Como uma segunda onda da Covid-19 afetaria os investimentos?
Eventual nova fase da pandemia traria impactos potencialmente mais amenos, sem precificar o “susto”; setores mais expostos, no entanto, teriam limites testados
Uma nova onda de infecções e mortes por Covid-19 no mundo, incluindo o Brasil, causaria aos investimentos um efeito menos dramático do que o estrago provocado em março, quando Bolsa caiu 30%, a maior em 22 anos, e o dólar, subiu 16%, a maior alta mensal desde setembro de 2011.
O motivo, segundo analistas de mercado, é que uma eventual segunda fase não exigiria a precificação do “susto”, com medidas de precaução já conhecidas pelos setores público e privado — tanto para proteger a saúde financeira das empresas, como dos trabalhadores.
Isso, no entanto, não significa que os investidores estejam menos preocupados. Na última quinta-feira (2), por exemplo, agentes no mundo inteiro reduziram suas apostas após o estado da Flórida, nos Estados Unidos, ter registrado 10 mil novos casos da Covid-19 em um dia, número recorde.
Essa escalada, portanto, poderá fazer com que ativos de setores que estão na linha de frente da crise tenham seus limites testados. Afinal, a cada dia que passa falta munição (dinheiro) para resolver questões urgentes, como a falta de fluxo de caixa.
“Uma segunda onda não deveria, em tese, trazer impactos tão fortes, pois não traria o fator da ’surpresa’. Por outro lado, o ‘estoque de bala’ de alguns setores e mesmo do governo acaba (…) e pode minar com as expectativas de quem ainda não contava com esse cenário”, diz George Wachsmann, sócio da Vitreo.
Em um primeiro momento, essa segunda onda viria de fora. Até o momento, países da Europa, China e estados importantes dos EUA, como Nova York, têm a pandemia controlada. Já o Brasil ainda luta para para sair da primeira etapa – e é o segundo maior país em número de casos e mortes.
Entre os ativos mais expostos, reforçam os analistas, estão ações de empresas de setores diretamente afetados pela pandemia, como viagens e varejo físico. Segundo Henrique Esteter, analista da Guide Investimentos, a tendência seria de que a Bolsa passasse por um movimento forte de realização de lucros.
“Mas não seria como observamos na primeira onda, pois agora já temos ideia do tamanho do buraco. Em março, não se sabia quanto tempo isso duraria, agora temos a perspectiva de ter uma vacina, até dezembro ou janeiro”, diz Esteter.
Assim como na primeira fase da pandemia, outros ativos que podem se beneficiar são ações de empresas que crescem por características próprias da quarentena, como o varejo online. Com as pessoas sem sair de casa, companhias com canais de comércio eletrônico tendem a ter boa performance, como Magazine Luiza e Via Varejo, o que pode, em alguma medida, compensar uma pressão sobre o Ibovespa, principal índice acionário da B3.
“Para a Bolsa voltar aos 60 mil pontos, como na primeira onda, precisaria haver uma coisa pior do que a primeira, como a impossibilidade de uma vacina”, exemplifica Wachsmann.
Já o dólar, dizem os analistas, seria novamente pressionado. Em tempos de crise, é esperado um fluxo de saída da moeda de países emergentes, mais arriscados, rumo aos Estados Unidos e outros mais desenvolvidos, mais seguros financeiramente. Não seria surpresa, portanto, que a moeda rompesse o patamar dos R$ 6, com o qual já flertou em meados da primeira onda.
Por fim, entre os ativos mais resilientes estão fundos cambiais, multimercados, e imobiliários, e ativos de proteção, incluindo metais preciosos, como ouro e prata. “De maneira geral, é importante, mesmo em meio a uma segunda onda, direcionar a cabeça no longo prazo. Entender que temos um momento de maior dificuldades, mas que há uma melhora possível no decorrer do tempo, com ganhos potenciais no futuro”, recomenda Jorge Junqueira, sócio da Gauss Capital.
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A dimensão e a potência dos efeitos dependerão de como uma eventual segunda onda se alastrará — se em escala pontual, apenas em algumas cidades, e por um curto ou longo período de tempo. Os impactos econômicos, inclusive nos investimentos, dependerão das limitações impostas a grandes cidades, como Nova York e Londres, lá fora, e São Paulo e Rio de Janeiro, aqui no Brasil.
Saiba mais sobre como cada um desses investimentos responderiam a uma possível segunda fase da Covid-19, segundo análises de especialistas ao CNN Brasil Business.
Ativos mais expostos
Ações de empresas dos setores aéreo e de viagens, como Gol, Latam, Azul e CVC, do varejo físico, shoppings, construção civil e educação, afetadas na primeira fase da pandemia, devem sofrer um novo baque em uma segunda. As limitações da quarentena impõem dificuldades às atividades dessas companhias, com impactos negativos no fluxo de caixa e potencial de investimentos.
Fundos de ações, com perfil pouco diversificado, teriam pouca margem de manobra, e também são considerados ativos mais expostos a uma possível segunda onda da Covid-19.
Ainda na linha de frente, o dólar voltaria a subir, potencialmente acima dos R$ 6, adicionando dificuldades a empresas importadoras e com dívida na moeda norte-americana.
Ações de empresas que trabalham com itens não essenciais também são encaradas como mais vulneráveis. “As pessoas estão postergando tudo o que podem gastar em termos discricionários, a não ser para infraestrutura de trabalho”, diz Junqueira, que traz como exemplo o segmento de calçados.
Ativos mais resilientes
Companhias exportadoras, por outro lado, se beneficiariam da alta da moeda norte-americana, como Vale e outras mineradoras. Pelo mesmo motivo, fundos cambiais também voltam a ser opções atrativas.
Ações de empresas que se reinventaram na crise, como as com forte presença no varejo online, e do setor de saúde, que trabalha para dar respostas à crise sanitária, também foram mencionados como alternativas a se considerar.
Na lista de possibilidades também estão os fundos multimercados, que estavam nas máximas antes de março, e fundos imobiliários, ambos classificados como de “maior resiliência”.
“No caso dos multimercados, migramos facilmente de uma posição muito otimista em Bolsa para empréstimos de empresas ou moedas, por exemplo. Em momentos de instabilidade, nada mais coerente do que um portfólio completo, e não restrito a uma estratégia única”, avalia Junqueira.
Já na renda fixa, há boas alternativas de crédito privado, como dêbentures de empresas grandes, com grau de investimento e fôlego financeiro para honrar seus compromissos financeiros no futuro.
Ativos de proteção
Metais preciosos, como ouro e prata, são os primeiros a serem lembrados, assim como o dólar, por ser uma moeda forte. “O brasileiro deveria ter dólar sempre como parte da carteira”, indica Wachsmann, da Vítreo.
Diferente da primeira onda, que pressionou uma queda mesmo aos metais preciosos, em uma eventual segunda esse movimento seria mais ameno, justamente pela ausência do fator “susto”, reforçam.
Também são indicados como ativos estratégicos são os títulos do Tesouro dos EUA, e os chamados Certificados de Operações Estruturadas (COE) – que combinam a protenção da renda variável com ganhos potenciais da renda fixa.
Ações de setores de energia e saneamento são indicadas para aumentar a proteção da carteira, sobretudo com a aprovação do marco regulatório recente. “Mas é importante analisar caso a caso, pois há empresas, do mesmo segmento, que por características próprias sofrem mais ou menos”, pondera Junqueira.
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