Com Brasil na presidência, G20 pode dar impulso político à reforma do FMI, diz secretária à CNN
Segundo Tatiana Rosito, da Fazenda, renegociação de dívidas de países pobres e tributação global são outras prioridades do Brasil à frente do G20
A secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Tatiana Rosito, afirmou em entrevista à CNN que o G20 pode dar “impulso político” às demandas por reforma do Fundo Monetário Internacional (FMI). O Brasil ocupa a presidência do grupo a partir desta sexta-feira (1º).
“No G20 estão reunidas as principais economias mundiais, 85% do PIB [Produto Interno Bruto] do mundo, 75% do comércio global. Isso não representa a totalidade das economias que fazem parte da instituição financeira, mas o debate dentro do G20 dará um impulso político para a reforma”, disse.
A reforma do FMI e de outras instituições internacionais é bandeira do presidente Lula desde que assumiu seu terceiro mandato. Para a secretária, esses mecanismos precisam ser atualizados, a fim de que reflitam a “nova multipolaridade” e a distribuição do poder econômico atual.
As cotas do FMI — que definem as capacidades de cada país para tomar empréstimos e interferir nos investimentos do Fundo — são distribuídas, em tese, conforme a posição de cada nação na economia global. Rosito diz que o governo defende a redistribuição das cotas, com maior fatia para emergentes, inclusive para o Brasil.
Outra duas prioridades do Brasil à frente do FMI é fortalecer os mecanismos para renegociação das dívidas externas dos países mais pobres e estabelecer uma “tributação internacional mais justa”, segundo a secretária.
Rosito explica que a presidência brasileira vai trabalhar na solução de dois pilares, descritos em relatórios da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), para enfrentar a digitalização da economia. Entre as medidas estão a tributação mínima para multinacionais e a construção regras para a taxação de Big Techs.
Confira a entrevista completa
Como a presidência do G20 pode, na prática, levar à frente pedidos por reforma do FMI?
As instituições precisam estar atualizadas para refletir uma nova multipolaridade, com a distribuição de poder econômico no século XXI. O que significa que os países emergentes, inclusive o Brasil, deveriam ter mais voz e representação nestas instituições. Essa já é uma bandeira há mais de uma década.
O Brasil vem defendendo um aumento das cotas, e no número de países membros do FMI, para que a instituição tenha recursos para emprestar para os países, para enfrentar crises. Mas também a redistribuição destas cotas. No FMI e nos bancos multilaterais as cotas definem a capacidade de tomar empréstimo e o poder de voto no destino dos investimentos.
No G20 estão reunidas as principais economias mundiais, 85% do PIB do mundo, 75% do comércio global. Isso não representa a totalidade das economias que fazem parte da instituição financeira, mas o debate dentro do G20 dará um impulso político para a reforma
Tatiana Rosito, secretária da Fazenda
Para a renegociação da dívida dos países pobres, outra das prioridades, qual a ideia?
Já há um Quadro Comum com países como Gana e Zâmbia tendo dívida renegociada, mas essa moldura não abarca países de renda média, então não é uma solução para todos. Precisamos dar mais efetividade a este mecanismo. Uma das demandas dos devedores é de que os processos deve ser mais rápido. Vamos trabalhar nesta direção.
Em 2023, sob presidência da Índia, foi criada uma mesa global de negociação de dívida soberana. Nesta mesa, com a presidência de turno, agora do Brasil, com participação ativa do Banco Mundial, do FMI, dos principais credores, inclusive privados, e devedores, há um novo espaço de diálogo para criar consenso nas questões mais difíceis.
A tributação global também está entre as prioridades? Qual o plano?
Há alguns anos, a OCDE, com apoio do G20, chegou a uma solução de dois pilares para este momento em que empresas digitais vendem produtos e serviços em determinados mercados, mas não têm presença física ali. Com isso, é preciso respostas das autoridades tributárias nacionais, mas sobretudo de forma conjunta a nível global, para que as empresas possam ser tributadas, inclusive, nos mercados onde ocorrem.
No Pilar 1 há uma convenção multilateral que trata de como os lucros de empresas vão ser distribuídos pelos mercados consumidores. É uma questão importante para os países que são consumidores de produtos digitais e para produtores. Google, Amazon, Meta e outras são empresas americanas, e alguns países já demonstraram interesse em tributá-las.
Há preocupação de estas empresas serem bitributadas. Uma convenção foi anunciada em Marrakech recentemente e que aguarda a assinatura dos países. O Brasil é parte dessa negociação para a implementação, com foco no desenvolvimento de capacidade de administrações tributárias, sobretudo dos países em desenvolvimento, para ajustar os sistemas necessários para fazer esta tributação.
Tatiana Rosito, secretária da Fazenda
Já no Pilar 2 há uma tributação mínima das multinacionais, de 15%, o que complementa o Pilar 1. Essa solução foi pensada como dois pilares, porque não adianta tributar em um país se é possível ir para outro e ter evasão fiscal. Para coibir esta situação, em conjunto, mais de 130 países acordaram a tributação mínima. E alguns países já começaram a adotar. A Receita Federal já se manifestou sobre o assunto. Disse que tecnicamente vai fazer uma proposta para que isso seja implementado no Brasil e que a decisão política vai ser tomada após os estudos técnicos serem submetidos ao ministro da Fazenda.
Queremos levar as discussões para além destes pilares. Vamos chamar a atenção para a relação entre tributação e desigualdade, para a necessidade haver uma tributação mais progressiva e justa, dado que nos últimos anos você tem assistido, em todos os países, a um aumento da desigualdade.