estava em 2% ao ano. A taxa chegou a 13,75% em agosto, e o Copom manteve a Selic neste patamar em suas três últimas reuniões. A expectativa é de que apenas no segundo semestre de 2023 a instituição inicie um ciclo de queda na Selic.

    No entanto, com o aumento do risco fiscal gerado pela perspectiva do aumento de gastos públicos no novo governo, algumas instituições já projetam que a política monetária restritiva deve permanecer por mais tempo.

    Com a atual Selic, o Brasil ocupa o 1° lugar no ranking de taxas de juros reais – descontada a inflação – projetada para os próximos 12 meses. Já considerando apenas a taxa nominal de juros, o país ocupa a segunda colocação no ranking. A maior taxa nominal é a da Argentina, de 75%, que enfrenta um cenário inflacionário crescente.

    No mundo, a situação não é diferente. Em novembro, o Banco da Inglaterra (BoE) elevou, pela oitava vez, as taxas de juros em 0,75 ponto percentual, o maior aumento em 33 anos.

    Na zona do euro, o Banco Central Europeu (BCE) também elevou, pela terceira vez consecutiva, a taxa básica de juros em 0,75 ponto percentual. A presidente do banco, Christine Lagarde, chegou a afirmar que a entidade monetária pode precisar elevar tanto as taxas de juros que eles acabarão amortecendo o crescimento em meio ao combate à inflação alta.

    Já nos Estados Unidos, foram sete aumentos seguidos realizados pelo Federal Reserve (Fed – o banco central do país) no último ano. A última alta, em 14 de dezembro, foi a menor delas, de 0,5 ponto percentual. Com isso, os juros norte-americanos passaram a um intervalo entre 4,25% a 4,50% ao ano.

    O cenário fez com que instituições internacionais revisassem projeções de crescimento e colocassem uma recessão à vista.

    Leonardo Trevisan, da ESPM, explica que os juros se assemelham à vacina em contextos de epidemia. “Os juros são a vacina. Ao ter uma escalada da inflação é obrigatório que você suba os juros para conter os preços, mas isso esfria a economia. Quer dizer, salários, renda e emprego… significa a palavra recessão”, disse o professor.

    Argentina

    Dentre as principais economias afetadas pelo desencadeamento do que especialistas têm chamado de “crise das commodities” está a Argentina. De acordo com um levantamento realizado pela consultoria Austin Rating, o país vizinho é o 5° com a maior inflação do mundo, no acumulado de 12 meses, com 92%.

    A nação vizinha está atrás do Sudão (4° lugar), que acumula uma inflação de 103%, e ultrapassou a Turquia (6° lugar), com um índice inflacionário de 85,5%. O ranking mostra que o país com a maior inflação do mundo é o Zimbábue (255%), seguido por Líbano (158%) e Venezuela (156%). O Brasil ocupa a 124° posição.

    Segundo a agência de estatísticas governamental do país de Messi, o Indec, os preços subiram 76,6% nos primeiros 10 meses do ano.

    Neste cenário, o país teve de tomar medidas mais drásticas. O governo argentino anunciou em novembro um acordo com supermercados e fornecedores de bens de consumo de massa para congelar ou regular os preços de cerca de 1.500 produtos, na tentativa de conter a escalada de preços.

    A mais recente medida em meio à crise foi anunciada pelo ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa, que informou a redução da quantidade de contribuintes do Imposto de Renda em janeiro, em meio a demandas sindicais por uma taxa sobre os salários médios e altos.

    Com esta atualização, menos de 600 mil assalariados do país pagarão o imposto, menos de 10% de todos os trabalhadores, acrescentou.

    A inflação alta e os desequilíbrios da economia têm gerado desconforto entre os trabalhadores devido à deterioração da renda e levou quase 40% da população à pobreza, aumentando os protestos nas ruas.

    Perspectivas para 2023

    Muitas incertezas ainda giram em torno das perspectivas para o próximo ano, mas a expectativa de que aconteça uma desaceleração global por conta do aumento generalizado de juros pelo mundo é tida como certa por economistas e instituições ao redor do globo.

    Na zona do euro, por exemplo, as expectativas dos consumidores para a inflação no próximo ano subiram em outubro, mas as previsões para os próximos três anos se mantiveram estáveis em uma taxa ainda bem acima da meta de 2% do Banco Central Europeu, disse a instituição em uma pesquisa mensal.

    Já a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) prevê que o crescimento econômico mundial deverá desacelerar de 3,1% este ano para 2,2% no próximo, antes de subir 2,7% em 2024.

    O órgão ponderou ainda que a desaceleração global está afetando as economias de forma desigual, com a Europa sendo a mais atingida uma vez que a guerra da Rússia na Ucrânia atinge tanto a atividade comercial como provoca um pico nos preços da energia.

    No Brasil, as perspectivas seguem com baixo otimismo. O risco de nova expansão fiscal por parte do novo governo deve pressionar o Banco Central (BC) a permanecer com uma política monetária restritiva por mais tempo, segundo a avaliação de economistas.

    Os especialistas dizem que a grande preocupação das economias para o ano que vem será a busca pela estabilidade dos preços e a tentativa de retomar as taxas de juros para as metas definidas pelas instituições financeiras dos países.