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    Alvo de Lula, trecho sobre compras públicas em acordo UE-Mercosul está longe de “matar” indústria

    O capítulo ainda preserva espaço para incentivos a fornecedores nacionais e para restrições a estrangeiros e assegura a possibilidade para o uso das licitações públicas como pilar de futuras políticas industriais

    Daniel Rittnerda CNN

    em Brasília

    Alvo recorrente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no acordo de livre comércio União Europeia-Mercosul, o capítulo negociado sobre compras governamentais ainda preserva espaço para incentivos a fornecedores nacionais e para restrições a estrangeiros.

    Também assegura a possibilidade — embora de forma menos ampla do que hoje — para o uso das licitações públicas como pilar de futuras políticas industriais.

    Lula já criticou diversas vezes esse trecho do acordo e voltou ao tema, na segunda-feira (12), após encontro com a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von Der Leyen.

    O princípio de qualquer capítulo sobre compras governamentais, em tratados de livre comércio, é garantir “tratamento nacional” aos fornecedores estrangeiros de bens e serviços contratados pelos diversos níveis da administração pública.

    O mercado de aquisições públicas costuma representar de 10% a 15% do PIB de grandes economias. Na UE, alcança o equivalente a US$ 1,6 trilhão por ano. No Brasil, estima-se que fique em torno de US$ 150 bilhões anuais.

    Uma leitura minuciosa dos anexos do capítulo sobre compras governamentais revela o que passaria a ganhar “tratamento nacional” e o que ainda ficaria à margem das promessas de abertura.

    De fato, o acordo garante a liberalização em uma série de licitações brasileiras, o que reforça os argumentos de Lula. Por exemplo:

    • Licitações de bens em contratos com valor total a partir de R$ 2,3 milhões (no início da vigência do acordo), diminuindo gradualmente até R$ 900 mil (após 15 anos de vigência do acordo)
    • Licitações de serviços de construção e concessões de obras públicas em contratos com valor total a partir de R$ 55,2 milhões (no início da vigência do acordo), diminuindo gradualmente até R$ 34,5 milhões (após seis anos de vigência do acordo)
    • Licitações de outros serviços — como consultoria em gestão, limpeza predial, saneamento, pesquisas de mercado – em contratos com valor total a partir de R$ 2,3 milhões (no início da vigência do acordo), diminuindo gradualmente até R$ 900 mil (após 15 anos de vigência do acordo)

    No entanto, como em qualquer acordo de livre comércio, existem exceções às regras gerais. No caso do que foi negociado entre UE e Mercosul, não são poucas as exceções. Ficam de foram da abertura:

    • Licitações realizadas por quaisquer órgãos de governos estaduais e municipais
    • Licitações realizadas por quaisquer empresas estatais e fundações públicas
    • Licitações para compras de alguns bens específicos, como certos equipamentos de construção e mineração, colheitadeiras, acessórios para caminhões e tratores, aparelhos de ar-condicionado, pesticidas, gases comprimidos ou liquefeitos
    • Licitações para diversos produtos têxteis, quando se tratar de compras do Ministério da Defesa e do Ministério da Educação, como uniformes infantis e fardas militares
    • Licitações relativas a parcerias público-privadas envolvendo produtos e insumos da lista estratégica do SUS
    • Licitações relativas a programas de segurança alimentar e alimentação escolar, em apoio à agricultura familiar

    Outros pontos negociados pelo Mercosul deixam espaço aberto para políticas industriais ou incentivos localizados a fornecedores locais.

    Como prevê a Lei Complementar 123/2006, o governo brasileiro poderá continuar aplicando margem de preferência de 10% a 25% para micro e pequenas empresas.

    Isso significa que, em uma licitação aberta à concorrência europeia, micro e pequenas empresas nacionais ainda poderão ser declaradas vencedoras mesmo oferecendo preços de 10% a 25% superiores. Não é uma regra que valha sempre, mas o Brasil mantém a possibilidade de colocar esse tipo de cláusula no edital.

    Longe dos holofotes e das declarações públicas, muitos técnicos e negociadores do Mercosul consideram que há um certo equilíbrio nas concessões feitas, mas sem desconsiderar pontos de atenção.

    Nos bastidores, um dos exemplos mais usados de “problema” no acordo diz respeito à questão dos “offsets” — contrapartidas impostas a fornecedores para a compra de bens ou serviços, que podem ser índices mínimos de conteúdo local ou obrigações de transferência tecnológica daquilo que foi adquirido.

    O acordo UE-Mercosul preserva temporariamente, ao governo brasileiro e aos demais países do bloco sul-americano, a prerrogativa de exigir “offset”. No caso do Brasil, vale para compras de ministérios como Defesa, Saúde, Transportes, Portos e Aviação Civil, Minas e Energia, Ciência e Tecnologia.

    O grande “problema”, na visão dos negociadores do Mercosul, é que essa prerrogativa de exigir contrapartidas tem prazo de validade para acabar: 15 anos a partir da entrada em vigência do acordo.

    Em compras consideradas tão estratégicas e frequentemente de valores bilionários, como equipamentos militares e produtos sensíveis na área de saúde, o governo Lula avalia que isso tiraria mecanismos importantes para a elaboração de políticas públicas.