Análise: Jack Ma quase cresceu mais que a China, e isso o colocou em apuros
O empresário carismático que fala o que pensa e desafia limites, não foi visto em público desde que fez seu discurso em Xangai
O bilionário Jack Ma é uma figura rara na China: um empresário carismático que fala o que pensa e desafia limites.
Essa atitude liberal tornou o cofundador do Alibaba (BABA) conhecido dentro e fora de seu país natal. No entanto, também parece ter colocado seu império comercial (e o próprio Ma) em enorme risco.
O problema começou no fim de outubro, depois que Ma criticou os reguladores da China em uma conferência em Xangai. Enquanto a afiliada financeira de Ma, o Ant Group, se preparava para a maior oferta pública inicial do mundo, o bilionário acusou as autoridades de sufocar a inovação e criticou os bancos do país de terem uma mentalidade de “loja de penhores”.
A retaliação do governo chinês foi rápida. Em poucos dias, os reguladores cancelaram a IPO, mas não antes de convocar Ma e os executivos do Ant Group para uma reunião. Nas semanas seguintes, os reguladores ordenaram que o Ant Group reestruturasse grandes áreas da empresa. Eles estenderam o escrutínio regulatório até ao Alibaba, que agora é objeto de uma investigação antitruste.
Jack Ma, por sua vez, não foi visto em público desde que fez seu discurso em Xangai, o que representa uma ausência notável para um homem que normalmente não tem problemas com os holofotes e cujos negócios agora enfrentam sua maior ameaça em anos.
“Acho que a mensagem que o partido está enviando é que os empreendedores de tecnologia podem ser muito glamorosos e o rosto mais publicamente favorável que a China mostra ao mundo”, disse Rana Mitter, professor de história e política da China moderna na Universidade de Oxford. “Mas nenhum indivíduo, nenhuma empresa é maior do que o Partido Comunista Chinês”.
Muitos analistas da China dizem que o bilionário está provavelmente se escondendo depois de entender a dica que recebeu sobre falar fora de hora, enquanto as autoridades aumentam a pressão sobre seus negócios.
No entanto, também não é de se estranhar que o governo chinês distribua punições severas para figuras proeminentes chinesas que entram em conflito com os interesses do Partido Comunista.
A atriz Fan Bingbing, por exemplo, sumiu repentinamente em 2018 e reapareceu um ano depois para se desculpar por um escândalo de sonegação de impostos. O magnata do mercado imobiliário Ren Zhiqiang desapareceu por vários meses no ano passado depois de ter supostamente criticado a forma como o presidente Xi Jinping lidou com a pandemia do novo coronavírus. Ele acabou sendo sentenciado a 18 anos de prisão sob acusações de corrupção.
Uma lenda viva
Ex-professor de inglês de origem humilde, há muito tempo Jack Ma personificou a prosperidade econômica e a coragem empreendedora da China. Ele transformou o Alibaba em um império de tecnologia de US$ 500 bilhões e acumulou uma fortuna pessoal de cerca de US$ 50 bilhões, de acordo com o Índice Bloomberg Billionaires.
À medida que suas empresas cresciam, Ma se tornou o rosto amigável da ascensão econômica da China. Ele frequentemente se reunia com chefes de estado (tendo inclusive almoçado com o ex-presidente Barack Obama e tirado selfies com o ex-primeiro-ministro do Reino Unido David Cameron) e, no ano passado, até doou suprimentos para o combate à Covid-19 ao redor do mundo.
O estilo do magnata como executivo no Alibaba também era descaradamente extravagante: uma vez, ele cantou o clássico dos anos 1950 “Unchained Melody“ no palco de uma conferência da empresa, e muitas vezes se vestia com fantasias e aparecia em eventos com celebridades como David Beckham e Nicole Kidman.
Por um lado, as autoridades chinesas gostavam do fato de Ma representar uma versão poderosa e glamorosa da China, “porque uma das coisas quase impossíveis para o Partido Comunista Chinês fazer é criar o chamado poder brando no mundo”, disse Mitter, professor de Oxford.
O governo estimulou o crescimento de seus gigantes da tecnologia, incluindo o Alibaba, o Ant Group, Tencent (TCEHY) e Baidu (BIDU), ao mesmo tempo em que excluiu seus grandes rivais norte-americanos. Essas empresas são praticamente indispensáveis na China para interação social, entretenimento, comércio e muito mais.
Mas as autoridades na China cada vez mais enxergam essa influência descomunal como um risco para a estabilidade política e econômica do país. O Ant Group, por exemplo, pode cobrar taxas por empréstimos sem as rígidas regulamentações impostas aos bancos comerciais.
“A repressão aos gigantes da tecnologia é parte de um processo mais amplo do partido para retomar o controle e reescrever a narrativa de como a inovação tecnológica da China ocorre apenas sob as circunstâncias que o partido permitir”, explicou Mitter.
Nos últimos meses, as medidas do governo para controlar o setor ficaram mais abertas. Por exemplo, o Partido Comunista publicou um conjunto excepcionalmente franco de diretrizes em setembro, conclamando seus membros a “educar os empresários para armarem suas mentes com ideologia do socialismo [de Xi]”.
O próprio Xi sinalizou uma repressão tecnológica no mês passado em uma conferência econômica, onde pediu ao país que fortalecesse as ações antimonopólio contra as plataformas online e evite uma “expansão desordenada” do capital.
Nas semanas seguintes, essa pressão tomou forma. Além das exigências regulatórias para o Ant Group e da investigação do Alibaba, as autoridades alertaram outros representantes de tecnologia contra a criação de monopólios e o abuso de dados do consumidor para obter lucro.
O último de sua espécie
Jack Ma, um membro do Partido Comunista, permanece fora do mapa. Suas páginas nas redes sociais estão inativas desde outubro, e ele até perdeu a final de um show de talentos de empreendedorismo africano que criou. O Alibaba disse que Ma não compareceu ao evento por causa de um “conflito de agendas“.
Embora o governo da China não tenha se esquivado de multar ou mesmo prender executivos críticos ao governo (Ren, o magnata do mercado imobiliário que foi preso no ano passado, supostamente escreveu um ensaio em que se referiu indiretamente a Xi como um “palhaço” sedento por poder), analistas do governo e do setor de tecnologia dizem que Ma pode estar fora dos holofotes por vontade própria, pelo menos por enquanto.
O governo chinês quer que sua narrativa sobre a IPO do Ant Group domine a conversa pública, disse Duncan Clark, autor de “Alibaba, a gigante do comércio eletrônico: O Império Construído por Jack Ma” (editora Best Business) e fundador da empresa de consultoria em investimentos BDA China. Ele acrescentou que a empresa sabe que ter uma “diversidade de opinião” sobre o assunto provavelmente não ajudará em nada.
“Mas certamente é notável, e o silêncio é um pouco ensurdecedor”, disse Clark, acrescentando esperar que Ma acabe vindo a público com uma declaração escrita sobre sua contribuição para a reforma na China.
“Ele recebeu o sinal de que ‘falei demais, isso me causou problemas, então preciso me calar’“, opinou Angela Zhang, professora associada da Universidade de Hong Kong que estudou a fiscalização antitruste chinesa.
Perda do “poder brando”
Uma coisa, pelo menos, parece clara: enquanto o Partido Comunista Chinês pressiona os gigantes de tecnologia do país, é pouco provável que o setor encontre outra figura como Jack Ma. O CEO do Alibaba, Daniel Zhang, que sucedeu Ma como presidente em 2019, adotou um tom conciliatório sobre a regulamentação em novembro, ao descrever os esforços do governo para aumentar as restrições às empresas de internet como “oportunos e necessários“.
A perda desse tipo de voz, porém, terá consequências para o governo da China, comentou Mitter. Muitos países, especialmente no ocidente, já veem a China e suas empresas como ameaças existenciais dignas de investigação e sanções pesadas. Essas tensões se originam do temor de que todas as corporações chinesas operem sob o comando do Partido Comunista. Sufocar as críticas dos líderes de tecnologia em sua própria casa pode tornar o exercício de influência no exterior ainda mais difícil.
“A capacidade de uma figura como Jack Ma se manifestar será mais difícil, e acho que isso criará mais um problema para o desejo da China de gerar poder brando”, concluiu Mitter. “Ninguém realmente leva a sério pessoas de qualquer país que correm o mundo simplesmente declamando a linha do governo”.
(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).