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    José Marcio de Camargo
    Coluna

    José Marcio de Camargo

    PhD em Economia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e economista chefe da Genial Investimentos

    OPINIÃO

    A ressaca fiscal

    Apesar do bom resultado das receitas primárias líquidas do governo central ao longo do primeiro semestre do ano, as estimativas ainda sugerem que o cumprimento da meta fiscal de déficit zero para 2024 será bastante desafiador. O reflexo disso pode ser capturado nos preços dos ativos brasileiros, que seguem registrando um desempenho aquém dos nossos pares, sinalizando que os desenvolvimentos internos, sobretudo fiscais, são a causa provável desse descolamento.

    O ritmo acelerado de crescimento de despesas primárias, sobretudo das previdenciárias e o pagamento do benefício de prestação continuada (BPC), impulsionadas pela política de valorização do salário-mínimo em termos reais, que indexa cerca de metade das despesas previdenciárias, é, a nosso ver, o principal responsável pelo drama fiscal brasileiro.

    Esta política tem um grande impacto na trajetória das despesas, inclusive revertendo a trajetória de estabilização das despesas previdenciárias decorrente da aprovação da Emenda Constitucional 103/2019, que extinguiu a aposentadoria por tempo de contribuição e elevou a idade

    mínima para homens e mulheres. As despesas previdenciárias e com encargos retornaram para a trajetória de crescimento observado antes da aprovação da reforma da previdência.

    No acumulado dos últimos 12 meses, as despesas previdenciárias atingiram R$ 976,1 bi enquanto as despesas com o BPC foram de R$ 104,5 bi e juntas correspondem a 46,5% das despesas primárias acumuladas nos últimos 12 meses. A dinâmica perversa de crescimento dessas despesas culminou na contenção total de despesas no montante de R$ 15 bi anunciados no último relatório bimestral de receitas e despesas e na revisão do déficit projetado para o fim do ano no montante de R$ 28,8 bi, o limite inferior da meta de 2024.

    Além de prejudicar o cumprimento da meta de déficit estipulado pelo novo arcabouço fiscal nos próximos anos, a continuidade desse ritmo acelerado de crescimento dessas rubricas de despesas, que são obrigatórias, deve pressionar as demais despesas discricionárias do governo, usadas para investimento e custeio da máquina pública. As estimativas sugerem que entre 2027 e 2028 as despesas discricionárias corresponderão a menos de 5% do total das despesas do governo central, tornando inviável a execução do orçamento o que põe em xeque a própria viabilidade do Novo Arcabouço Fiscal.

    A deterioração da saúde fiscal brasileira também pode ser observada na dinâmica da relação dívida/PIB. No relatório referente ao mês de junho, a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) alcançou o patamar de 77,8% do PIB, ao acumular alta de 3,4 p.p. em 2024, registrando o maior nível desde novembro de 2021. Nossas estimativas sugerem que ao alcançar 80,0% do PIB, sob condições otimistas de crescimento real do PIB em torno de 2,0% e de um juro real de 4,5%, o superávit primário que estabiliza a dívida é de aproximadamente 2,0% do PIB. Dessa forma, fica evidente que mesmo cumprindo as metas de convergência para um superávit de 1,0% do PIB em 2028 – estas são insuficientes para estabilizar a dívida pública brasileira.

    Cabe destacar que parte da deterioração da trajetória da dívida pública brasileira decorre das perdas do Banco Central em operações de swap cambial, refletindo o movimento recente de desvalorização do real. O paradoxo é que o movimento mais recente de forte depreciação cambial, que teve início após a flexibilização das metas de resultado primário de 2025 e 2026, é derivado da elevação do risco fiscal, de modo que, a piora das contas públicas cria uma trajetória de retroalimentação do nível do endividamento brasileiro.

    Dessa forma, nos próximos anos, a questão fiscal deverá continuar a ser o calcanhar de Aquiles da economia brasileira, em especial, no que tange à dinâmica de crescimento das despesas e da não estabilização da dívida bruta.

    Nesse contexto, é cada vez mais urgente que o país aprove medidas que garantam uma trajetória fiscal verdadeiramente sustentável. Caso contrário, assim como em episódios passados, continuaremos dependentes de ventos externos favoráveis para conseguir um alívio

    (temporário) através de aumentos de receitas extraordinárias provenientes do setor extrativo. Entretanto, a história nos ensina que esse desafogo sempre tem um fim e, geralmente, esse fim é acompanhado por uma forte ressaca.