Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    Euro a R$ 6: entenda as perspectivas para a moeda em meio à pressão sobre juros

    Para especialistas, zona do euro tem cenário diferente dos EUA, e elevação de juros pode não ocorrer em 2022

    João Pedro Malardo CNN Brasil Business em São Paulo

    Com um cenário de inflação global, muitos países já começaram um processo de alta de juros para combatê-la —como Brasil e Reino Unido— ou estão prestes a começá-lo, caso dos Estados Unidos e do Canadá. Porém, 19 países da Europa não demostram que terão altas de juros no curto prazo.

    Esses países formam a chamada zona do euro. Mesmo com uma inflação recorde, de 5% em 2021, o Banco Central Europeu (BCE), responsável pela política monetária de todas essas nações, não dá sinais de que uma alta de juros possa ocorrer tão cedo.

    Ao mesmo tempo, a própria autarquia admite estar diante de um ambiente de incertezas, e tem mostrado divisões internas nos últimos meses sobre o tema.

    Essas discussões acabam trazendo dúvidas sobre o que pode acontecer com a cotação do euro aqui, com a moeda acima dos R$ 6 no turismo e perto de R$ 5,90 no comercial. Entenda o cenário:

    BCE vê inflação como “temporária”

    Pedro Raffy, professor da Universidade Mackenzie, afirma que a análise do BCE sobre a inflação tem sido diferente da de outros países. Enquanto nações como Brasil e Estados Unidos já admitem que o processo inflacionário é mais persistente, a autarquia ainda o vê como “temporário”, apesar de admitir surpresas negativas nos últimos meses.

    “O BCE analisa que a inflação está sob controle e não deve escapar da meta, em torno de 2%. Mas muitos analistas veem essa postura como arriscada, porque outros países, em especial os avançados, já começaram um processo ou de reversão de política expansionista ou sinalizando alta de juros. O BCE passou a sinalizar que pode mudar a direção”, diz o especialista.

    Livio Ribeiro, pesquisador do Ibre/FGV e sócio da consultoria BRCG, afirma que, por trás da lógica do BCE, está a consideração sobre a composição da inflação na zona do euro.

    “Nos Estados Unidos ela fechou 2021 em 7%, com núcleo, excluindo energia e alimentos, de 5,5%. Na Europa, fecha em 5% com núcleo de 2,5%. A estrutura é de que pouco mais da metade vem de energia, no caso, o preço do gás”, diz.

    É a partir dessa análise que o BCE decidiu manter a principal taxa de juros da zona do euro em 0% na reunião de fevereiro de 2022, o mesmo patamar desde 2016. Para Ribeiro, muito da pressão que o mercado tem colocado para que o banco suba os juros está ligada à comparação com os Estados Unidos.

    O argumento da presidente do BCE, Christine Lagarde, é que os Estados Unidos e a zona do euro estão em posições cíclicas diferentes.

    No velho continente, a inflação não está disseminada como a norte-americana e, portanto, subir os juros não resolveriam o problema inflacionário já que não atacaria as causas de alta, como as altas do petróleo e gás, ligadas a questões fora da região.

    Um exemplo dessa diferença, segundo Ribeiro, são as vendas no varejo. Em dezembro de 2021, as dos Estados Unidos ficaram entre 15% e 20% acima do mesmo mês de 2019, enquanto as da Europa não subiram na comparação.

    “Os Estados Unidos jogaram muito mais estímulos, e na Europa tem dificuldade de transmitir a política monetária para estimular demanda, sem uma união fiscal no continente. Não tem um impulso coordenado, cada economia fez algo”, afirma.

     

    Mesmo assim, o BCE já decidiu que começará a reduzir estímulos, cortando programas de compra de títulos neste ano, mas não vai encerrá-los, temendo que isso possa levar a inflação abaixo da meta pela baixa atividade.

    A própria Lagarde reconheceu que a inflação em janeiro de 2022 veio acima do esperado, e que se algo mudar, o BCE está aberto a recalcular a rota e subir os juros mais cedo. O tom mais duro, que foi amenizado em falas posteriores, chegou a fazer o euro subir.

    Ribeiro vê o problema europeu como outro. A zona do euro passou anos com juros em 0%, mas sem uma explosão de demanda, crescimento ou inflação como o esperado. Para ele, fatores como demografia e padrão de consumo influenciam nisso.

    “Eles querem expectativa de inflação, porque a armadilha de liquidez é jogar dinheiro na economia, os agentes esperarem queda de preços e não gastarem, e aí não adianta estimular. Esse é o debate na Europa hoje”, afirma.

    Já Raffy avalia que é, sim, possível ter um aumento de juros, mesmo que pequeno, no segundo semestre de 2022, já que o comportamento da inflação tem dado sinais de exigência de alta. “O BCE considera que o cenário não exige, mas dependendo dos próximos índices pode antecipar”.

    Opiniões dentro do conselho são diferentes

    Outro problema que o BCE tem enfrentado é o de comunicação. Com um conselho para decisões sobre juros formado por mais de 20 pessoas, falas de diretores favoráveis ou contrários a subir os juros em 2022 acabam mexendo com as expectativas do mercado.

    Livio Ribeiro afirma que a divisão é o “status quo” do BCE, já que cada integrante do conselho é, na verdade, também o presidente do banco central de cada país membro da zona do euro. “Cada um com posições cíclicas diferentes, é uma diferença natural, com interesses diferentes sobre a política monetária”.

    Se o presidente anterior do BCE, o agora primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, tentava centralizar esse debate, Lagarde tem tido dificuldade para fazer o mesmo, o que segundo Ribeiro é natural na conjuntura atual.

    “É um problema de comunicação, mas achei [o comunicado de] dezembro mais organizado. O mercado pressiona, acham que a inflação já demanda alta de juros, mas as expectativas de longo prazo não conseguem divergir da meta de 2%”, afirma Ribeiro.

    O que esperar para a cotação do euro no Brasil?

    Pedro Raffy afirma que a tendência do euro em relação ao dólar é de desvalorização, devido à expectativa de alta de juros pelo Federal Reserve. “Agora no real a história pode ser diferente.”

    Segundo ele, durante a pandemia, o real teve uma forte desvalorização, e a taxa básica de juros, a Selic, já está bem maior do que dos Estados Unidos e da zona do euro.

    “É possível que, quando o BCE suba juros, tenha desvalorização do real em relação ao euro, mas, em linha gerais, pensando em um horizonte mais longo, a tendência é de manutenção na cotação atual, porque o real já perdeu muito valor”, afirma.

    A possibilidade de valorização ou desvalorização dependerá não apenas da ocorrência ou não da alta de juros, mas também do quanto ela subiria. Se for uma alta maior que o esperado, o real poderia se desvalorizar.

    Os fatores que levariam a esse evento seriam uma alta maior dos juros norte-americano ou um choque maior nos preços das commodities, por exemplo, com uma escalada na situação da Ucrânia. São elementos, porém, vistos como pouco prováveis.

    Já Ribeiro afirma que a diferença de juros deve levar à queda do euro ante o dólar, mas a equação fica mais difícil quando a comparação é com o real, já que o valor também passa pela própria cotação da moeda norte-americana.

    O real está em uma posição que pode ser mais frágil pensando em risco, problemas políticos, questões internas, mas tem um ciclo de política monetária bem superior e fortalecimento de commodities que o favorecem. Mas nunca dá para saber o que vai ocorrer”, diz.

    Para ele, a tendência atual é de manutenção do patamar de R$ 6, com pequenas altas ou baixas dependendo de acontecimentos de curto prazo e pelas próprias apostas no mercado por uma alta de juros ou não.

    Nesse sentido, ele avalia que as reuniões mais importantes do BCE serão as de março e junho, quando o banco atualizará seu relatório de inflação e será possível notar possíveis ajustes de direção, trazendo impactos mais concretos.

    Tópicos