OPINIÃO
Srs. ministros Camilo Santana e Alexandre Padilha


Temos um imenso transatlântico, tendo a bordo cerca de 240 mil jovens brasileiros navegando rapidamente em direção a um imenso iceberg chamado exame da ordem, no qual o Congresso e as entidades médicas brasileiras estão se lambuzando e parecem que desejam que eles se afoguem! E o imenso esforço que a sociedade está realizando para aumentar a necessária oferta de médicos soçobre.
Senhores, os seus ministérios deixaram as faculdades de medicina criar um excepcional negócio – faculdades de medicina com 250 vagas ano com uma mensalidade de R$15 mil! Um imenso negócio! Não têm professores, não têm local para realizar a parte prática da formação – internato e nem pensar residência. Não têm hospital, escola ou serviços onde capacitar os alunos.
Já as entidades médicas, algumas inclusive fizeram avisos, mas a busca de ganhar dinheiro e a real falta de médicos junto com os desgovernos que vivemos nos últimos anos, nos levaram a um momento em que enfrentamos uma tempestade perfeita – o que os órgãos oficiais não permitem que funcione, o Judiciário garante o funcionamento – existe um grande número de faculdades privadas funcionando graças a medidas judiciais. Com isso, não estou acusando o Judiciário que interpreta as leis, acuso o Congresso que, neste momento, quer criar uma válvula de escape chamado exame da ordem e o Executivo que não se apresenta para enfrentar os tubarões do ensino privado que têm farta representação no Legislativo.
Estamos próximos a um desastre – o exame da ordem, vulgarizado pelos advogados, impede o reprovado de atuar como advogado em situações definidas pelo sistema legal, mas permite que o profissional atue no mundo jurídico. No caso da medicina, a reprovação não permite que o profissional que ganhou um diploma de uma instituição reconhecida pelo Poder Público realize qualquer atividade dentro do cuidado a saúde! E isso é correto, pois não foi aprovado em um exame que busca saber se ele foi adequadamente preparado pela sua faculdade para atender os pacientes.
O que acontecerá com o aluno reprovado? Se estima que cerca de 70 a 75% dos alunos serão reprovados, ou seja, algo como 30 mil alunos por ano, que estarão formados ao longo de um curso de seis anos em período integral e não poderão ter atividade na área para a qual foram formados. O que serão? Certamente irão encontrar subempregos ilegais como médicos de segunda classe, tendo um carimbo de um profissional para legalizar uma situação que eticamente não terá como ser suportada.
A lei que criou o Mais Médicos (12871/13) foi uma ação muito corajosa e necessária. O Brasil precisava e precisa de mais médicos e a solução dos médicos cubanos foi correta. Por volta de 45 milhões de brasileiros passaram a ter acesso à assistência medica na atenção básica nas áreas mais desiguais do país. A elite medica e os políticos de ocasião foram contra pela má-fé ou por seus interesses escusos. Porém, a lei também permitiu criar novas faculdades em locais onde elas seriam mais necessárias. Não existe como mandar um profissional para onde ele não queira ir, a solução passa de certa forma por saturar a oferta de profissionais. Com certeza continuarão a existir vazios assistenciais que terão que ser resolvidos por políticas públicas mais inteligentes… e caras.
Assim sendo, faltam médicos e a criação de faculdades, que é parte da solução, está em marcha, mas não pode ser realizada de qualquer forma e muito menos resolvida da forma como está sendo proposta através do exame da ordem.
O MEC terá que fazer valer sua autoridade regulatória em relação aos alunos de medicina. Na área da saúde, existe uma assimetria de informação que impede que o mercado seja o regulador. Assim, o Executivo terá que regular as condições de funcionamento das faculdades e verificar ao longo do tempo as condições de funcionamento das escolas. Além disso, criar um conjunto de condições que permitam acompanhar o funcionamento das escolas e processo de formação dos médicos.
Essas discussões são bem conhecidas no meio médico. A proposta da fiscalização dos cursos, a criação das diretrizes educacionais mínimas, a proposta dos exames seriados aos quais todos deverão ser submetidos, entre outras medidas, são capazes de produzir o efeito de garantir uma maior homogeneidade nos formandos.
A lei 12.871/13 também propôs o sistema nacional de avaliação do ensino superior da qual se originou a proposta da avaliação seriada do ensino médico nos 2º,4º e 6º ano e porta de entrada da imprescindível residência medica, foram suspensas na esquecida balbúrdia que foi o governo Temer com a famosa EC 95/16.
A lei 12.871/13 também propôs o sistema nacional de avaliação do ensino superior, que originou a proposta da avaliação seriada do ensino médico nos 2º,4º e 6º ano e o plano de ser uma porta de entrada para a imprescindível residência medica. No entanto, essa questão foi suspensa na esquecida balbúrdia que foi o governo do presidente Michel Temer com a famosa Emenda Constitucional nº 95 de 2016.
Os conselhos médicos querem atuar na oferta de médicos e é isso que ganharam com as medidas tomadas naquele governo – se ataca freando a entrada de novos médicos e não se ataca a causa da má-formação, que é a ausência da regulação do MEC na formação dos médicos necessários ao funcionamento do SUS!
Temos que enfrentar a necessidade de formar mais médicos, mas temos que garantir que sua formação seja regulada e acompanhada pelo Estado. A proposta do exame da ordem é tão criminosa quanto permitir que profissionais despreparados sejam permitidos atuar na atenção a saúde de nossos pacientes.
É fundamental que essa discussão não fique encobertada nos gabinetes de Brasília ou realizada no escurinho do Congresso, onde tudo se resolve com uma emenda Pix secreta!
A solução está na ação do Estado em fiscalizar o funcionamento das faculdades de medicina públicas e privadas que se candidataram a formar medico que poderão conduzir o funcionamento do SUS para uma nova realidade.
É importante que a sociedade saiba que no Congresso existem muitos projetos de lei caminhando no sentido de aprovar leis que se propõe a punir os alunos das faculdades que o estado brasileiro permitiu funcionarem. E é isso que o propalado exame da ordem propõe – mas eu sou a favor de que médicos despreparados atendam os pacientes do SUS? Não, isso é inaceitável! O que todos deveremos buscar, é que os alunos e as famílias que bancaram esse sonho da formação de médicos não se transformem em uma tragédia – ter um jovem recém-formado que será levado a atuar de maneira ilegal como um submédico atendendo em alguma biboca que também terá o beneplácito do Estado brasileiro.
Todas essas situações poderão ser evitadas se os senhores ministros chamados no título desta súplica se moverem e fizerem o que a sociedade espera de vossas senhorias.