Pessoa física já negocia na Bolsa o equivalente ao volume de fundos e bancos
Em maio, o volume diretamente negociado pelos pequenos investidores na B3, a bolsa brasileira, chegou a R$ 121 bilhões (23,2% do total)
Quais os limites para a crescente participação do investidor pessoa física na bolsa brasileira? Essa é uma das perguntas que muitos analistas se fazem já há alguns meses. Dados de um relatório recém-concluído pelo banco BTG Pactual revelam nova dimensão do fenômeno: em maio e nos primeiros vinte dias de junho, a participação do chamado investidor de varejo no volume diário negociado se equiparou ao que é transacionado por fundos, bancos, corretoras e family offices, entre outros.
Em maio, o volume diretamente negociado pelos pequenos investidores na B3, a bolsa brasileira, chegou a R$ 121 bilhões (23,2% do total); ficou praticamente empatado com os R$ 123 bilhões (23,6% do total) movimentados pelos chamados investidores institucionais (classificação que engloba as categorias acima citadas, como fundos, bancos e outros). Vale ressaltar que esse volume também inclui pessoas físicas que aplicam indiretamente na bolsa por meio de fundos de ações, por exemplo.
Nos primeiros vinte dias de junho, o fenômeno se manteve: as pessoas físicas movimentaram R$ 118 bilhões (23,1%), pouco abaixo dos R$ 129 bilhões (25,3%) dos investidores institucionais, segundo o levantamento do BTG com dados da B3. Na parcial dos dez primeiros dias do mês, o volume do primeiro grupo chegou a superar o do segundo.
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Para dar a dimensão histórica desse fenômeno: até poucos anos atrás, em 2015 pela última vez, os grandes investidores movimentavam o dobro do volume de pessoas físicas. Mesmo no ano passado, quando já estava em curso a forte tendência de entrada do pequeno investidor na renda variável, essa relação chegou a no máximo 60%.
“O dinheiro (da pessoa física) continua saindo da renda fixa porque os juros estão muito baixos. Podemos ver esse movimento por mais tempo”, diz Carlos Sequeira, chefe da área de pesquisas do BTG Pactual e autor do relatório “Follow the Money”, que traz os dados mencionados e busca explicar o panorama do movimento dos investidores no mercado brasileiro.
O investidor estrangeiro, apesar do movimento de vendas de ações que vem desde 2018 (leia mais abaixo), ainda responde pelo maior peso na negociação da B3: cerca de 46% do total.
Fundamentos x cotações
O peso maior do investidor de varejo é uma consequência do aumento de sua base, que provavelmente atingiu a marca de 2,5 milhões de contas cadastradas neste mês de junho – no fim de maio, esse número estava em 2,483 milhões. Esse contingente mais do que dobrou no período no período de 12 meses (mais de 120%).
É um movimento que nem mesmo a forte queda nos preços das ações provocada pela crise do novo coronavírus impediu. O Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira, chegou a acumular queda de 47% no seu pior momento, em 23 de março, na comparação com o recorde atingido apenas dois meses antes. No fundo do poço, o índice bateu em 63.569 pontos.
Mas, desde então, a bolsa passou a subir, anulando uma parte das perdas com a crise. A valorização acumulada a partir de 23 de março se aproxima dos 50%, acompanhando o comportamento dos índices de ações nos Estados Unidos e a contínua redução da taxa básica de juros, a Selic, que passou de 4,50% no início do ano para 2,25% na última semana.
De janeiro a maio, houve um aumento de 800 mil novas contas de pessoas físicas na B3.
“A bolsa subiu mais rápido do que eu esperava. Pode subir mais? Pode, mesmo que os fundamentos da economia não justifiquem. A menos que haja uma situação de crise política mais profunda, não vejo reversão desse movimento”, afirma Sequeira. Ele faz referência à forte retração da economia, que derruba as receitas e os lucros das companhias.
O chefe de pesquisas do BTG diz que a bolsa brasileira pode se tornar estruturalmente mais cara, com ações negociadas por múltiplos mais altos (uma das formas de avaliar se uma ação está cara ou barata é analisando a relação preço/lucro).
A volta do estrangeiro
O relatório revela também que, neste mês de junho, o investidor estrangeiro mais aplicou do que retirou recursos da bolsa brasileira, interrompendo, ao menos de forma pontual, um movimento de fuga que perdura desde 2018. O ingresso líquido (compras menos vendas) estava em R$ 2,377 bilhões na parcial do mês até o dia 22 (segundo dados atualizados da B3), depois de saques líquidos que somaram um valor recorde de R$ 74,334 bilhões nos primeiros cinco meses de 2020.
Mas Sequeira é cético sobre uma eventual volta do investidor estrangeiro. “Tenho conversado com investidores institucionais no exterior e vejo um interesse baixo pela bolsa brasileira”, afirma o economista.
Segundo ele, faz parte do racional do investidor estrangeiro neste momento avaliar o seguinte quadro: “Houve um rali muito grande (valorização rápida a partir de abril) que eu perdi. Não dá para prever para onde vai o câmbio. Vou entrar agora?”. Uma apreciação do real pode anular, para o investidor estrangeiro com dinheiro na bolsa, ganhos eventuais que ocorram nos próximos meses.
Ele ressalta, porém, a perspectiva de enxergar o copo meio cheio ao tratar do distanciamento do investidor estrangeiro: a possibilidade de valorização adicional da bolsa caso o dinheiro externo volte a ingressar de forma consistente.
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