Guerra e petróleo: veja reações mais drásticas da commodity a grandes conflitos
Guerra Israel-Hamas gera preocupação quanto ao avanço do preço do barril, lembrando crises já vividas no setor
A alta dos preços do petróleo foi um dos primeiros sinais de abalo econômico com a Guerra de Israel. O barril Brent, que já vinha aumentando, chegou ao patamar dos US$ 90 após uma semana da eclosão do conflito, subindo mais de 8%. Um alerta recente do Banco Mundial menciona o risco de o barril atingir US$ 150.
Comportamento semelhante da commodity é visto toda vez que algo foge do equilíbrio no mundo, como no caso de conflitos e guerras de grandes proporções — especialmente se envolverem países produtores ou rota de passagem do produto, destaca Gabriel Bassotto, analista chefe de ações do Simpla Club.
Na primeira semana de outubro, antes de a guerra começar o petróleo acumulava queda de 11,3%, segundo levantamento feito pela consultoria Stonex.
Já na passagem da quinta-feira para a sexta-feira, quase uma semana depois do primeiro ataque do Hamas a Israel, o petróleo Brent subia mais de 5%, chegando ao patamar dos US$ 90.
Jean Paul Prates, presidente da Petrobras, avalia que o preço está alto, mas que não tem relação com as tensões no Oriente Médio. “Já tinha uma inflação estrutural acontecendo”, afirma.
Para Gustavo Cruz, estrategista chefe da RB Investimentos, o movimento de alta reflete as incertezas dos investidores com a extensão do conflito nos próximos dias e semanas.
“Quando ficar mais definido que é algo local, acho que diminui um pouco o grau de incerteza nos mercados financeiros e você consegue rastrear bem quais são os produtos que são afetados”, explica.
Para ele, a preocupação maior é o conflito se alastrar para outros países da região.
Veja alguns dos momentos mais marcantes para a cotação do petróleo na história:
Guerra Yom Kippur: um dos primeiros grandes choques
Em 1973, o preço do barril Brent chegou a subir 400% em três meses, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Foi quando começou o embargo petrolífero da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), na Guerra do Yom Kippur, em outubro, que ficou conhecido como um dos primeiros choques do petróleo.
Em três meses, o petróleo foi de US$ 2,90 para US$ 11,65, pressionando as economias norte-americana e europeia na época.
O conflito, que em 2023 completou 50 anos, pressionou os preços das ações, que entraram em colapso devido ao “aumento da taxa preferencial, inflação e recessão que se seguiu”, segundo a Global Financial Data.
O cenário restringiu o crescimento nos mercados financeiros, e a bolsa de Londres caiu 68% entre 1972 e 1974, ante uma queda de 49% no período de 1929 a 1931.
Na época, os países que mais dependiam do petróleo se depararam com fábricas parando por falta de energia e falta de gasolina nos postos de abastecimento, ocasionando uma recessão das economias industrializadas e inflação.
Revolução Iraniana
Após o grande primeiro choque, do qual os EUA saíram muito prejudicados, uma nova política foi instaurada.
O Irã era o segundo maior exportador de petróleo, o que representava 48% das exportações da OPEP em conjunto com a Arábia Saudita.
Dessa maneira, os governos americanos desenvolveram acordos que garantiam uma estabilidade no coração energético, em grande parte pela comercialização de armamentos sofisticados que totalizaram US$ 20 bilhões na década de 1970.
Mas, em 1979, com a Revolução Iraniana, essa ordem tomaria outros rumos e ficaria conhecida na história como o Segundo Choque do Petróleo, lembra Paula Rubea Bretanha Mendonça Ebraico, mestre em Relações Internacionais pela PUC-RJ.
O mercado do petróleo enfrentou uma queda de 8% na oferta global devido à interrupção por parte do Irã, elevando os preços do barril Brent em 142,86%, de US$ 14 em 1978 a US$ 34,00 em 1979.
Guerra Irã-Iraque
A partir 22 de setembro de 1980, conflitos territoriais envolveram Irã e Iraque, com grande ameaça da tomada de uma região de grande importância petrolífera, que durou até finais de 1988.
Na época, o presidente estadunidense Jimmy Carter caracterizou o momento como a terceira maior interrupção nos últimos sete anos. “A guerra entre Iraque e Irã ocasionou a perda de aproximadamente 4 milhões de barris de petróleo nos mercados mundiais”, afirmou em discurso no dia 16 de janeiro de 1981.
A região do Golfo se demonstrava uma chave essencial no mercado petrolífero mundial, ligando ocidente e oriente, e acendendo um alerta à delicada dependência da importação dessa região.
Guerra do Golfo
Em 1990, o Iraque invade o Kuwait – que participou na Guerra Irã-Iraque. Mais uma vez, uma das mais importantes regiões petrolíferas levanta preocupações no abastecimento do ocidente.
O preço do barril Brent, que no início da Guerra do Golfo, em 2 de agosto de 1990, era cotado a US$ 22,25, teve um aumento de cerca de 25% ao final do mês.
Já no mês seguinte, apresentava um aumento de 84,27%, chegando a ser cotado a US$ 41, segundo dados do Energy Information Administration (EIA), divulgados pelo Ipeadata.
Meses antes do conflito, Saddam Hussein já havia informado suas reivindicações, como o aumento dos preços do barril de petróleo para US$ 25 e indenização pela commodity retirada. Os movimentos do líder seguiam para uma hegemonia no setor petrolífero de quase 50% se conseguisse anexar a Arábia Saudita e o Kuwait.
“A partir daquele momento [da invasão no Kuwait], os EUA romperam as relações de amizade com o Iraque e organizaram uma coalizão militar contra Saddam Hussein, seu mais novo inimigo.”, escreve Paula Rubea em “As Opções de Geopolítica Americana: O Caso do Golfo Pérsico”.
Foi a partir desse conflito que as relações amargaram e uma nova personalidade, que teria destaque mais adiante, ganha destaque no mundo: Osama bin Laden.
Ataques do 11 de setembro de 2001
Em 11 setembro de 2001, o mundo assistia aos ataques contra o World Trade Center (WTC), que deixaram cerca de 3 mil mortes.
A estratégia dos EUA após esse impacto foi de estabelecer uma segurança ao país quanto às exportações de petróleo, sendo a commodity um motim dos conflitos e peça fundamental para as economias.
Segundo Ebraico, “além de derrubar o governo de Saddam Hussein [os EUA] e com isto eliminar um inimigo dos interesses americanos, a instauração de um governo pró-americano no Iraque garantiria um suprimento de petróleo a preços baixos”.
Enquanto isso, os preços do petróleo despencaram. No dia dos ataques, o barril Brent era cotado a US$ 29,12, diminuindo a US$ 25,57 uma semana depois.
No final do mês de setembro, a queda foi de quase 25%, segundo dados divulgados pelo Ipeadata.
Guerra Rússia-Ucrânia
Com guerra envolvendo a Rússia foi um pouco diferente, quando a cotação do barril Brent, referência internacional, subiu rapidamente.
No conflito com a Ucrânia, o crescimento do dia 24 de fevereiro a 3 de março de 2022 foi de 19,21%, com barris cotados em US$ 118,11.
Quando comparada a outros conflitos, o caso da Rússia tem um movimento mais direto, explica Gabriel.
“A Rússia já é um grande produtor de petróleo, faz parte da OPEP+, e poderia ter mesmo, e foi o que aconteceu, sanções econômicas sendo aplicadas por parte do Ocidente”, diz.
Após cerca de 3 meses, os preços caíram. Isso porque, segundo Bassotto, as cadeias produtivas se realocam, e, quem antes comprava da Rússia, migrou para outro mercado ou conseguiu comprar mais barato do país, como Índia e China fizeram.
Outros conflitos
Pouco mais de 10 anos atrás, a Guerra da Síria também traçava um gráfico de aumento do petróleo. No início do conflito, em 15 de março de 2011, o barril de petróleo tipo Brent era cotado a US$ 111,11.
Uma semana depois havia aumentado 4,07%, chegando a US$ 124,63 o barril.
É o que mostra levantamento realizado pela Quantum Finance, que reuniu as cotações do barril Brent e WTI durante a Guerra da Síria, Guerra Civil no Iêmen, Guerra Rússia-Ucrânia, Conflito Azerbaijão-Armênia e Guerra Israel-Hamas.
Bassotto diz que já faz 10 anos que a relação de demanda e oferta mudaram muito, sendo que a primeira cresceu mais do que a outra.
“A gente entendia que tinha ainda espaço para a demanda de petróleo subir porque ainda existia uma oferta ociosa”, aponta.
Após 3 meses de conflito, o preço também retornou a quase o valor de antes do conflito.
O Iêmen também apresentou uma curva diferente quando ocorreu a guerra civil no país. No início do conflito, no dia 16 de setembro de 2014, o preço do Brent estava em US$ 97,39.
Uma semana depois, a cotação batia US$ 94,87 e, depois de um mês, US$ 84,02.
“Apesar de ser um país dependente do petróleo para a economia local, não é um grande produtor de petróleo a níveis globais, assim como isso também acontece em Israel hoje”, explica o analista da Simple Club.
Os analistas destacam a importância de lembrar que são guerras diferentes e em cenários econômicos distintos.
Para Bassotto, é necessário analisar os países diretamente envolvidos, relação de oferta e demanda, juros e se o ambiente já não está muito inflacionado.
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*Sob supervisão de Gabriel Bosa e Ligia Tuon