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    Daniel Barros
    Coluna

    Daniel Barros

    Médico psiquiatra e bacharel em Filosofia. Professor colaborador do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP

    OPINIÃO

    Devemos cuidar da saúde mental. Da nossa e dos outros

    No mês de janeiro, provavelmente não por coincidência, dois grandes movimentos ligados à saúde mental confluíram nos últimos anos: o Janeiro Branco e o Janeiro Seco. Eu sei que, hoje em dia, parece que faltam meses e cores para tantas doenças que queremos prevenir, mas, ainda assim, essas campanhas são úteis porque trazem importantes discussões à luz, pelo menos uma vez por ano.

    A saúde mental pode até ser considerada privilegiada, porque, além das duas campanhas de janeiro, ainda temos o Setembro Amarelo – sinal de que a sociedade está mesmo carente de falar sobre isso.

    O Janeiro Seco, a prática de não ingerir álcool no primeiro mês do ano após os exageros das festas de fim de ano, não é exatamente uma novidade, mas foi transformado em campanha no início dos anos 2010, capitaneada pela organização Alcohol Change UK, alcançando hoje centenas de milhares de pessoas, de acordo com a entidade.

    Ninguém terá a vida transformada por não beber em um dos doze meses do ano, claro, mas uma das principais vantagens de aderir ao movimento, a meu ver, é mostrar (ou descobrir) quem é que manda em quem.

    O uso de álcool, por si só, não é um problema: ele faz parte da nossa cultura, está presente em diversas celebrações sociais e até religiosas. Por outro lado, o abuso do álcool é uma questão real, associado a um número espantoso de doenças e mortes em jovens, adultos e idosos, sem contar sua relação com acidentes, violência doméstica e urbana e a frequentemente subdiagnosticada síndrome alcoólica fetal.

    Embora nem sempre seja fácil admitir, não é difícil saber quando o uso do álcool se tornou um problema: basicamente, é quando o comportamento sai do controle, mesmo que parcialmente, e a pessoa bebe mais do que gostaria, em frequência ou quantidade, e continua a beber ainda que perceba prejuízos. Ou seja, quando a pessoa não manda no álcool, mas é ele que manda na pessoa.

    Como o beber social é muito frequente e aceito, contudo, notar que se está sem controle pode ser complicado, já que sempre se encontram ocasiões sociais para servir de pretexto. Então, quando se tenta realmente interromper o uso, pode-se descobrir que está mais difícil do que se imaginava.

    A segunda vantagem é obter mais consciência sobre os hábitos. Tantas vezes adotamos comportamentos de forma automática, seguindo o grupo e acompanhando o ritmo de nosso entorno, que nem paramos para pensar se realmente gostamos daquilo ou se queríamos estar fazendo aquilo para começo de conversa. Ao parar voluntariamente, é possível que muitos despertem para a possibilidade de um novo padrão, não necessariamente abstinência, mas talvez em níveis de quantidade e frequência menores.

    Período propício a balanços e reflexões – além de um mês não tão concorrido por outras campanhas de saúde –, janeiro foi também escolhido como um período de conscientização sobre saúde mental, no movimento iniciado em Minas Gerais que ficou conhecido como Janeiro Branco. O foco é promover o bem-estar e prevenir o adoecimento por meio da promoção de comportamentos comprovadamente eficazes, como atividade física, meditação, criação de vínculos afetivos e, claro, informação e esclarecimento.

    Eu sou um defensor dessas medidas, é claro. Todas estão, de fato, associadas à prevenção e mesmo ao tratamento de transtornos, como os de ansiedade e depressão. É relevante trazermos esse assunto para as pautas das redações, discutindo na imprensa e repercutindo na mídia em geral.

    Mas venho me dando conta, nos últimos tempos, do quanto essa abordagem coloca a responsabilidade da saúde mental exclusivamente no indivíduo. Uma leitura ligeira daria a impressão de que basta o sujeito dormir cedo, fazer ginástica, meditar e substituir alimentos ultraprocessados por salada verde com quinoa que estaria vacinado contra a depressão.

    Em primeiro lugar, não estaria, obviamente. Em segundo lugar, mesmo esse conjunto todo de atitudes não está disponível igualmente para todos, pois a vulnerabilidade social dificulta a adoção de comportamentos saudáveis, como ter horários regulares, separar tempo para lazer e realizar atividades físicas supervisionadas.

    Pior: a pobreza, por si só, carrega muitos fatores de risco para o adoecimento mental: estresse, insegurança financeira, maior tempo de deslocamento para o trabalho, mais exposição à violência, mais dificuldade em acessar serviços de saúde geral e especializados, menor acesso à informação. Mesmo que não fosse tão difícil adotar um estilo de vida saudável sob tais condições, é evidente que não há meditação que baste para equilibrar tantos fatores de risco.

    Já despertamos para a importância de cuidar da nossa saúde mental. Agora é hora de nos conscientizarmos sobre a importância de cuidarmos da saúde mental dos outros. Essa responsabilidade, afinal, é tão individual quanto coletiva.

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