Renda fixa: Títulos de longo prazo pagam mais, mas precisam de planejamento
Com taxa Selic reduzida a 2%, remunerações ficam cada vez mais espremidas, e investir em papéis com vencimentos mais longos ajuda a ter juros maiores
Os juros básicos do país já estavam baixíssimos. Com a mais nova redução feita nesta quarta-feira (5) pelo Banco Central, que cortou a taxa Selic de 2,25% para 2% ao ano, eles ficaram ainda menores.
Para os investidores, significa remunerações cada vez mais espremidas. A poupança, por exemplo, passa a pagar o equivalente a 1,4% ao ano. É menos do que a inflação e, na prática, significa retorno negativo para o dinheiro, que perde poder de compra mais rápido do que rende.
Uma das principais recomendações para ter ganhos um pouco maiores, e ainda sem deixar o porto seguro da renda fixa, é procurar por títulos de prazos mais longos. Pode ser Tesouro Direto, CDBs, LCAs ou LCIs, por exemplo.
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Diferentemente da poupança ou de fundos DI, em que o saque pode ser feito a qualquer momento, a maior parte dessas aplicações tem data específica para resgate, o que pode variar de menos de um ano até mais de dez. O Tesouro Direto, por exemplo, tem opções com duração de até 35 anos.
A vantagem: quanto mais longo o prazo, maior tendem a ser os juros oferecidos, e, mesmo com a Selic a 2%, é possível encontrar remunerações de mais de 140% do CDI (2,8%) e outras que passam dos 6%.
O título prefixado do Tesouro com vencimento em 2031, por exemplo, está pagando atualmente 6,6% ao ano. É o equivalente a impressionantes 230% do CDI (todos os títulos e taxas podem ser vistos na página do Tesouro Direto).
O problema: como há uma data específica para o término do investimento, e ela está longe, fazer o resgate antes pode implicar em perdas ou mesmo nem ser uma opção.
Além disso, as condições de juros e de inflação mudam muito ao longo dos anos, e o dinheiro que ficou preso naquela aplicação mais antiga pode acabar rendendo menos do que se pudesse migrar com mais facilidade para outras opções mais novas.
Tudo isso exige uma dose extra de planejamento que, para quem sempre esteve acostumado a deixar o dinheiro em uma aplicação tão fácil quanto a poupança ou um fundo simples do banco, é novidade.
“Para ganhar um pouco mais é preciso abrir mão da liquidez”, disse o responsável pela área de renda fixa da corretora Easynvest, Guilherme Artmann. “Você não vai sacar o dinheiro no dia seguinte; a carteira vai ter que ser um pouco mais estudada.”
Juros dos títulos subiram
Artmann destaca que, por conta da crise do coronavírus, os títulos públicos com prazos mais longos ficaram especialmente mais atraente. Com o pico de incerteza, os juros negociados no mercado acabaram sofrendo um choque e ficando maiores do que estavam antes – mesmo com a Selic caindo.
Isso puxou também as remunerações do Tesouro Direto para cima e abriu uma boa oportunidade para quem já estava pensando em colocar novos papéis na carteira.
“Há dois meses, os juros ficaram ainda mais altos, mas ainda estão com remunerações reais bastante boas”, disse Artmann.
O Tesouro IPCA+ com vencimento em 2035, por exemplo, irá pagar 3,4% acima da inflação para quem comprá-lo hoje. No fim do ano passado, essa remuneração tinha encolhido para 2,9% – e a Selic ainda era 5%.
Resgate engessado e risco de perda
Um dos principais riscos ligados aos títulos de renda fixa com data de vencimento definida é o da falta de liquidez, quer dizer, a maior ou menor dificuldade de resgatar o dinheiro antes do prazo final.
Muitos dão a possibilidade de saque antecipado, mas o investidor fica refém do preço que o mercado estiver disposto a pagar por aquele título no momento. E, sim, isso pode significar tanto sair com mais quanto com menos dinheiro do que o valor inicialmente aplicado.
Essas oscilações, entretanto, valem apenas para quem faz o resgate antes do prazo. Quem mantém o título até a data de vencimento tem sempre direito a receber exatamente a remuneração que contratou.
É como funcionam praticamente todos os títulos do Tesouro Direto, que aceita devolver o dinheiro da aplicação antecipadamente, mas pagando o preço de mercado por eles.
No caso de CDBs, LCAs e LCIs, os donos das emissões são bancos, e as condições variam de uma instituição para a outra. Algumas possibilitam o resgate antecipado, outras não. E, em boa parte dos casos, a devolução antecipada do dinheiro sofre algum desconto em relação ao valor inicial aplicado.
“A maneira de resolver esse problema de prazo é saber bem porque está investindo”, disse Artmann, da Easynvest. “Aquele dinheiro é para se aposentar? Então dá para buscar os títulos mais longos. É para comprar uma casa daqui a cinco anos? Daí prazos não tão longos. Se aplicar tudo e vier uma crise como a de agora, a pessoa vai ficar sem o dinheiro.”
Reserva de emergência
O advogado e consultor financeiro Humberto Veiga reforça a importância de, antes de qualquer diversificação ou alongamento de prazos, ter garantida uma parte das economias para a reserva de emergência.
“Tem que ser um dinheiro que está sempre disponível, e que pode ir para o Tesouro Selic, um CDB de banco ou fundo com muita liquidez”, disse. É o caso de CDBs que possuem liquidez diária e de fundos com prazo de resgate de até um ou dois dias.
O Tesouro Selic é o único título do Tesouro que permite resgate antes do vencimento, a qualquer momento, sem risco de perdas. Ele paga exatamente a Selic (2%) e tem a remuneração mais baixa dentre todas as opções do Tesouro.
É o dinheiro juntado para além dessa reserva que pode começar a ser distribuído na busca por remunerações melhores. “Tem que ter certeza de que não vai precisar desse dinheiro”, disse Veiga.
Comprar aos poucos
Um dos principais riscos de “congelar” o dinheiro em uma aplicação de longo prazo, de acordo com Veiga, está nas mudanças de juros e inflação que podem – e muito provavelmente vão – acontecer ao longo do tempo. “Quanto mais longo o papel, maiores a incertezas embutidas nele”, disse o consultor.
Quem compra um título prefixado agora, ou seja, com juros fixos definidos, pode perder, por exemplo, caso o país passe por um surto de inflação – se a aplicação fixar juros a 4% agora, e a inflação em algum momento for a 5%, o rendimento real (descontado da inflação) já fica negativo naquele ano.
Os juros podem também subir, o que vai criar novos títulos com remunerações também maiores. Os papéis que hoje pagam 4%, por exemplo, passarão a pagar 5% ou 6%, mas o investidor já “prendeu” seu dinheiro nos juros de 4%. “A pessoa vai receber o que combinou, mas deixa de ganhar essa diferença”, diz Veiga.
De acordo com ele, uma maneira de reduzir essa parcela do risco “é investir em aplicações que tenham a remuneração mista, com uma parte de juros fixa e outra com a remuneração pela inflação”. É o que fazem os títulos do tipo IPCA+ do Tesouro Direto.
Aplicações pós-fixadas – como os CDBs que pagam uma porcentagem do CDI – também ajudam nessa proteção, já que, se os juros voltarem a subir, a remuneração delas sobe junto também. “E, se a inflação subir, os juros sobem”, diz Veiga.
Outra maneira de amenizar o risco dessas variações é aplicar nos títulos longos aos poucos, em vez de colocar todo o dinheiro de uma vez – e que já é o que muitos fazem naturalmente.
“Se eu aplico R$ 100 por mês, tudo bem, porque, a cada aplicação eu estarei contratando uma taxa de juros diferente”, disse Veiga. Na prática, explica, isso faz com que a cesta já vá reproduzindo os juros médios praticados ao longo do período.
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