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    Crise na Evergrande e excesso de regulações: relembre o ano econômico chinês

    Para especialistas, governo Xi Jinping deverá manter tendência de fortes intervenções na economia em 2022

    João Pedro Malardo CNN Brasil Business , em São Paulo

    A China é a segunda maior economia do mundo. Por esse motivo, os acontecimentos no país asiático geram grande repercussão econômica internacional, em especial nos grandes parceiros comerciais.

    Em 2021, o grande destaque na economia chinesa foi uma série de regulações e intervenções que o governo local realizou em uma série de setores.

    Das incorporadoras imobiliárias até as gigantes de tecnologia, o Estado assumiu um papel mais ativo nas intervenções. Especialistas consultados pelo CNN Brasil Business apontam uma mudança na postura que já ocorria há anos no país, e que começou quando Xi Jinping se tornou presidente.

    Com isso, a expectativa é que o movimento de regulações continue em 2022, cumprindo dois objetivos principais: reduzir a elevada desigualdade na nação e diminuir uma incipiente força política de bilionários.

    As causas das regulações

    Para Elias Khalil Jabbour, professor de economia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), o movimento de 2021 não é apenas uma onda regulatória, mas sim uma mudança na estrutura econômica do país. Nos últimos 40 anos, o crescimento chinês foi alicerçado em uma série de ondas de inovação institucionais para que o estado enfrentasse novos problemas, distribuindo também a atuação do setor privado.

    “Há um imenso setor privado, maior que o público quantitativamente, mas esse setor público é tão forte que o privado gira em torno dele e vira quase que uma parte dele”, diz Jabbour. Entretanto, a China é um país desigual hoje em dia, tanto dentro das cidades quanto na comparação entre área urbana e rural.

    O resultado, segundo o professor, é que o governo “precisa dar respostas às possíveis inquietações na sociedade chinesa”. As regulações cumprem essa função e resultam em um novo avanço do estado sobre a economia, liderado por Xi Jinping.

    “As empresas chinesas não são estatais, são do PCC [Partido Comunista Chinês]. Xi está estendendo seu poder a esse setor, e também ao privado. Em 2012, cada empresa privada chinesa passou a ser obrigada a ter um CEO do PCC, mas não ocorreu uma catástrofe na economia ou os investidores saíram do país”, afirmou o professor.

    Para ele, a China é hoje uma economia em que o setor público gera investimento e, portanto, a direciona, algo diferente de qualquer economia capitalista. Esse movimento se intensificou nos últimos dez anos do governo Xi, e o ano de 2021 serviu como uma “síntese” desse movimento.

    Maurício Santoro, professor de relações internacionais da UERJ, liga as ações recentes do governo a um conceito apresentado por Xi Jinping, a chamada “prosperidade comum”.

    Mudanças regulatórias refletem movimento defendido por Xi Jinping / Carlos García Rawlins/Reuters

    “O modelo de desenvolvimento que a China adotou desde o fim dos anos 1970, com a abertura de mercado, criou uma série de problemas, em especial desigualdade, e que o PCC vê como individualismo e consumismo excessivos. O esforço de controle passa por esse combate, ao mesmo tempo em que limitam a capacidade de atuação política dessas grandes empresas”, diz.

    O professor considera que há também uma tentativa de mudança cultural, voltada para as áreas de entretenimento, combatendo o que o PCC vê como “padrões transgressores”.

    Ele afirma que o processo de isolamento pelo qual o país passou em 2020, com o fechamento de fronteiras na pandemia, acelerou todos esses movimentos, de modo que o governo ficou mais autocentrado na política chinesa e buscando reduzir dependências externas.

    Com isso, são hoje 19 setores da economia que passam por ondas de regulação. “Não foi uma mudança de direção, um maior controle é uma característica do período do Xi Jinping. O que houve foi um aprofundamento da intensidade. A pandemia é um catalisador, acelera o que já estava acontecendo, e levou a um nível inédito. A última vez que vimos isso foi antes dos anos 1970”, diz.

    Setor imobiliário

    O setor imobiliário chinês é responsável por cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, e passou por uma expansão grande conforme a economia cresceu. Nele, a maior empresa é a Evergrande. O grupo, porém, passou a enfrentar uma série de dificuldades financeiras em 2021 com US$ 300 bilhões em passivos de dívidas, até ser considerado inadimplente pela Fitch Ratings.

    Segundo Santoro, a crise envolve uma mudança das empresas do setor, que assumiram um caráter especulativo e focaram em obter empréstimos para realizar obras. O problema é que a oferta superou a demanda enquanto os preços ainda subiam, gerando uma bolha imobiliária.

    Governo da China está ajudando na reestruturação da Evergrande, mas não com ajuda financeira / Aly Song/Reuters

    Jabbour afirma que o cenário “é uma tragédia anunciada desde 2015″ e que o governo deixou a Evergrande quebrar. Para ele, a solução realizada vem passando por um processo lento de reestatização, com autoridades governamentais ajudando na reestruturação da empresa.

    Santoro afirma que “por anos houve um incentivo grande para que as empresas chinesas construíssem, e a gente está vendo que isso ficou acima da demanda dos consumidores. Agora há um momento de ajuste”.

    O governo chinês, já entendendo o quadro do setor, restringiu o acesso ao crédito pelas incorporadoras antes da crise da Evergrande, o que também piorou o cenário. Mesmo disposto a ajudar na reestruturação, as autoridades não estão oferecendo uma ajuda financeira, de forma a mostrar que as medidas regulatórias são importantes e que as empresas precisam arcar com as consequências da estratégia especulativa.

    “Houve uma preocupação que a crise seria como a de 2008 nos Estados Unidos. Já se vê que não vai ser isso, é uma estrutura de crise diferente. Nos EUA a crise veio pelo endividamento excessivo das famílias. Na China, o problema é o endividamento das empresas

    Maurício Santoro, professor da UERJ

    “A crise não deve acabar tão cedo. As empresas vão se reestruturar, vão perder dinheiro, algumas podem falir, mas até agora o governo tem contido os piores efeitos”, afirma Santoro. Mesmo assim, dada a importância do setor, o crescimento da economia chinesa deve ser afetado e desacelerar no próximo ano, o que impacta negativamente exportações como no Brasil, grande fornecedor de minério de ferro para o setor de construção.

    Setor de tecnologia

    A existência de gigantes da tecnologia não é algo exclusivo do Ocidente. Na China, ao invés do Google há o Baidu, ou a Huawei no lugar da Apple, a Didi no do Uber e o Alibaba no da Amazon. Esses grupos, que cresceram com o apoio do estado, agora se tornaram grandes demais na visão do governo, e também foram alvos de regulações.

    “Tecnologia de informação é importante porque é um setor em que a China tem se mostrado dinâmica, liderando a inovação global em áreas como e-commerce e pagamentos digitais”, afirma Santoro.

    Recentemente, as regulações estatais visaram reduzir o tamanho desses conglomerados e evitar práticas anticompetitivas com a formação de oligopólios ou monopólios. Ao mesmo tempo, houve a pressão do governo para torná-los menos simbolizados em seus fundadores.

    Escritório do Alibaba em Pequim, na China
    Alibaba se tornou alvo de regulações na China / Tingshu Wang/Reuters

    “Esse conflito simbolizado foi com o do Jack Ma, fundador do grupo Alibaba, maior e-commerce do mundo. É uma disputa porque as empresas esbarram na regulação do governo e aí criticam o papel dos bancos estatais chineses, falam que são ineficazes, favorecem políticos. As críticas são válidas, mas o governo reagiu mal a elas”, diz o professor.

    Mesmo com as críticas de Ma, o governo saiu vitorioso. O empresário se afastou do debate público, e o Alibaba já anunciou um plano de reestruturação, e os planos de abrir capital com listagem de ações foram bloqueados por reguladores chineses.

    Outro caso recente foi com a Didi, pressionada pelo governo a retirar suas ações da bolsa de Nova York e levá-las para a bolsa de Hong Kong. O motivo é que, com a listagem, os dados da empresa precisariam ser compartilhados com os Estados Unidos, um risco estratégico que o governo não quis correr.

    A China aumentou esse controle sobre dados, sejam eles de empresas ou pessoas, mas é um problema porque as empresas estrangeiras estão sem acesso a dados mais detalhados sobre a economia da China, em um momento de instabilidade. Vira um foco de tensão

    Maurício Santoro, professor da UERJ

    Jabbour afirma que, além de combater as questões de controle de mercado e influência política, o governo também busca redirecionar parte da energia do setor, incluindo mão de obra, para outros mais prioritários, em especial o de semicondutores. Em todos os casos, os movimentos derrubaram as ações das empresas.

    Além disso, há um esforço de expandir direitos sociais para trabalhadores do setor. “O controle que o governo passou a exercer, que é algo inédito no mundo, é uma forma de primeiro mostrar quem manda no país, e segundo de fechar o flanco de vulnerabilidade para outros países”, diz.

    Criptomoedas

    Bem menor que os setores de tecnologia e imobiliário, o de criptomoedas também foi alvo de regulações do governo da China em 2021. Inicialmente, as regulações foram restringidas a atividades de mineração de criptomoedas, e foi sendo tomada por governos estaduais.

    Entretanto, o governo central assumiu o movimento, e proibiu tanto a mineração quanto transações com esses ativos. As justificativas foram o alto impacto ambiental da mineração e o caráter excessivamente especulativo das criptomoedas.

    “A moeda é uma expressão do poder do Estado, não é algo neutro. As criptomoedas, em essência, subvertem isso. Então, quando os chineses proíbem essa circulação, estão se prevenindo contra atividades ilícitas, mas principalmente estão afirmando que o poder que emite, cria e precifica moeda na China é exercido pelo Estado, não por entes privados ou algoritmos”, afirma Elias Jabbour.

    O professor destaca ainda os planos do governo do país de lançar sua própria moeda digital, que será controlada pelo banco central chinês.

    Nesse sentido, Santoro diz que o governo quer eliminar todos os possíveis rivais a ela, daí surgiram essas medidas. “Isso permite também monitorar e controlar mais as atividades financeiras de quem usá-la, quanto gastou, onde e quando. Isso bate de frente com o propósito das criptomoedas, de assegurar privacidade. É incompatível com esse novo cenário”.

    Expectativa para 2022

    Elias Jabbour afirma que o movimento regulatório não é exatamente uma ameaça para a economia chinesa, já que o grande desafio atual do governo é, na verdade, elevar a produtividade do país.

    Para 2022, ele espera que as ondas regulatórias mantenham a intensidade, e sejam até aprofundadas em algumas áreas. O ano, segundo ele, deve ser “politicamente tenso”, já que ocorrerá o 20º Congresso do PCC, em que há a expectativa de que Xi Jinping seja reeleito para um inédito terceiro mandato como presidente.

    Santoro também acredita que o processo regulatório deverá manter o ritmo em 2022 e faz uma aposta da próxima grande área de atuação. “O próximo congresso do PCC deve reeleger o Xi Jinping, e ali vai se entregar um grande projeto de taxação de grandes fortunas, com a ideia de reduzir a desigualdade do país.”

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