Capital privado é responsável por alta na relação investimento/PIB em 2022, diz estudo
Nos três primeiros meses deste ano, os investimentos corresponderam a 17,91% do PIB
O setor privado foi o responsável pelo crescimento na relação entre investimentos e Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil no primeiro trimestre de 2022, segundo um levantamento exclusivo elaborado pelo Cemec-Fipe a pedido do CNN Brasil Business.
Nos três primeiros meses deste ano, os investimentos corresponderam a 17,91% do PIB no período. O valor é maior que os 17,55% registrados no mesmo período do ano passado. Em 2021, o valor chegou a 18,92%.
Os dados apontam que a recuperação dos números na relação entre investimento e PIB está ligada a uma recuperação do investimento privado, enquanto o investimento público estagnou, sem grandes alterações.
Trajetória
Do total, o investimento privado correspondeu a 17,39% do PIB, e o investimento público, 1,61%. O cálculo leva em conta ainda as variações positivas ou negativas de estoque, que representa um potencial futuro de investimento.
No primeiro trimestre de 2021, a relação investimento privado/PIB foi de 15,92%, enquanto o investimento público/PIB ficou em 1,61%, mesmo valor registrado no fim do ano.
De modo geral, os investimentos no Brasil tiveram uma trajetória de crescimento a partir dos anos 2000, apoiada tanto pela alta dos investimentos privados quanto públicos.
O movimento levou a um pico em 2011, com uma taxa total de 21,83% do PIB, e patamares acima de 20% até 2014.
A alta foi possibilitada por um crescimento “bastante acelerado” da economia no mesmo período, com uma perspectiva positiva e um cenário favorável para investimentos, segundo Carlos Antonio Rocca, coordenador do Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec).
Esse cenário mudaria a partir de 2015, quando a taxa de investimento caiu ano após ano até o valor mais baixo da série histórica, de 14,63%, em 2017.
A queda refletiu uma “instabilidade macroeconômica, desequilíbrio fiscal e custos de capital muito elevados” característicos do período, que representou uma das maiores crises econômicas da história do Brasil.
“Houve uma série de decisões macroeconômicas como aumento do desequilíbrio fiscal e intervenções de preços de combustíveis que geraram ruídos na área, o que disparou a inflação e gerou uma forte recessão. Com isso, todos os setores foram prejudicados, e o investimento deteriorou”, afirma Rocca.
Recuperação
A recuperação viria a partir de 2017, favorecida por fatores como um cenário macroeconômico mais favorável, uma inflação controlada, um início da queda na taxa Selic, reformulação do financiamento das empresas e fortalecimento do mercado de capitais.
Com isso, houve uma melhora das expectativas para o crescimento do país e da demanda, com as empresas investindo mais ao esperar um retorno positivo.
“Essas decisões dependem muito do quadro macroeconômico. Quando tem estabilidade grande, a incerteza recua, o que incentiva o investimento. Agora, se tem instabilidade, inibe a decisão de investir”, diz Rocca.
Mesmo assim, a recuperação só ganharia força a partir de 2020, com o número de 2021 sendo o mais alto desde 2014.
Para Rocca, apesar da pandemia ter tido um forte impacto na economia e ter interrompido brevemente essa recuperação, o movimento retomou em 2021 apoiado nas boas perspectivas para alguns setores.
“O aumento de investimento está ligado principalmente à construção civil, que com a queda de juros conseguiu avançar muito pelo custo de capital menor, e equipamentos, principalmente de agronegócio, ligados ao grande aumento das safras”, explica.
Com isso, os investimentos subiram mesmo com um ambiente econômico mais desafiador, de inflação e juros altos, trazido pela pandemia e intensificado pela guerra na Ucrânia.
Já Claudio Considera, coordenador de Contas Nacionais do FGV Ibre, avalia que a taxa de investimento baixa entre 2014 e 2017 refletia um movimento das empresas de apenas repor capital, sem investimento para crescer, que sequer cobria os gastos no período.
“Agora sim estamos investindo para repor um capital gasto”, afirma. Ele lembra também que a taxa de investimento é uma relação com o PIB, ou seja, se ele cresce menos ou recua, como nesse período, a taxa também cresce pouco ou cai.
Ao mesmo tempo, parte da razão para a taxa ter ficado tão baixa, e não crescer tanto quanto poderia atualmente, é uma estagnação do investimento público.
O motivo, afirma Rocca, é que “as despesas obrigatórias cresceram desproporcionalmente. Hoje, 95% das despesas são obrigatórias, e isso pressionou as contas públicas e reduziu muito fortemente a taxa de investimento do setor público”.
A queda já é de praticamente 50% em relação ao pico. “O Estado está quebrado, os recursos são usados para pagar despesas correntes, não investir”, diz Considera.
Ele ressalta que muitas vezes essa queda de investimentos é atribuída ao teto de gastos, mas “isso não é verdade. O Estado não investe porque gasta tudo com despesas obrigatórias, como auxílios e salários, é uma receita limitada, e sempre que tem folga no orçamento, tem preferido com mais despesas obrigatórias, o que é uma escolha errada”.
Desafios
Para Considera, a taxa de investimentos em 2022 tende a cair na comparação com 2021, mesmo com um primeiro trimestre mais positivo.
O motivo, afirma, é que “o PIB vai crescer um pouco mais que o imaginado anteriormente, e como os investimentos não estão crescendo, a taxa deve cair. É algo aritmético quase, não tem havido um incentivo para que haja investimento”.
Rocca também espera uma taxa de investimento menor em 2022, com os dados disponíveis indicando uma formação de capital bruta menor que de 2021.
Ele considera que o movimento se deve a um cenário macroeconômico pior, com inflação e juros altos, e uma intensificação das incertezas do setor privado quanto ao futuro da economia, ligadas tanto ao reforço do risco fiscal quanto às eleições neste ano.
“Daqui para frente teremos de um lado um aumento muito forte do custo de capital, e além disso temos uma incerteza grande com a guerra na Ucrânia e as eleições”, pontua.
Com a economia mundial caminhando para uma recessão, o setor privado tende a perder otimismo e ser mais cauteloso, reduzindo investimentos.
Entretanto, existem exceções, caso de setores como o de papel e celulose e construção civil, que seguem investindo, mesmo que em um ritmo menor.
Outro impacto positivo deve vir “de um conjunto de ações do governo para aumentar a renda das pessoas, o que pode aumentar a demanda e levar a investimentos. Serviços ainda está em processo de recuperação, e representa 70% do PIB, que está com ajuste de projeções, esperando altas maiores”.
Rocca destaca que a taxa de investimento brasileira tem sido baixa desde a década de 1980, indicando uma falta de demanda no setor privado para investir.
Uma exceção, afirma, é o setor de infraestrutura, em que não há falta de demanda de investidores, mas sim falta de oferta de projetos.
“Precisa aumentar investimentos na área, em especial privados. O Brasil investe cerca de 2% do PIB, deveria ser 4%, 5%. Para isso, falta mais segurança jurídica e projetos executivos bem feitos. O governo tomou medidas que devem incentivar investimentos na área, mas ainda poderia fazer mais”, avalia.
O pesquisador da FGV ressalta que, comparando com outros países de realidade econômica semelhante à brasileira, a taxa de investimentos no Brasil é “muito baixa”, o que demonstra um potencial de aumento de eficiência e de crescimento maior do PIB caso os investimentos subissem.
“Quando a taxa era alta, de 25%, nos anos 1970, crescíamos 8%, 10% ao ano, então é fundamental para o país voltar a crescer e voltar a investir. As taxas atuais melhoraram, mas ainda são pequenas”, avalia.
“Sem investimentos, o Brasil não vai voltar a crescer de forma sustentável, não pode ter base de crescimento só em consumo”.
Para isso, ele acredita ser importante que o Brasil reduza o nível atual de desemprego, melhorando a perspectiva de demanda, e ofereça mais confiança aos investidores sobre o futuro.
“Tem que ter uma perspectiva de crescimento, além de segurar gastos públicos, porque como estão agora criam muita incerteza no que diz respeito à tributação futura”, diz.