OPINIÃO
Política monetária e teoria dos jogos


Podemos pensar que a diretoria atual e a diretoria futura estão jogando um jogo. Em economia, um jogo é definido por: i) quais jogadores estão participando; ii) quais ações cada jogador pode fazer e; iii) quais os payoffs que cada jogador ganha em cada desfecho de possíveis ações. Este exercício consiste em prever o desfecho da interação desses jogadores em um simples modelo de jogos, similar ao popular dilema dos prisioneiros. Sob algumas premissas de payoff, o equilíbrio resultante das decisões entre os agentes nesse jogo é a diretoria atual mantendo o nível juros no patamar atual esse ano, deixando para a diretoria futura o trabalho de aumento, alcançando tanto uma inflação ao redor da meta quanto um ganho de credibilidade para a próxima diretoria.
Temos dois jogadores, a diretoria atual (DA) e diretoria futura (DF). Para simplificar, vamos supor que cada jogador possui duas possíveis ações: subir os juros (S) ou não subir os juros (N). O equilíbrio de Nash é um conceito matemático de melhor resposta entre os jogadores, e fornece uma previsão para o seu desfecho. O jogo é dinâmico, de forma que a diretoria futura vê a jogada da diretoria atual e depois decide sua ação.
Para estabelecer os payoffs, partimos das seguintes hipóteses: i) com um aumento de juros, a inflação estará em torno da meta no horizonte relevante; ii) com dois aumentos de juros, a inflação estará em torno da meta, mas a atividade será mais penalizada do que o necessário; iii) um aumento de juros hoje é melhor do que um aumento de juros no próximo ano, por ser mais tempestivo. Para as preferências, partimos das seguintes hipóteses: que ambos os jogadores ganham +0,75 pontos de utilidade caso haja um aumento de juros hoje, e +0,50 pontos de utilidade caso o aumento ocorra somente no próximo ano. Ambos os jogadores também ganham +0,25 pontos de utilidade com uma atividade não penalizada além do suficiente, isto é, caso não ocorram dois ciclos de aumentos de juros. No entanto, devido ao cenário atual de pouca credibilidade quanto à condução da política monetária no próximo ano, a diretoria futura ganha +0.25 pontos de utilidade se aumentar juros em seu mandato, enquanto a diretoria atual ganha zero, na medida em que supomos que já está com a credibilidade ancorada. O gráfico abaixo resume o jogo.
Caso a diretoria atual não suba juros, a melhor resposta da diretoria futura é subir, buscando ganho de credibilidade, inflação na meta e atividade não penalizada além do necessário. Note que, nesse caso, o payoff de ambas as diretorias é reduzido pelo aumento de juros ser atrasado. Caso a diretoria atual decida subir juros hoje, a diretoria futura é indiferente entre subir os juros em seu mandato ou não, pois a perda devido a uma atividade penalizada é compensada pelo ganho de credibilidade obtido. Essas especificações de payoff geram dois possíveis equilíbrios de Nash, ambos com aumento de juros hoje, mas em um equilíbrio a diretoria futura sobe os juros no próximo ano, e no outro equilíbrio não.
O que está causando a existência de dois equilíbrios nesse jogo? O simples fato de que a diretoria futura dá o mesmo valor para atividade e ganho de credibilidade. Caso ela dê mais valor para a credibilidade, o equilíbrio é único e consiste na sequência de dois ciclos de aumento de juros, e, caso ela prefira atividade, o equilíbrio consiste apenas em um único ciclo este ano feito pela diretoria atual. Isso mostra a relevância de saber o quanto cada jogador de fato valoriza cada um dos possíveis desfechos. Cabe destacar que a estratégia de aumento de juros hoje já trataria o problema de possível leniência da próxima diretoria, a custo do risco de um ciclo de alta de juros mais extenso do que o necessário.
Mas o que acontece caso a diretoria atual avalie que, nos próximos meses, é indiferente entre uma alta de juros neste ano ou no próximo? Neste caso, o desfecho (N, S) da +0,25 pontos de utilidade para a diretoria atual, e ela prefere não subir juros em seu mandato pois sabe que a diretoria futura irá cumprir esse papel em busca de credibilidade. No entanto, ainda nesse cenário, caso a diretoria atual imagine que a diretoria futura será leniente e não subirá os juros de qualquer forma, ela ainda prefere subir juros hoje do que arriscar passar o bastão para a próxima. Nesse sentido, em diversas configurações de payoffs, o equilíbrio resultante consiste em uma alta de juros hoje quando consideramos que a diretoria futura tem mais chances de ser leniente do que buscar credibilidade.
A lição que tiramos desse exercício é que, se o aumento de juros hoje for realmente necessário, a diretoria atual irá aumentar os juros, independentemente do que a diretoria futura deve fazer. Agora, caso o momento de alta de juros seja menos relevante e a diretoria futura de fato possuir as preferências que anuncia ter, a previsão é que a diretoria atual não aumente os juros esse ano e deixe esse trabalho para a próxima diretoria, pois ela ganhará mais credibilidade e ao mesmo tempo os objetivos da diretoria atual serão atingidos. No entanto, se houver razões para acreditar que a diretoria futura será leniente, a diretoria atual deveria aumentar os juros agora para garantir a inflação ao redor da meta no próximo ano.
*Coluna com a colaboração de Yihao Lin, Lucas Farina, Gabriel Pestana e Pedro Alfradique
