Queda da FTX é semelhante ao escândalo de Bernie Madoff, diz ex-reguladora
Bankman-Fried, assim como Madoff, seduziu investidores sofisticados e reguladores, a ponto destes ignorarem "bandeiras vermelhas" escondidas à vista de todos
Em apenas três anos, Sam Bankman-Fried transformou a FTX em uma gigante corretora de criptomoedas, apoiada por investidores de alto nível e avaliada em US$ 32 bilhões (cerca de R$ 170 bilhões).
Porém, levou apenas dias para que tudo implodisse num pedido de falência de grande escala.
Sheila Bair, uma das principais reguladoras que atuou durante a crise financeira de 2008, disse à CNN que há estranhas semelhanças entre a dramática ascensão e queda de Bankman-Fried e da FTX e a do infame mentor do esquema Ponzi, Bernie Madoff.
Bair observou que Bankman-Fried, 30, assim como Madoff, provou ser hábil em usar sua ascendência e conexões para seduzir investidores sofisticados e reguladores, a ponto destes ignorarem “bandeiras vermelhas” escondidas à vista de todos.
“O cortejo de reguladores e investidores pode servir como distração, impedindo-os de investigar e ver o que realmente está acontecendo”, comentou Bair, que foi presidente do FDIC (fundo garantidor de crédito dos EUA) de 2006 a 2011, em entrevista por telefone na segunda-feira (14). “Lembrou muito o estilo Bernie Madoff.”
A FTX pediu falência na sexta-feira (11), criando caos na indústria cripto e aumentando o espectro de grandes perdas para os clientes da exchange de criptomoedas.
“Tudo se retroalimenta”
Muito antes de seu esquema de pirâmide financeira entrar em colapso, Madoff era conhecido como um mago de Wall Street.
Ex-presidente da Nasdaq, ele participou de painéis consultivos da Securities and Exchange Commission (SEC, a CVM norte-americana) e gerenciou fundos para ricos e famosos. Bankman-Fried, por sua vez, foi um dos principais doadores da campanha eleitoral do partido Democrata em 2022.
Ele contratou diversos ex-reguladores dos EUA para trabalhar em cargos de alto nível na FTX, e seus pais são ambos professores na Faculdade de Direito de Stanford.
Até o pedido de recuperação judicial, a FTX ainda tinha um requerimento pendente junto aos reguladores federais para compensar derivativos, informou o The Wall Street Journal.
O CEO da Better Markets, Dennis Kelleher, disse em nota na segunda-feira (14) que a FTX tinha uma estratégia de “contratações rotativas” da Comissão de Negociação de Futuros de Commodities (CFTC, na sigla em inglês) e de outras instituições “para usar seu conhecimento, influência e acesso na agência e em Washington para promover a agenda da FTX”.
“As pessoas se sentem enganadas”, disse à CNN Brian Armstrong, CEO da Coinbase (corretora rival de criptomoedas), em entrevista por telefone na sexta-feira (11). “Na superfície, a FTX chamou muita atenção. Mas, à medida que as pessoas passaram a investigar, viram que os princípios básicos não estavam lá”.
A FTX obteve sua avaliação de US$ 32 bilhões com a bênção de investimentos de grandes nomes do mercado como BlackRock, SoftBank, Sequoia, bem como outros investidores.
“Você tem essa mentalidade de rebanho onde, se todos os seus pares e nomes emblemáticos do mercado de venture capital estão investindo, você também tem que investir. Isso, por sua vez, dá mais credibilidade para os legisladores em Washington. Tudo se retroalimenta”, afirmou Bair, que faz parte do conselho da Paxos, uma empresa de infraestrutura em blockchain (Bair esclareceu ainda que falava por si, e não pela Paxos).
Agora, autoridades nas Bahamas investigam uma possível conduta criminosa relacionada à quebra da FTX.
Nem a corretora, nem o advogado representando Bankman-Fried responderam a pedidos de comentário.
Se parece bom demais para ser verdade…
Bernie Madoff oferecia aos investidores retornos maravilhosos extraordinariamente consistentes e um histórico inacreditável, algo que mais tarde só provou ser possível por conta de um complicado esquema que envolvia o pagamento de clientes existentes com depósitos de novos clientes.
Dada a velocidade de sua queda e as reportagens na imprensa, uma série de questões foi levantada sobre a precisão e a solidez do balanço da FTX. O pedido de falência da corretora indica que havia passivos da ordem de US$ 10 a 50 bilhões no momento do requerimento.
Bankman-Fried teria transferido, de forma secreta, US$ 10 bilhões em fundos de clientes da FTX para a trading Alameda Research, e teria usado uma “porta dos fundos” para evitar o disparo de sinais de alerta contábeis, de acordo com fontes da Reuters.
À Reuters, Bankman-Fried negou a transferência secreta de fundos, e colocou a culpa em uma “rotulagem interna confusa”.
Bair recomendou cautela e ceticismo aos investidores. Se parece bom demais pra ser verdade, provavelmente é!
Necessidade de regulação
A boa notícia é que a ex-presidente do FDIC não está preocupada com a possibilidade da quebra da FTX ameaçar todo o sistema financeiro, como aconteceu com o Lehman Brothers em 2008. Os criptoativos ainda são uma parte relativamente pequena da economia e do mercado financeiro.
“Não há impacto sistêmico na economia real”, afirmou Bair, acrescentando que tudo isso é “moeda supervalorizada no ar com especulação”.
Contudo, a má notícia é que o mercado de criptomoedas permanece em grande parte desregulado, o que o torna uma terra de ninguém do mundo financeiro. Isso deixa os investidores vulneráveis quando há uma quebra.
“Os riscos dos criptoativos são muito reais”, comentou o presidente em exercício do FDIC, Martin Gruenberg, em comunicado a ser apresentado em audiência na terça-feira (15). “Depois da falência das plataformas de criptoativos que ocorreram neste ano, houve inúmeros relatos de consumidores que não conseguiram acessar seus fundos ou economias”.
Gruenberg, que foi nomeado pelo presidente Joe Biden na segunda-feira (14) para ser o diretor do FDIC em tempo integral, traçou paralelos entre a indústria cripto e os exóticos instrumentos financeiros que acabaram tendo um papel fundamental na crise financeira de 2008.
“Os criptoativos trazem consigo riscos novos e complexos que, assim como os riscos associados a produtos inovadores no início dos anos 2000, são difíceis de se avaliar por completo, ainda mais levando em conta a ânsia do mercado para adotar rapidamente esses produtos”, disse Gruenberg em depoimento, numa audiência do Comitê Bancário do Senado dos EUA.