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    Gonzalo Vecina
    Coluna

    Gonzalo Vecina

    Médico sanitarista, fundador e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária

    OPINIÃO

    Oferta, demanda e necessidade – como resolver?

    A assistência à saúde no setor privado tem como principal problema o aumento incontrolável da sinistralidade. Os clientes buscam acesso a consultas e serviços sem ter qualquer direcionalidade. E a consequência é a explosão da sinistralidade e um aumento de custos.

    No setor publico o que se tem é uma regulação do acesso a consultas e serviços que não consegue dar conta da imensa demanda. Existe um ordenamento do acesso a partir da entrada do paciente que em 60% do país se faz através da estratégia da saúde da família. Mas faltam muitos direcionadores dessa demanda, como os protocolos clínicos, as linhas de cuidado desenhadas e a gestão de filas com a regulação de acesso.

    O que se vê no setor privado e no setor publico é uma incompetência na gestão da porta de entrada do sistema de atenção. Assim temos clientes insatisfeitos, pela alta dos preços ou por não atender suas demandas.

    Nos velhos tempos do Inamps, melhor dito do INPS, durante a crise de falta de atendimento de urgências nos idos de 1975, se resolveu criar um projeto que está meio esquecido, mas que foi o primeiro projeto de extensão da assistência a saúde do Brasil, o primeiro projeto de universalização do atendimento medico. Foi criado o BAU – Boletim de Atendimento de Urgência!

    O BAU foi transformado em uma roubalheira imensa pelos prestadores de serviço da época, dando razão ao nome dado ao programa. Os prestadores de serviço contratados pela previdência social eram autorizados e obrigados a atender em regime de urgência ou emergência todos os pacientes que os procurassem, independente de comprovação de sua filiação a previdência.

    Muitos prestadores começaram a enviar listas de pacientes a partir de um aparato então existente chamado lista telefônica. E um dos resultados desse desatino foi considerar que grande parte do BAU, era o que se chamou de atendimento a demanda e não de uma necessidade.

    Desde então, o atendimento à demanda passou a ser mal visto no processo de atenção a saúde. Mas os tempos mudaram e a valorização do cliente criou a necessidade de que as vontades do cliente fossem atendidas. E aí se caminhou para o extremo oposto – nem demanda, nem necessidade – medicalização. Com certeza uma parte da demanda pode ser entendida como necessidade, embora de pouca ou nenhuma urgência, mas nem por isso devendo ser ignorada.

    A busca dos cidadãos por assistência deve ter uma forma adequada de ser atendida e a isso se dá o nome de escuta. Quem escuta os cidadãos? Os profissionais de saúde. Mas os cidadãos querem ser atendidos por médicos e não por qualquer profissional de saúde. Portanto, deve ser construído um processo de escuta em que o médico tenha um momento de escutar o cidadão e buscar seu processo de atendimento.

    Essa disposição deve construir um processo de atenção que não resvale na medicalização – consumir é saúde! Não resvale no não reconhecimento da demanda do cidadão e nem tampouco em submetê-lo a uma espera de meses em filas que negam o atendimento na prática.

    Os remédios para evitar o que se está vivendo são diferentes, mas tem que ser enfrentados e seu enfrentamento está no espaço de aumentar a eficiência dos serviços e em um primeiro momento não significa aumentar o financiamento.

    No caso da área pública, é fundamental e sobre isso já existe um razoável consenso, criar as regiões de saúde. Os usuários/cidadãos devem ser enxergados no território e não na porta das unidades de saúde. E para isso, o ordenamento do processo assistencial tem que partir da localização do cliente no seu espaço de viver – a região de saúde.

    Essa região não é o município, nem o estado, que são espaços identificáveis devido à demarcação jurídica. Os cidadãos da Grande São Paulo estão em 39 municípios, e as fronteiras jurídicas entre os municípios são ignoradas no momento da busca por resolver seus problemas de saúde. Cerca de 15% das internações hospitalares realizadas na cidade de São Paulo são de não paulistanos. E isso acontece com muito sofrimento e filas sem sentido.

    Mas nós aprendemos a gerir filas – a determinação dos transplantes a serem realizados tem uma gestão muito boa no país e as filas que atendem aos conceitos de ordem de chegada e gravidade, são bem estruturadas e dão resultados adequados e também não são judicializadas – o judiciário entendeu que aqui não cabe intervir!

    Mas qual a dificuldade para criar as regiões de saúde, identificar os serviços existentes e, portanto, a oferta de serviços de uma dada região e construir os elementos de gestão do acesso da demanda?

    Sim, existem perguntas sem resposta – o que é uma região de saúde? Essa é uma pergunta que já tem algumas respostas.

    Se estima que no Brasil temos algo como 44 regiões metropolitanas e essa pode ser uma resposta.

    O Conass e o Conasems chegaram a algum tipo de proposta de que existem algo de 350 regiões de saúde em torno das quais se deveria propor os arranjos sanitário/demográficos.

    Em suma, existem formas de entender esses arranjos. Mas como coordená-los? Quem decide a ordem que os cidadãos/clientes ocuparão na fila?

    Os prefeitos e governadores dos cerca de 40 partidos políticos tem que se entender para propor a governabilidade do gerenciamento das filas. Essa discussão parece não ter fim. Mas é parte da solução. Após saber como estruturar a oferta, aí sim, ter-se-á que adequar a oferta frente a demanda.

    Nada fácil, pois aí será o momento de rediscutir o financiamento do sistema. Um município que investe em serviços que não são a atenção primaria, não poderá resolver a demanda do município vizinho que investe menos.

    O sistema de gerenciamento tem que resolver o problema do financiamento também. E parte da solução dependera do entendimento entre os políticos regionais com o político de plantão no estado.

    Sim, será difícil, mas se não for enfrentado, o encontro da oferta com a demanda e a estruturação das filas de acesso – a regulação, não ocorrera.

    O SUS depende de se estruturar essa resposta. E existem bons instrumentos de tecnologia da informação que tem muito poder para resolver ou ajudar a resolver a questão da gestão das filas de acesso.

    De novo, não será fácil, mas exigira muita vontade politica, capacidade de negociar e entender a importância da adequação do acesso. E participação indutiva do Ministério da Saúde.

    Ao longo do tempo, assim com fizemos com os transplantes, conseguiremos resolver algumas condições clinicas bastante complexas – é o caso da hemodiálise, que hoje administra um grupo de algo como 150 mil pacientes aguardando seu rim para transplante em algo como 900 unidades de hemodiálise.

    Sim, esse sistema tem problemas e poderia ser melhorado, mas está operante e também se beneficiaria de um projeto melhor de gestão da oferta/demanda.

    Esse desafio é dos três entes do SUS e já passa do tempo de ser enfrentado! Mas e a questão do setor privado? Dá para enfrentar? Tem solução a ser proposta?

    Sim, tem e como! Mas não cabe mais neste artigo. Não perca o próximo.

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