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    José Marcio de Camargo
    Coluna

    José Marcio de Camargo

    PhD em Economia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e economista chefe da Genial Investimentos

    OPINIÃO

    Política fiscal e credibilidade

    A credibilidade da política fiscal desempenha um papel crucial nas dinâmicas econômicas, especialmente nas relações entre inflação, atividade econômica e taxa de juros. A forma como os agentes econômicos percebem a condução futura da política fiscal influencia diretamente os resultados dessas variáveis. Quando a credibilidade fiscal é comprometida, os efeitos podem ser diferentes do esperado, resultando em trajetórias de alta quase permanentes na inflação, na taxa de juros e no câmbio.

    A falta de credibilidade fiscal atua diretamente na elevação conjunta desses indicadores, através do bloqueio do canal de transmissão da política monetária. A política monetária, ao aumentar a taxa básica de juros para controlar a inflação, pode se deparar com uma inflação ainda mais elevada no futuro caso os agentes econômicos entendam que a política fiscal não cumprirá seu dever. Isso ocorre porque o aumento da taxa de juros provoca um aumento nos encargos financeiros da dívida pública, que, por sua vez, gera a emissão de mais dívida para cobrir esses custos. Esse aumento no estoque da dívida tende a pressionar a inflação, indo na direção oposta do que se espera de uma política monetária restritiva.

    Na teoria econômica que fundamenta a política monetária, existe uma premissa de que a política fiscal será responsável por compensar qualquer aumento no estoque da dívida com resultados primários positivos no futuro, e isso é trazido a valor presente pelos agentes. Isso implica que os agentes econômicos esperam que um aumento da dívida hoje será compensado com um aumento de impostos futuros (ou abstenção de gastos), de forma que flutuações na dívida, causadas por impulsos fiscais ou ajustes monetários, não resultem em aumentos excessivos na demanda agregada.

    Esse cenário se altera quando os agentes perdem a confiança de que a política fiscal trará resultados primários positivos no futuro para fazer frente a esse endividamento. Nesse caso, os pagamentos de juros bem como transferências (ou déficit primários) são vistos como um aumento corrente da renda disponível sem que haja expectativa de redução dela no futuro, impactando integralmente a demanda agregada, o que gera mais inflação e contraria os objetivos da política monetária.

    Para ilustrar, realizamos uma simulação do impacto de um mesmo choque fiscal sob uma política fiscal responsável e irresponsável. O choque é representado por um déficit primário de 2% do PIB. A única diferença entre os dois cenários está no compromisso da política fiscal. Sob uma política fiscal responsável, o déficit é convertido em superávit no ano seguinte, estabilizando a dívida e com baixo impacto sob a inflação. No cenário de política fiscal irresponsável, o déficit persiste, resultando em um aumento permanente da dívida e iniciando uma dinâmica inflacionária de longo prazo.

    Este fenômeno parece estar ocorrendo atualmente, conforme observamos as expectativas de inflação e as taxas futuras. O Banco Central, ao perceber que a inflação está acima da meta, aumentará as taxas de juros para conter a pressão inflacionária. No entanto, as taxas futuras e expectativas de inflação seguem subindo. Esse é exatamente o desfecho esperado quando não há credibilidade fiscal por parte dos agentes econômicos, o que parece se enquadrar bem no contexto atual.

    A pergunta natural agora é como sair desse equilíbrio desfavorável. Qualquer solução deve envolver algum canal de reversão da trajetória altista da dívida/PIB em direção a uma estabilização, consistente com o resultado primário estrutural, juros reais e crescimento de longo prazo. Uma forma de estabilização é através da passividade da política monetária, subindo juros aquém do necessário, de modo que, haja quedas nas taxas de juros reais, reduzindo o serviço da dívida pública em termos reais. Nesse mecanismo, o pagamento de dívida ocorre via inflação e depreciação cambial. Apesar de estabilizar a dívida, é um equilíbrio negativo para os ativos financeiros e envolve a perda total da credibilidade de mais um importante condutor de política econômica, que é o Banco Central.

    A outra forma consiste em tomar o remédio amargo e fazer o ajuste fiscal necessário para estabilizar a trajetória dívida/PIB, através de resultados primários elevados. Essa solução não é desejada por parte do governo, uma vez que o ajuste fiscal consiste, na prática, em um intenso enxugamento de recursos da economia, comprometendo o crescimento no curto prazo em prol do crescimento sustentável no médio e longo prazo. Para se ter uma ideia, o resultado primário necessário para estabilizar o nível atual de dívida é em torno de 2% do PIB quando se considera uma taxa de juros real e crescimento em torno 5% e 2,5%, respectivamente. Ou seja, em um contexto de aumento de juros reais, para que seja possível estabilizar a dívida seriam necessários resultados primários acima de 2% do PIB, podendo ultrapassar até 3% do PIB. Dada a dificuldade do Governo de sequer zerar o déficit, esse ajuste atual é muito improvável de se materializar.

    Existe ainda outra saída sem que seja necessário um ajuste intenso e imediato. O Governo pode tentar recuperar a credibilidade com os agentes econômicos,

    garantindo que qualquer nível de dívida atual será revertido em resultados primários futuros, mesmo que não de forma imediata. Isso era uma opção até o início do ano, mas o Governo foi aos poucos perdendo essa credibilidade, de forma que anúncios e falas do tipo “estamos comprometidos com as contas públicas” não funcionam mais. Em nossa avaliação, a única forma seria através de mudanças estruturais nas regras que moldam as despesas primárias. Mesmo que elas não tragam o resultado primário necessário já nos próximos anos, comprará credibilidade, e reduzirá os prêmios de riscos dada uma mesma trajetória de dívida, arrefecendo juros futuros e expectativas de inflação, permitindo a desinflação esperada pelo Banco Central.

    Em resumo, a credibilidade fiscal é fundamental para garantir a eficácia da política monetária e evitar ciclos inflacionários descontrolados. A confiança dos agentes econômicos nas ações do governo, tanto no campo fiscal quanto monetário, é essencial para a estabilidade macroeconômica e crescimento sustentável de longo prazo.

    * Artigo escrito em conjunto com Yihao Lin, Gabriel Pestana e Lucas Farina.