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    Com dolarização e fim do BC, Argentina perderia o poder de controlar sua economia

    Acabar com o peso para combater a inflação é uma das grandes promessas do candidato de ultradireita à presidência e líder nas pesquisas, Javier Milei

    Juliana Eliasda CNN , em São Paulo

    Abandonar o peso, adotar o dólar como a moeda oficial e extinguir o banco central — algumas das principais promessas do candidato de ultradireita à presidência da Argentina, Javier Milei, — poderia resolver na raiz o problema histórico de inflação alta do país, hoje em mais de 100%.

    Teria, contudo, efeitos colaterais importantes. O principal deles, de acordo com especialistas e com os mais básicos preceitos da literatura econômica, seria o fim do poder da Argentina de controlar a sua própria política monetária, que é o pé da política econômica que cuida de tudo relativo ao dinheiro do país.

    Entra nessa seara o controle da taxa de juros e também da quantidade de moeda em circulação, o que pode ser feito, por exemplo, controlando as reservas financeiras dos bancos comerciais ou, simplesmente, imprimindo mais ou menos dinheiro.

    Todos esses são alguns dos mais importantes mecanismos que os governos têm, por meio dos bancos centrais, para controlar sua inflação, incentivar as entradas e saídas de dólares de investidores e, em última instância, combater o desemprego e gerar crescimento.

    Mesmo se Milei, eleito, resolvesse manter aberto o Banco Central da República Argentina (BCRA), o simples fato de adotar uma moeda estrangeira já tiraria da instituição essas prerrogativas, e sua relevância acabaria inevitavelmente reduzida a um papel bem mais simbólico que o atual.

    O resultado de perder essas rédeas da política monetária é que a Argentina, como todos os países que seguiram ou passaram em algum momento por esse caminho, ficaria muito mais suscetível à necessidade de corte de gastos e ajustes fiscais, essencialmente a única ferramenta que sobraria ao governo para não se ver sem dinheiro nos momentos de crise e não precisar sair pegando ainda mais empréstimos como os que já tem com o Fundo Monetário Internacional (FMI)

    Com isso, as recessões poderiam ser mais frequentes, ainda mais profundas e com o governo tendo poucas ferramentas para combatê-las.

    Fim da inflação

    “O ganho imediato de uma dolarização é acabar com a inflação”, diz o economista Silvo Campos Neto, analista de política monetária da Tendências Consultoria.

    Isto porque inflações galopantes como a da Argentina são, em boa parte, um reflexo da perda rápida de valor de sua moeda, por conta da derrocada de confiança e de interessa das pessoas — de dentro e de fora do país — em tê-la.

    A divisa vai rapidamente sendo capaz de comprar cada vez menos coisas.

    Adotar uma moeda estrangeira forte, como o dólar, no lugar, tende a reestabelecer essa confiança e, com isso, historicamente derrubou a inflação nos países que viveram crises inflacionárias e que seguiram por esse caminho.

    “Em países onde a experiência inflacionária destruiu a confiança na moeda local, a dolarização pode ajudar a remonetizar a economia, restabelecer a intermediação local e reverter a fuga de capitais”, disse o Fundo Monetário Internacional (FMI) em um de seus vários manuais sobre o assunto, produzidos em sua grande maioria dos anos de 1990, quando políticas de dolarização ou câmbio fixo se espelharam por diversos países antes de uma onda global de crises cambiais acabar com boa parte delas.

    Foi o câmbio fixo e uma indexação indireta ao dólar, por exemplo, que ajudaram o real a acabar, em 1994, com a hiperinflação no Brasil.

    Perda de controle e EUA no comando

    “Mas as implicações são brutais”, afirma Campos, da Tendências.

    “A Argentina deixaria de ter o controle de sua política monetária e ficaria refém da política monetária do Fed, mesmo que ela possa estar em um ciclo econômico diferente dos Estados Unidos.”

    O Federal Reserve (Fed) é o banco central norte-americano. Mesmo mantido, o BCRA, o banco central argentino, perderia boa parte de suas funções para o Fed ao adotar a moeda dos EUA.

    É o caso, notoriamente, da decisão das taxas de juros.

    As taxas básicas argentinas e, com elas, a remuneração de seus títulos, subiriam e desceriam conforme as altas e cortes promovidas pelo Fed nos juros que remuneram os títulos públicos do país dele.

    “O país emissor pode, por exemplo, estar vivendo um ‘boom’ – e, portanto, seu banco central adota uma política monetária apertada [sobe juros] -, enquanto a economia dolarizada está no meio de uma recessão”, anotou o FMI em outro relatório sobre o assunto.

    Parecido com o euro, mas diferente

    O professor e ex-diretor do Departamento de Economia da PUC-Rio, Luiz Roberto Cunha, especialista em inflação, lembra que trocar a própria moeda por outra é uma situação bastante parecida com a dos países da zona do euro.

    Eles passaram pelo mais importante processo de dolarização já testado ao aderirem ao euro, em 1999 — apesar do nome, a “dolarização”, em economia, é a adoção, por um país, de qualquer outra moeda estrangeira que não a sua.

    “Eles não têm banco central próprio, eles abriram mão. É o Banco Central Europeu [BCE] quem decide, é um banco central comum”, conta o professor.

    “Aí, a cada vez que o BCE sobe juros, um país como a coitada da Itália, que tem a dívida alta, que não tem a mesma eficiência da Alemanha, vai pagar muito mais de juros.”

    Na União Europeia, apesar das desvantagens, a unificação da moeda fez sentido, defende Cunha, já que “o euro foi fundamental para a consolidação do bloco e a ampliação das trocas entre os países”.

    Não deve ser, porém, o caso da Argentina com os Estados Unidos, na outra ponta do continente.

    Taxa de câmbio, um ajuste natural

    A unificação da moeda, explica Cunha, acaba também com a taxa de câmbio e, portanto, com as valorizações ou desvalorizações da moeda do país em relação à do outro — ou seja, do peso em relação ao dólar, como quer Milei na Argentina.

    À primeira vista, seria uma outra grande dor de cabeça a menos: só neste ano, o dólar saltou quase 100% para os argentinos.

    Na prática, entretanto, a flutuação cambial é mais um sintoma do que o problema.

    Ela é um mecanismo natural de ajuste: se o país está em crise, é menos produtivo, mais caro ou menos estável que outros, investidores, empresas, importadores e turistas vão embora.

    Isso causa uma fuga de dólares e faz com que a cotação daquela moeda caia até que ela fique barata o suficiente para começar a trazer os estrangeiros de volta e reequilibrar as contas novamente.

    É por isso, por exemplo, que na Europa pré-euro, a lira italiana ou o escudo português, costumeiramente, valiam menos do que o marco alemão ou a libra do Reino Unido — que desde o início sequer optou por aderir ao euro justamente para não perder a moeda forte, a taxa de juros própria e o poder de controlar suas crises.

    Ajuste via recessão

    É por isso, também, que foram os países mais frágeis do bloco europeu, como Portugal, Espanha, Itália e Grécia, os que sofreram as piores recessões no primeiro grande teste da moeda unificada, após a crise financeira global de 2009.

    “É um ajuste que viria via câmbio; os países menos produtivos, mais pobres ou mais deficitários se desvalorizam, e sua moeda fica mais barata”, diz Campos, da Tendências, sobre a crise na zona do euro nos anos de 2010.

    “Mas eles não tinham mais a capacidade de manipular sua política monetária [como cortar juros] e nem o ajuste cambial. Então a única forma de ajuste que sobrou foram o ajuste fiscal e uma recessão brutal.”

    Isso significa enxugar agressivamente os gastos do governo para impedir que a dívida pública dispare e redunde em ainda mais fuga de capital.

    “Para lidar com isso, os bancos comerciais ou o banco central [de uma economia dolarizada] precisam ter um volume de reservas internacionais maior do que o normal, ou buscar empréstimos externos”, de acordo com o FMI.

    Se não tiverem esse aparato, a conta em recessão acaba vindo.

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