Entenda as consequências do aumento de juros nos EUA
Ata do Fed, o banco central norte-americano, surpreendeu pela maior dureza e impactou os mercados
Na quarta-feira (5) o Federal Reserve (Fed- Federal Reserve), Banco Central norte-americano, divulgou a ata da reunião de política monetária dos Estados Unidos, que ocorreu dia 14 e 15 de dezembro.
Nela, autoridades do banco sinalizaram que, ante a situação do mercado de trabalho, seria necessário mais um aumento na taxa de juros, e uma redução de sua carteira geral de ativos para conter a alta inflação.
O mundo inteiro estava esperando essa sinalização, e não à toa: o dólar é a moeda que fundamenta a precificação de qualquer coisa no mundo inteiro. O teor do documento causou impacto nas bolsas ao redor do globo, inclusive no Brasil.
“A maior instituição que um país pode carregar é a sua própria moeda, e o dólar acaba assumindo a posição de uma das maiores instituições do mundo, porque é um ativo global. Portanto, como o Fed manda na moeda, o mundo todo olha de perto o que está acontecendo”, diz Thais Herédia, analista da economia da CNN.
Comportamento do Fed
Segundo um relatório da Bloomberg, o que se vê hoje não é o mesmo Fed dos anos 2000. Enquanto aquele gostava de se mover gradualmente, a ata de quarta-feira mostra que o banco quer se mover de maneira muito mais acelerada, visando combater a inflação de forma agressiva. Assim, mostraria que os preços estão sob controle.
“O Fed passou meses dizendo que a inflação era transitória nos Estados Unidos, e que não subiria os juros tão cedo. Na ata de ontem, o banco mudou o tom, e foi muito mais duro que o mercado esperava”, diz Priscila Yazbek, analista de economia da CNN.
Os analistas do mercado destacaram que, antes da ata, a curva de juros estava precificando 63% de chance de que os juros subissem em março nos EUA. Hoje, este número subiu para 81%. Também analisaram que é mais provável que o Fed faça quatro altas de juro neste ano, não duas.
Além disso, preveem que os membros do Fed querem começar a reduzir o balanço patrimonial do banco, que está hoje em quase US$ 9 trilhões, assim que fizer a primeira alta de juros. “Da última vez que eles reduziram o balanço patrimonial, eles começaram só dois anos depois da primeira alta de juros”, complementa Priscila.
Queda das bolsas mundiais
Felipe Vilegas, da Genial Investimentos, explica que, antes da pandemia, o Fed tinha cerca de US$ 4 trilhões no seu balanço. Ele começou a comprar ativos na pandemia para estimular a economia, fazendo com que esse número subisse para US$ 9 trilhões. Ou seja: o Fed passou a ser o principal comprador de ativos nos EUA.
Esse movimento é como se o principal investidor do mercado americano (e do mundo), o Fed, falasse que ele vai comprar menos, fechando um pouco a torneira do dinheiro.
“Isso significa menos dinheiro circulando no mundo todo, e explica a queda das bolsas no mundo afora e principalmente aqui, que o investidor já não tinha muito motivo para investir por causa de incertezas internas. Com esse aumento no juros nos Estados Unidos, o investidor migra seu dinheiro para a economia que é a mais segura que existe, e que agora tem previsão de pagar um rendimento ainda maior”, diz Yazbek.
Para Thais Herédia, existem algumas leituras para esse movimento. “É provável que comece a subir a taxa de juros. Esse nós já conhecemos aqui no Brasil: quando ouvimos que o Banco Central vai aumentar a taxa de juros, já sabemos que é um sinal de que a torneira de dinheiro fecha.”
Nos Estados Unidos, contudo, isso funciona de forma um pouco diferente. Ela explica que, dos US$ 9 trilhões, US$ 5 trilhões foram de dólares impressos. O Fed pegou esse dinheiro, e trocou por títulos —algo que não se pode usar para fazer as compras do mercado ou investir. “Com esse estímulo, a economia voltou rapidamente.”
A analista diz que o problema é essa inflação transitória que o Fed desfez. Isso explicaria o movimento mais forte sobre a taxa de juros: a inflação que dura mais tempo, que é mais difícil de combater, pode mudar a estrutura de uma economia que nunca mais lidou com isso.
“O pânico geral das economias desenvolvidas é voltar a lidar com uma inflação muito alta, que vai para os salários e começa a se retroalimentar. É um mecanismo que conhecemos bastante, e por isso temos uma luta mais difícil contra a inflação. Lá fora, eles não querem nem que comece esse processo.”
Consequências para o Brasil
Nesta quinta, a bolsa brasileira subiu pela primeira vez no ano, corrigindo um pouco da forte queda de 2% que teve na quarta. “Uma parte dessa queda já estava acontecendo antes, então hoje temos um certo movimento de correção, mas esse movimento do Fed afetou negativamente as bolsas no mundo todo”, explica Priscila Yazbek.
Yazbek ainda exemplifica que o que aconteceu, “é como se o mundo tivesse recebido uma anestesia durante a pandemia com esse estímulos, para conseguir conter seus efeitos. Agora, é como eles tivessem tirando toda essa anestesia toda essa injeção de dinheiro, e os mercados e as economias vão começar a se mover sem isso. Por isso, é possível que eles comecem a sentir dor.”
Ela destaca que os economistas já vinham dizendo que este é um ano de alta de juros e inflação pressionada no mundo. “Vai ser um teste de fogo para a economia mundial, e para o Brasil também”, finaliza.