Varejo pós-auxílio emergencial: podemos esperar pelo pior?
O resultado das vendas nos primeiros meses até março será pressionado por uma base de comparação forte, já que o primeiro trimestre do ano passado foi bom
O planejamento para o primeiro trimestre de 2021 é um desafio para todos os gestores de empresas, sejam elas grandes ou pequenas. Afinal, não dá para saber quando, de fato, voltaremos à vida normal (e se isso algum dia irá acontecer). O varejo, com a possibilidade de novos lockdowns acontecerem, pode sofrer ainda mais.
Motivos para essas incertezas não faltam. As dúvidas sobre o desempenho desse setor nos próximos três meses passam pelo fim do auxílio emergencial, benefício que foi essencial para o sustento do comércio no ano passado.
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O resultado das vendas nos primeiros meses até março será pressionado por uma base de comparação forte, já que o primeiro trimestre do ano passado foi bom e as coisas só começaram a desandar na segunda quinzena de março.
“O cenário do primeiro trimestre ainda carrega uma dose grande de incerteza e imprevisibilidade”, avalia Alberto Serrentino, especialista em varejo e fundador da consultoria Varese Retail.
Ele prevê um resultado ruim para o varejo nos primeiros meses do ano por causa da forte base de comparação e da falta de confiança dos consumidores e empresários diante das incertezas sobre a vacinação contra a Covid-19 no Brasil. Tudo isso se soma ao fim do auxílio emergencial.
A importância do auxílio emergencial
Depois de um tombo de 16,6% nas vendas em abril, o varejo registrou crescimento por cinco meses consecutivos até setembro, quando o volume de vendas já era 0,9% superior ao patamar observado no mesmo mês do ano anterior.
Os últimos dados divulgados pelo governo federal sobre o auxílio emergencial dão conta de um repasse de R$ 288,7 bilhões a quase 68 milhões de brasileiros.
“O auxílio emergencial foi essencial para o desempenho do varejo em 2020. Tivemos a reação do varejo em uma curva em ‘V’ quase perfeita”, afirma Serrentino.
O principal programa de transferência de renda do Brasil é o Bolsa Família. De 2016 a 2019, o programa distribuiu R$ 117,22 bilhões a seus beneficiários, valor que equivale a menos da metade do distribuído pelo auxílio emergencial em menos de um ano.
A injeção de liquidez sem precedentes para uma camada da população que poupa muito pouco – porque, na maioria das vezes, não consegue – se transformou em consumo e impulsionou as vendas do comércio em um ano de crise econômica.
É claro que nem tudo são flores: o consumo das famílias ainda não se recuperou do tombo de 11,3% observado no segundo trimestre – no terceiro tri cresceu 7,6% –, o que mostra que o nível de consumo poderia estar mais alto, mas nada mau para um ano marcado por uma pandemia que matou quase 200 mil brasileiros.
Céu nublado pela frente
Mas a ajuda encolheu – passou de R$ 600 para R$ 300 – e agora acabou. “A redução teve um reflexo no consumo, porque você perde renda e é um valor significativo – praticamente quatro vezes o valor médio pago pelo Bolsa Família”, comenta Serrentino.
O fim do auxílio coincide com um trimestre que, historicamente, é mais fraco em vendas. Tem a ressaca do fim de ano, depois das compras de Natal e Black Friday, um salário “normal”, sem a ajudinha do 13º e boletos importantes, como IPTU, IPVA e despesas com a educação dos filhos.
Um ou outro setor do varejo pode estar otimista para 2021, como o e-commerce, que teve um boom de investimentos e novos entrantes nos últimos meses. Mas basta analisar indicadores como desemprego, renda e confiança do consumidor, que impactam diretamente o desempenho do varejo, para ver que o horizonte continua nublado.
Começando pelo desemprego: o Brasil vive sua pior crise quando o assunto é emprego. No trimestre encerrado em agosto do ano passado, o desemprego no Brasil saltou para uma taxa recorde de 14,6%.
Sobre a renda, um estudo da FGV Social mostra que o ganho individual do brasileiro teve uma queda média de 20,1% entre maio e junho deste ano.
O último pilar que sustenta o tripé do consumo, a confiança do consumidor, também não anima muito. Em dezembro, a Fundação Getúlio Vargas mostrou que o Índice de Confiança do Consumidor caiu 3,2 pontos e chegou a 78,5 pontos. Quando o indicador fica abaixo 100 pontos, mostra que o consumidor está pessimista com a situação atual da economia.
Enquanto mais de 40 países começaram a vacinar sua população, o Brasil não tem previsão para o início da vacinação, o que contribui com o pessimismo dos consumidores.
Houve ainda piora da percepção dos consumidores em relação ao mercado de trabalho. “O comportamento mais cauteloso está relacionado principalmente a uma percepção de dificuldade de se obter emprego: 97,5% dos consumidores avaliam que está difícil obter emprego no momento, fazendo com que o indicador atinja o menor nível dos últimos 16 anos”, afirma Viviane Seda Bittencourt, Coordenadora de Sondagens da FGV.
E o varejista pequeno?
Nem só de Carrefour, Mercado Livre e GPA vive o varejo brasileiro. O supermercado de bairro, o e-commerce de moda que gera receita no Instagram e a lojinha de capas e acessórios para smartphones também entram nessa equação. E são justamente esses os que mais devem ter dificuldades no começo deste ano.
“O varejista depende muito das pequenas vendas da semana e não tem tradição de fazer grandes planejamentos”, explica Mauricio Morgado, coordenador do Centro de Excelência em Varejo da FGV.
A última pesquisa Pesquisa Anual do Comércio (PAC), feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é de 2017, mas ainda é possível entender o tamanho das micro, pequenas e médias empresas no varejo brasileiro.
Segundo o IBGE, as MPMEs representam 96,7% das empresas do setor e foram responsáves por 35,5% do faturamento total do varejo em 2017, com receita de R$ 724,3 bilhões. Segundo Morgado, os dados ainda são relevantes para entender o cenário atual do varejo. No geral, os pequenos negócios geraram 50% dos empregos formais – o que sobe ainda mais, se contarmos os trabalhadores que não possuem registro na carteira.
O mercado ainda não conheceu o resultado de dezembro. Se as vendas de Natal não foram tão boas quanto o esperado, devemos ver com frequência placas de saldão, queima de estoque e “leve 3, pague 2” nas vitrines, especialmente dos pequenos varejistas.
“As vendas de Natal talvez segurem essas promoções, mas as pessoas não receberam o 13º na quantia em que estão habituadas. Não sou otimista em relação ao Natal”, diz Morgado.
Para o primeiro trimestre, a dica é ficar ainda mais atento ao fluxo de caixa, “que é o que quebra uma empresa”. O especialista aconselha que os varejistas acompanhem todas as entradas e saídas e não relaxem no controle de despesas fixas, como aluguel, funcionários, água e luz. Aqui, a dica é negociar para tentar cortar custos.