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    José Marcio de Camargo
    Coluna

    José Marcio de Camargo

    PhD em Economia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e economista chefe da Genial Investimentos

    OPINIÃO

    Eu sou você amanhã?

    A decisão do Fed (banco central norte americano) de iniciar o ciclo de afrouxamento monetário com um corte mais agressivo da taxa de juros (-0,5 pontos de porcentagem) surpreendeu boa parte do mercado.

    Mesmo antes da decisão, já esperávamos que a reunião de setembro seria ruidosa e muito provavelmente não seria unânime, o que acabou se confirmando, com uma diretora do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC) votando por uma redução mais modesta da taxa de juros (Fed Funds rate), de apenas 0,25 pontos de porcentagem.

    Uma das interpretações possíveis para o Fed ter optado por iniciar o ciclo com um corte de juros de maior magnitude (0,50 ao invés de 0,25 p.p.) é a de que, como alguns membros do Fed já haviam manifestado o desejo de ter iniciado os cortes na reunião de julho e o cenário evoluiu conforme o previsto pelo próprio Fed no período entre as reuniões, haveria espaço para realizar agora em setembro um corte mais robusto.

    Uma segunda interpretação possível é que o Fed estaria praticando “front-loading”, isto é, adotando uma postura proativa ao invés de uma reativa, no intuito de evitar que uma piora no mercado de trabalho ou uma desaceleração mais forte da atividade econômica ocorram para só então depois disso ajustar a política monetária. O problema é que praticamente nenhum dado econômico até agora dá suporte para essa ação preventiva por parte do Fed. A economia norte-americana não está desacelerando, afastando os temores de recessão a cada novo dado que sai, o processo de desinflação está se dando de forma lenta, com a inflação ainda não tendo atingido a meta, e o mercado de trabalho não está apresentando sinais de piora acentuada. Na verdade, os dados mais recentes contribuíram para reforçar o cenário da ocorrência de um pouso suave (“soft-landing”).

    A autoridade monetária americana justificou a redução da taxa de juros do patamar entre 5,25% e 5,50% ao ano para o intervalo entre 4,75% e 5,00% a.a. pelo ganho adicional de confiança que houve nos últimos meses a respeito da inflação se encontrar em uma trajetória mais firme de convergência para a meta de 2,0%. Não obstante, a menção ao mandato de pleno emprego junto ao de estabilidade de preços entre os principais compromissos do Fed sugere que, daqui em diante, a prioridade da autarquia deve deixar de ser a inflação e passar a ser o mercado de trabalho e a atividade econômica, o que consideramos ser um risco desnecessário a ser tomado.

    Mesmo entre os seus pares desenvolvidos, a postura do Fed é destoante. Tanto o Banco Central Europeu (BCE) como o Banco da Inglaterra (BoE) iniciaram os seus respectivos ciclos de corte com reduções modestas, de apenas 0,25 p.p. nas taxas de juros e optaram por não dar prosseguimento ao ciclo nas reuniões imediatamente seguintes, reforçando o discurso de cautela e prudência na condução da política monetária. Embora os Estados Unidos e os países europeus compartilhem taxas de inflação de serviços ainda elevadas, o crescimento econômico e o mercado de trabalho vem apresentando um dinamismo muito maior nos EUA do que nas nações do Velho Continente, o que torna a decisão do Fed de iniciar o ciclo de afrouxamento com um corte de juros de 50 pontos base ainda mais destoante e arriscada.

    Guardadas as devidas proporções, até pelo fato de um ser o banco central de um país emergente e o outro não, as ações recentes do banco central brasileiro servem de exemplo ao Fed do que pode acontecer quando uma autoridade monetária inicia um ciclo de corte de juros com uma redução mais agressiva, indo contra o processo mais comum de iniciar um ciclo de afrouxamento monetário com cortes mais modestos e, caso as condições econômicas permitam, acelere o ritmo.

    A opção tomada em agosto de 2023 pelo banco central brasileiro de começar o ciclo de redução de juros com um corte de 0,50 ao invés de 0,25 p.p. acompanhado da adoção de um “guidance” da mesma magnitude para as reuniões seguintes, foi uma decisão que posteriormente se mostrou equivocada. A partir da reunião de setembro o Copom se viu forçado a voltar a subir a taxa de juros, dando início a um novo ciclo de alta da taxa Selic por conta de uma leitura equivocada acerca do real estado da economia brasileira em termos de atividade, mercado de trabalho e taxa de inflação.

    De certa forma, o Brasil e os Estados Unidos se encontram num estágio parecido do ciclo econômico, com atividade aquecida, mercado de trabalho apertado e inflação que ainda não convergiu para as respectivas metas. Assim, não é baixo o risco de ocorrer com o Fed o mesmo que ocorreu com o banco central brasileiro caso o primeiro promova cortes grandes e precipitados na sua taxa de juros. A diferença é que o Fed goza de bem mais credibilidade do que os demais bancos centrais, o que até o permite errar, mas não a ser completamente imune às consequências desses erros.

    Para o Fed não cometer o mesmo equívoco, promovendo um afrouxamento monetário excessivo nesse ano e em 2025, a autoridade monetária norte americana deveria continuar a dar prioridade para o combate à inflação e não mudar o seu foco para a taxa de desemprego e o crescimento econômico, sob pena de ser forçada a interromper o seu ciclo de cortes no ano que vem, e até voltar a aumentar a taxa de juros.

    Afinal, um dos maiores pesadelos de qualquer banco central é o de justamente iniciar um ciclo de corte de afrouxamento monetário, ter que interromper o ciclo de cortes prematuramente e, logo na sequência, ser forçado a voltar a subir a taxa de juros. Nessa seara vale destacar que a política econômica defendida por ambos os candidatos à presidência, tanto do lado republicano como democrata, tem viés inflacionário, o que contribui para aumentar os riscos sobre a condução da política monetária no médio prazo.

    *Coluna com a colaboração de Yihao Lin, Lucas Farina, Gabriel Pestana e Pedro Alfradique

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