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    Gonzalo Vecina
    Coluna

    Gonzalo Vecina

    Médico sanitarista, fundador e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária

    OPINIÃO

    Onde comprar remédio? E comida? E outras questões fundamentais

    De tempos em tempos, essa discussão volta a baila –pode vender medicamento isento de prescrição (MIP)– no supermercado?

    A razão é aumentar os pontos de venda e, portanto, o acesso a medicamentos e uma promessa dos supermercados de vender mais barato que as farmácias.

    No Brasil existem mais de 90.000 farmácias, uma farmácia para 2.300 habitantes, existem farmácias demais, o recomendável seria uma farmácia para 5.000 habitantes. Com certeza nas periferias e nas pequenas cidades existem poucas. O que domina a abertura de um ponto comercial… é o comércio! Sim, é necessário regular o comércio farmacêutico.

    Os supermercados não aumentariam os pontos de venda e provavelmente não conseguiriam manter preços diferenciados. E ademais são estabelecimentos que não estão preparados para vender medicamentos, mesmo sendo MIPs. E poderiam se adequar? Não tenho dúvida que sim – podem até ter farmacêutico de plantão. Mas então por que não?

    Não tem jeito de fugir da questão que se está falando de comércio de medicamentos, portanto de comércio e não de uma importante função da assistência a saúde que é a assistência farmacêutica. Medicamentos devem ser associados a um conjunto de procedimentos chamado de assistência farmacêutica.

    O comércio tem que estar contido no espaço da assistência farmacêutica e isso tem que ser entendido e regulado através da ação do estado. No supermercado não devem ser vendidos medicamentos e na farmácia não deve ser vendido alimentos (exceto os especiais) e produtos de limpeza e tantos outros que somente signifiquem comercio.

    Os supermercados querem fazer comércio e as farmácias também querem ser supermercados, com a ideia de serem semelhantes às drugstores americanas, que são quase um supermercado. E o que é bom lá, não necessariamente será bom aqui. Existem muitas discussões em aberto no modelo de funcionamento das farmácias que também tem que ser melhor resolvidos:

    1 – Farmácia pode produzir medicamentos? Com certeza não podem, embora algumas farmácias de manipulação com frequência tentem burlar a lei e produzir medicamentos sem a respectiva receita medica. E fora esse caso, também existe no subterrâneo uma discussão sobre as farmácias terem uma produção própria, geralmente terceirizada usando uma marca própria. Praticamente todas as grandes redes já têm a sua marca própria de produtos oficinais e nutracêuticos (uma categoria ainda não adequadamente definida na regulação da produção de medicamentos no país). E essa prática melhorou o comércio de medicamentos, do ponto de vista do acesso? Com certeza não!

    2 – Aliás, as farmácias, principalmente as grandes redes, além de sonhar com serem drugstore e venderem de tudo, sonham em vender assistência médica – a receita sai do médico e é atendida ali no balcão com um produto que tem sua própria marca!

    De novo se está falando exclusivamente de comércio e não de assistência farmacêutica ou nesse caso de algo ainda mais complexo – de assistência medica.

    A experiência com esse modelo, em uso no México, é desastroso. Verdade que lá não tem um SUS e sim um modelo semelhante ao modelo do tempo do Inamps, muito fracionado. E aí oferecer assistência medica pode ter alguma justificativa.

    Neste momento, existem farmácias querendo fazer frente as filas de atendimento dos prontos-socorros. A ideia e comer pelas beiradas e fazer de conta que não é comércio e sim é solução para os crônicos problemas do SUS e da assistência medica suplementar, que não está nem aí para a questão da assistência farmacêutica e muito menos para a da assistência medica.

    Na verdade, falta debate e politica publica sobre a complexa questão da assistência farmacêutica nunca adequadamente enfrentada no Brasil. Com certeza devido aos problemas de financiamentos e aos remendos providenciados pela judicialização da oferta de medicamentos, que parecia que iria ter um melhor encaminhamento com a súmula 61 do STF, mas que parece próxima de um retrocesso.

    Remédio deve ter registro na ANVISA para ser comercializado e ter avaliação de tecnologia ATS, para ter garantido o acesso. Pelo menos em um sistema de saúde como o que se propõe que o SUS seja. E aí estaremos mais próximos de ter um modelo de assistência farmacêutico adequado. Os países europeus têm interessantes modelos de assistência farmacêutica através de seus sistemas de saúde de base universal.

    Enquanto não se tem uma proposta de assistência farmacêutica digna desse nome e patinarmos no financiamento e na melhor organização do acesso aos serviços de saúde, os vendilhões do templo encontram alternativas par fazer da saúde um comércio. Apenas um comércio.

    Não tenho dúvida que medicamentos e atos médicos são bens comercializáveis no modelo de sociedade que temos, mas também não tenho dúvida que existe a imperiosa necessidade da ação do Estado através da vigilância sanitária na regulação dos modelos de acesso a medicamentos na sociedade.

    A questão da venda de medicamentos em supermercados traz à tona todas essas discussões que estão mal resolvidas no modelo do SUS. O funcionamento das farmácias, a questão dos supermercados, a questão das farmácias de manipulação, a questão da venda de medicamentos através da terceirização da fabricação e da diluição da responsabilidade técnica, a questão de oferecer assistência medica em farmácias, etc.

    Com certeza as farmácias podem fazer mais coisas que vender remédios, cosméticos, devices (produtos para a saúde), e assemelhados. Podem aferir pressão arterial, realizar exames clínicos usando a tecnologia do point of care (exames de laboratório realizados na hora e com resultado imediato), aplicar vacinas a partir de receitas medicas, mas não podem fazer consultas medicas e fazer assistência medica.

    Sim, precisa ser expandida a rede de farmácias com o programa Farmácia Popular do Brasil e precisa ser muito ampliado o rol de medicamentos cobertos pela proposta da Farmácia Popular, mas isso dependera de uma mudança no financiamento e não vejo isso muito próximo.

    Já a melhoria das questões acima levantadas, e que dizem respeito ao fato do comércio, ter a função pública da assistência farmacêutica é imprescindível e responsabilidade da adequada e necessária politica publica de funcionamento desses estabelecimentos.

    Isso é possível e deve ser feito! Mãos a obra Ministério da Saúde e ANVISA.