Fundo Amazônia e acordo Mercosul-União Europeia serão foco de encontro entre Lula e Scholz
Autoridades se encontram às 15h30 desta segunda (30); especialistas divergem se encontro teria importância mais simbólica ou efeitos práticos
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe nesta segunda-feira (30) o primeiro-ministro alemão Olaf Scholz. Os focos principais da visita devem ser a retomada dos aportes alemães ao Fundo Amazônia, interrompidos na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, e o acordo entre União Europeia e o Mercosul.
Ambos os temas são vistos como relevantes, do ponto de vista da diplomacia externa, mas especialistas divergem sobre os efeitos práticos.
Durante visita ao Brasil, para participar da posse de Lula, o presidente alemão Frank-Walter Steinmeier já havia anunciado que a Alemanha iria liberar 35 milhões de euros para o Fundo Amazônia.
Mas a ministra alemã da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento, Svenja Schulze, afirmou que Berlim planeja doar um valor ainda maior, de 200 milhões de euros (R$ 1,1 bilhão), em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo publicada neste domingo (29). A expectativa é de que o encontro desta segunda oficialize o aporte.
O apoio à proteção das florestas ocorre desde a Rio-92, mas o aporte ao fundo foi suspenso, logo no início do governo Bolsonaro, durante a gestão do ex-ministro do meio ambiente Ricardo Salles.
Salles, hoje deputado federal (PL-SP), tentou alterar a composição do conselho do Fundo, diminuindo a participação de membros da sociedade civil e aumentando o poder do governo federal. Noruega e Alemanha, principais doadores do fundo, entenderam que se tratava de uma quebra do acordo e congelaram os repasses de verbas.
A Noruega, que é o principal fornecedor de recursos para a proteção da Amazônia, também anunciou a retomada da ajuda ao fundo no início do ano. O fundo hoje tem cerca de R$ 3,5 bilhões.
Guilherme Casarões, Cientista político e professor da FGV EAESP, afirma que o aporte da Alemanha ao Fundo Amazônia trata-se de uma contribuição importante, já que praticamente duplica o valor do orçamento do Ministério do Meio Ambiente.
“Esse aporte se torna ainda mais sensível no contexto de um governo pressionado pela questão fiscal e que necessita recompor toda a estrutura de regulação, fiscalização e preservação ambiental que foi desmontada ao longo dos últimos anos.
O retorno do Fundo Amazônia é reflexo do reconhecimento por parte dos países europeus de que o novo governo Lula tem na questão ambiental (e amazônica) um dos seus principais compromissos.”
Para Carlo Cauti, professor do curso de Relações Internacionais do Ibmec-SP e especialista em União Europeia, a retomada dos aportes da Alemanha tem uma importância simbólica, mas poucos efeitos práticos.
“O Fundo Amazônia não vai resolver o desmatamento na Amazônia, considerando que a floresta de uma área gigantesca, de 5 milhões de quilômetros quadrados, e US$ 3 bilhões não seriam suficientes para realizar a proteção ambiental de todo o território. Por isso, o aporte tem uma importância meramente simbólica.”
O professor cita também a discussão sobre o direcionamento dos aportes do fundo. Segundo ele, a principal crítica que o governo anterior fazia era sobre a exigência dos países europeus de decidir a quais ONGs os recursos seriam repassados.
“É uma questão de soberania, os países doadores querem ter o direito de dizer para onde direcionar os aportes e o governo anterior resistia. É claro que o governo atual tem outra visão sobre isso”.
Acordo entre Mercosul União Europeia
Outro destaque do encontro deve ser o acordo comercial entre União Europeia, que reúne 27 países europeus, e o Mercosul, bloco formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
As negociações do tratado entre os blocos foram concluídas em 28 de junho de 2019, mas para que o acordo passe a funcionar de fato, deve passar por um processo de revisão e ratificação por parte dos congressos nacionais dos países do Mercosul e pelo Parlamento Europeu.
Peter Adrian, presidente das Câmaras Alemãs de Indústria e Comércio (DIHK), pediu recentemente a ratificação do acordo. Lula também já disse anteriormente que pretende se esforçar para finalizar o acordo, que criaria a maior zona de livre comércio do mundo. O governo alemão espera dar novos passos rumo à ratificação do acordo durante a viagem de Scholz.
Casarões destaca que em seus mandatos anteriores, a despeito das boas relações políticas entre Brasil e Europa, Lula não se mostrou particularmente engajado no avanço das negociações do acordo bilateral.
“Isso aconteceu num contexto de desencontros políticos intra-Mercosul e de políticas industriais protecionistas frente aos produtos europeus. Hoje, com o acordo já assinado, o novo governo poderá utilizá-lo para favorecer o agronegócio brasileiro, minimizando as resistências ainda fortes no setor com relação a Lula”, diz.
O avanço do acordo sofreu resistência de países europeus, principalmente durante a gestão do governo Bolsonaro. Autoridades europeias argumentavam que não poderiam estreitar relações com o Brasil diante da postura do governo passado sobre o meio ambiente.
Mas especialistas também afirmam que a questão ambiental é usada como um pretexto para esconder a real resistência por parte de países como a França, que não querem que o acordo avance por causa do interesse de produtores rurais, que avaliam que o acordo poderia representar mais concorrência aos produtos franceses.
Cauti acredita que o acordo dificilmente avançará por essa razão e também pela resistência da Argentina. “Há muita resistência no parlamento europeu, principalmente por produtores franceses, irlandeses e poloneses.
Mas com a pressão da Alemanha e Itália, se os 26 países da União Europeia defenderem a ratificação, a resistência da França seria contornável. Mas na minha visão, é quase impossível esse acordo passar neste momento principalmente por causa da Argentina”
Segundo o professor, a visão ideológica de esquerda do atual governo argentino embute uma forte rejeição a um estreitamento nas relações com países europeus. A corrente kirchnerista também defende o protecionismo e argumenta que a indústria Argentina não teria capacidade de fazer frente à concorrência com a Europa.
Scholz desembarcou na Argentina no sábado (28). Em encontro com Alberto Fernández, defendeu a ratificação do acordo entre Mercosul e União Europeia. O presidente argentino disse que ele e Lula também desejam a conclusão do acordo. Para Cauti, a fala de Fernandéz é apenas retórica, não representa mudanças significativas.
Alemanha é apenas 11º parceiro comercial do Brasil
Scholz também busca estreitar os laços comerciais alemães com os países sul-americanos. Inclusive, o chanceler é acompanhado por uma delegação empresarial na viagem à América Latina. Mais de mil empresas alemãs fazem negócios apenas no Brasil, como Mercedes-Benz, Volkswagen e ThyssenKrupp.
Ainda assim, a Alemanha representa uma pequena parcela da corrente comercial brasileira. É apenas o 11º destino de exportação do Brasil. O intercâmbio comercial entre os dois países somou US$ 19,1 bilhões em 2022, bem atrás dos US$ 150,4 bilhões trocados com a China, o principal parceiro do Brasil.
Além disso, o Brasil registrou déficit de US$ 6,5 bilhões com a Alemanha em 2022. Em parte, o saldo negativo da balança é explicado pelo valor agregado dos produtos importados, como componentes químicos, itens para veículos, eletrônicos, fertilizantes e medicamentos. Enquanto isso, os principais produtos vendidos aos alemães são matérias-primas, como o café, que representa 27% das exportações, e o minério de ferro, com 11%.