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    Ter motoristas CLT no Brasil tiraria US$ 10 bi em valor de mercado da Uber

    No Reino Unido, parceiros do app receberam a definição de "trabalhadores" e têm alguns benefícios; por aqui, projeto de lei prevê modelo semelhante

    Tamires Vitorio, do CNN Brasil Business, em São Paulo

    A Suprema Corte do Reino Unido decidiu: a partir de agora, os motoristas da Uber devem ter direitos de trabalhadores e não podem mais ser considerados como “contratados independentes”, autônomos ou parceiros, como define a empresa.  

    Segundo a Uber, a decisão não se aplica as atuais 60 mil motoristas que a empresa possui no Reino Unido, mas sim a um pequeno grupo de 25 profissionais que entraram na Justiça contra a empresa pedindo direitos trabalhistas. O Uber Eats também escapou da decisão.

    Ao todo, os advogados que representam o grupo de trabalhadores disseram que a compensação deles deve chegar a cerca de R$ 91,1 mil. No entanto, isso não significa que os motoristas foram contratados com carteira assinada pela Uber. 

    A decisão judicial deu aos profissionais o título de trabalhadores, e não funcionários —uma classificação híbrida na legislação trabalhista do país, que garante direitos como salário mínimo, proteção contra deduções ilegais de salários, nível mínimo de férias pagas, duração mínima de intervalos de descanso, não trabalhar mais de 48 horas por semana, proteções contra discriminação e para realizar denúncias sobre irregularidades no local de trabalho, pagamento por doença, maternidade, paternidade e adoção. Já os funcionários oficiais têm, entre outros benefícios, licença remunerada e trabalho flexível.  

    Mesmo assim, para os trabalhadores que entraram com a ação contra a companhia, a decisão judicial já foi considerada uma vitória, e levantou a seguinte dúvida: o que aconteceria se outros países obrigassem os aplicativos de delivery e de transporte a criar vínculos empregatícios com seus parceiros e entregadores?  

    Depois da decisão da justiça britânica, motoristas da África do Sul também vão entrar com um processo contra o app de transporte em busca de direitos trabalhistas, incluindo compensação por horas extras não pagas e pagamento de férias. Em ambos os países, os parceiros da Uber são considerados autônomos, tendo poucos direitos e proteções previstas por lei. Na África do Sul, a ação poderia afetar até 20 mil motoristas, segundo os escritórios de advocacia responsáveis pelo caso.  

    Como seria isso no Brasil?

    Se, em uma situação hipotética, todos os 1 milhão de motoristas da Uber no Brasil tivessem de ser contratados pela companhia, sem a existência de uma categoria híbrida como no Reino Unido, todos teriam de ter carteira assinada, a famosa CLT, o que custaria caro para o aplicativo.

    “A receita que o Brasil representa para a Uber é mais ou menos de 10% do total. O número excessivo de contratações poderia ter um impacto de US$ 10 bilhões no valor de mercado”, estima Josilmar Cordenonssi, professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. No último pregão de fevereiro, na sexta-feira (27), a empresa era avaliada em US$ 95,8 bilhões.  

    Em nota enviada ao CNN Brasil Business, a Uber afirmou que “pela terceira vez, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) confirmou que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os motoristas parceiros” e que as decisões judiciais de outros países não devem ter efeitos por aqui. 

    Para o ministro Ives Gandra, de acordo com a mesma nota, “os motoristas parceiros que utilizam a plataforma da Uber para gerar renda têm autonomia e flexibilidade, requisitos incompatíveis com o vínculo empregatício, já que existe autonomia ampla do motorista para escolher dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber”. 

    Gandra também afirmou que “não cabe ao Poder Judiciário criar conceitos que não estão na lei para tentar encaixar as novas formas de trabalho nos requisitos previstos na legislação para o vínculo de emprego, como a exigência de habitualidade e subordinação jurídica”. 

    Enquanto a Uber afirma que seu modelo de negócio é flexível, sindicatos ao redor do mundo definem a forma de trabalho adotada pelos motoristas como exploratória —em alguns casos, os motoristas faziam jornadas de mais de 15 horas. Desde março do ano passado, a companhia reduziu a carga horária máxima de um parceiro brasileiro para 12 horas. Com isso, eles só podem voltar a trabalhar após seis horas de descanso. 

    Projeto de lei prevê ‘contrato híbrido’

    Mas esforços têm sido feitos para flexibilizar o trabalho informal e garantir benefícios para estes profissionais. Um Projeto de Lei (PL) de autoria da deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP) propõe um regime parecido com o britânico para regular a prestação de serviço dos motoristas com as plataformas.

    O PL 3748/2020 prevê a estipulação de um valor por hora, que não pode ser inferior ao piso ou ao salário mínimo, incorporando à remuneração um pagamento proporcional de férias e 13º salário, além de benefícios como seguro-desemprego e salário-maternidade para os trabalhadores classificados como “sob demanda”.  

    “Para esse modelo híbrido acontecer no Brasil, a alteração legal precisa ser feita urgentemente”, afirma Maurício Corrêa da Veiga, da Corrêa da Veiga Advogados. “Hoje um juiz de trabalho não poderia reconhecer parcialmente algum direito para os motoristas. Ou dá um vínculo, ou não dá”, diz. Para Veiga, “o motorista da Uber não é um funcionário porque não tem uma delimitação de tempo para o trabalho, de rotina, local de atuação” e “recebe de 75% a 80% do total de cada corrida”.  

    Quem pagaria a conta

    Contratar os motoristas com carteira assinada sem uma categoria intermediária poderia reduzir os lucros da empresa e dos próprios profissionais, segundo Cordenonssi.

    “Se colocar encargos sociais, como INSS, o salário do trabalhador CLT aumenta o custo da empresa em 72%. Isso fará com que as corridas fiquem mais caras. A Uber, então, teria duas opções: repassar o valor para o trabalhador, que passaria a receber menos dinheiro, ou para o consumidor, que vai pagar mais caro”, explica. “Se o preço não subir, a companhia vai receber menos. E repassar o preço ao consumidor vai ser difícil, e o táxi voltará a ser a opção mais atrativa.” 

    Cordenonssi entende que a possibilidade de isso acontecer no Brasil é bastante baixa –mas, se a empresa fosse obrigada a realizar contratações do dia para a noite, outro problema poderia aparecer. “Isso poderia forçar o app a descontinuar o negócio no país, deixando ainda mais pessoas desocupadas. Na recessão que estamos vivendo, [virar motorista de aplicativo] é uma oportunidade de ter renda simples e rápida. Se você coloca a CLT em cima disso, essa possibilidade pode se tornar mais restrita. Com os encargos sociais, você faz com que as empresas demorem muito para contratar e existe um custo alto para demitir. Dessa forma, o mercado fica menos flexível.”

    O que diz a Uber 

    “Pela terceira vez, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) confirmou que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os motoristas parceiros. O novo julgamento foi na mesma linha das mais de 800 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho que já afastaram o vínculo empregatício ou declararam a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar a relação comercial com a Uber.

    O julgamento desta terça-feira (2/2) na 4ª Turma do TST, de forma unânime, negou provimento ao recurso de um motorista independente contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais que não reconheceu o pedido de vínculo empregatício. O entendimento já havia sido adotado em outros dois julgamentos no TST em 2020, em fevereiro e em setembro , e também pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de 2019.

    O relator do processo, ministro Ives Gandra, considerou que os motoristas parceiros que utilizam a plataforma da Uber para gerar renda têm autonomia e flexibilidade, requisitos incompatíveis com o vínculo empregatício, já que existe “autonomia ampla do motorista para escolher dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber”.

    O ministro destacou ainda que não cabe ao Poder Judiciário “criar conceitos que não estão na lei” para tentar encaixar as novas formas de trabalho nos requisitos previstos na legislação para o vínculo de emprego, como a exigência de habitualidade e subordinação jurídica.

    “Quantas pessoas, nesse período de pandemia, que estavam ou na economia informal ou desempregadas, hoje têm uma fonte de renda fácil e acessível através do Uber?”, questionou Gandra no julgamento. “O aplicativo, essas plataformas digitais, são uma ferramenta impressionante de potencial gerador de trabalho e atividade econômica, mas que pode ser frustrada se for enquadrada equivocadamente em moldes antiquados.”

    No julgamento, o ministro Guilherme Caputo também pontuou que decisões judiciais de outros países não devem influenciar o Judiciário brasileiro por serem criadas em sistemas jurídicos distintos. “Se a Suprema Corte do Reino Unido entendeu que motoristas não são trabalhadores autônomos, tampouco deveria ter repercussão porque é um sistema jurídico completamente diferente do nosso”, afirmou, em relação ao julgamento recente que classificou um grupo de motoristas de Londres no status de “worker”, figura que não existe na legislação brasileira.”

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