Consórcios nadam contra maré e fecham trimestre em alta – a alta persistirá?
Fintech Mycon, que opera completamente online, teve crescimento médio de 30%
Desde o avanço mundial do novo coronavírus, o noticiário econômico tem sido bombardeado de relatórios e projeções negativas. Enquanto diversos setores, como aéreo, turismo e varejo têm sentido os duros impactos da crise, o segmento de consórcio balançou, mas conseguiu encerrar o primeiro trimestre em alta. É o que mostra a Associação Brasileira de Administradoras de Consórcios (Abac).
Apesar de uma retração sentida logo no início da quarentena, com queda de 23% nas transações das empresas do segmento, o setor de consórcio conseguiu fechar o trimestre com um aumento de 9,7% na venda de novas cotas, em relação ao mesmo período do semestre anterior. Ao todo, o setor movimentou mais de R$ 33 bilhões só no primeiro trimestre de 2020.
Além de uma recente decisão do Banco Central (BC), que favorece tanto contratantes quanto administradoras, as empresas do ramo também tiveram a possibilidade de operar de forma completamente digital – o que ajudou o segmento, principalmente com o isolamento social.
Mais que isso: a ociosidade econômica tem derrubado o preço de vários produtos, incluindo imóveis, fazendo com que muitos enxergasse oportunidade no momento de crise. Porém, mais do que isso, o leque de opções de consórcio têm aumentado o número de adeptos a modalidade. Atualmente, além de carros e imóveis, é possível contratar um consórcio para adquirir serviços e experiências, como cirurgias plásticas, viagens ou mesmo a reforma da casa.
“Me parece que o que está acontecendo agora é que, como o mercado está mais parado, as pessoas estão encontrando produtos mais baratos e aproveitando para comprar, como é o caso dos imóveis, por exemplo. É uma maneira de imobilizar o valor, de não gastar em outra coisa”, afirma o coordenador do MBA em Gestão Financeira da Fundação Getulio Vargas (FGV), Ricardo Teixeira.
Onda positiva
Quem tem nadado contra a maré, e até conseguido surfar numa onda positiva, é a fintech brasileira de consórcio Mycon. Com a negociação de contratos mediada por inteligência artificial e toda a tramitação realizada online, empresa registrou um crescimento médio de 30% desde sua criação, em dezembro de 2019, meses antes da crise da Covid-19 se instaurar no país.
Para conseguir se diferenciar do mercado, e vender mesmo em meio à crise, a fintech oferece a taxa de administração abaixo do mercado: enquanto a média é de 13% a 19%, a da Mycon fica abaixo de 10%.
A bonança veio junto com a decisão do Banco Central. Na última semana, o BC determinou algumas mudanças no regulamento do mercado de consórcios que flexibilizam e facilitam a formação de grupos de consórcio. A partir de agora, os contratos para grupos nos quais os créditos sejam de valores diferenciados, o de menor valor não poderá ser inferior a 30% do que o de maior valor. Antes, o porcentual era de 50%.
Além disso, o prazo para constituição do grupo foi estendido. O período que era de 90 dias, agora passa a ser de 180. A medida vale até o dia 1º de dezembro, quando o prazo de 3 meses volta a ser restabelecido.
Na mesma circular, o BC permite ainda o pagamento do crédito aos contemplados em espécie, ou por depósito em conta, até 31 de dezembro de 2020, caso o sorteado não consiga ou opte por não adquirir o bem ou serviço estipulado como objetivo, independentemente da motivação. Esse pagamento está condicionado à quitação de todas as obrigações com o grupo e com a administradora. De acordo com o BC, a medida vai contribuir para injetar liquidez na economia como um todo.
Para Marcio Kogut, CEO da Mycon, consórcio tem sido menos impactado pela crise por estar atrelado aos hábitos e possibilidades financeiras dos brasileiros. Isso porque, segundo ele, entrar num grupo de autofinanciamento é uma forma de imobilizar o valor e perseguir com mais disciplina os objetivos.
“No Brasil, as pessoas não têm o costume de investir. O brasileiro até começa a guardar o dinheiro na poupança, mas não consegue manter e acaba sacando o que havia poupado por necessidade”, diz Kogut.
Consórcio x financiamento
Colocando os juros na conta, o financiamento tradicional oferecido pelos bancos sempre foi mais caro do que o consórcio, historicamente. Essa diferença, entretanto, tem diminuído à medida em que o BC realiza novos cortes na taxa básica, a Selic, que atingiu mínimas históricas neste ano. O movimento do Copom é uma medida de estímulo ao crédito das famílias.
No financiamento, é preciso calcular os juros, que variam de acordo com o produto e com o banco credor — em março, as taxas médias cobradas pelos bancos ficou entre 20% e 46% ao ano, como no caso das concessões para famílias. Já no consórcio, a única taxa cobrada é a de administração, que depende da modalidade e da empresa responsável. Isso torna possível saber, de início, qual será o valor total a ser pago pelo contrato. O valor fixo das parcelas também pode ser um atrativo para quem detesta surpresas.
É o que explica o coordenador do MBA da FGV, Ricardo Teixeira. “Quem busca um consórcio não pode ter pressa de receber o bem. Isso vale tanto para um veículo, quanto uma casa ou mesmo uma geladeira. A vantagem é que você sabe desde o início qual vai ser o valor da parcela”, explica o professor.
Para Teixeira, o que importa é fazer bem as contas. “Com a diferença de custo cada vez menor, pode ser que não faça sentido esperar para ser sorteado. No financiamento, você tem a vantagem de já sair usufruindo do bem e eliminar despesas, como o aluguel, por exemplo.
O valor das parcelas também precisa ficar na ponta do lápis. De acordo com o professor, é preciso saber qual a percentual da renda que vai ficar comprometida com o contrato e sempre levar em conta situações emergenciais. Ou seja, além da famosa reserva de emergência, trabalhar com alguma margem no orçamento, especialmente nos contratos de longo prazo, acima dos 50 meses.
Outro fator de alerta é a reputação das administradoras. “Uma coisa importante é conhecer bem quem está promovendo o consórcio. Busque sempre empresas credenciadas, que passam por uma constante fiscalização. Assim, o risco fica baixo, mas é bom lembrar que ainda existe”, diz Teixeira.