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    Mercado de minério vai ‘ceder’ em algum momento, diz presidente da Vale

    Eduardo Bartolomeu afirma que empresa aposta em renovação tecnológica como preparação para fim de 'novo ciclo' da commodity

    Mônica Ciarelli e Bruno Villas Boas, da Agência Estado

    Sem aumento relevante na oferta de minério de ferro à vista, os preços da commodity seguirão em alta, mas distantes do “superciclo” dos anos 2000, afirmou o presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo, em entrevista ao Estadão/Broadcast.

    O executivo prevê que o ritmo de produção de aço na China se estabilize nos próximos cinco anos – e “o mercado, em algum momento, vai ceder”. Garante que a empresa estará “bem posicionada” para quando esse momento chegar.

    “Não sou mágico para dizer se vai ser no ano que vem, daqui a dois anos, mas não é no curto prazo”, diz Bartolomeo, em uma das raras entrevistas desde que assumiu o comando da mineradora, em abril de 2019, poucos meses após o rompimento da barragem de Brumadinho (MG).

    Na conversa de 45 minutos, Bartolomeo cita medidas tomadas desde o desastre, como o acordo de R$ 37 bilhões para reparação dos danos ambientais e sociais; afirma que a Vale está no meio de uma jornada de transformação, e que começam a aparecer os primeiros frutos. Uma das metas é ingressar no Índice Dow Jones de Sustentabilidade até 2025.

    Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

    O preço do minério de ferro permanece elevado. Qual sua avaliação sobre o cenário para a commodity?

    Falamos de stronger for longer, better for ever. Traduzindo, seria algo como mais forte por mais tempo, e melhor para sempre. O mercado vai ficar apertado por um tempo, porque não tem aumento de oferta (de minério de ferro) além da nossa, que vai ser colocada de forma disciplinada e natural. Nossa meta é ter capacidade de produzir 400 milhões de toneladas em 2022. Mas não acredito em superciclo de minério.

    Eu vivi o superciclo no passado. Em 2000, a China produzia 130 milhões de toneladas de aço bruto. Esse volume cresceu para 640 milhões, em 2010, e 1 bilhão, em 2020. Não acredito que a China vai seguir assim e fazer 1,4 bilhão de toneladas. O negócio de minério de ferro está amadurecendo e estabilizando, inclusive sendo substituído por sucata. A China deve estabilizar a produção nos próximos cinco anos. Então, acreditamos que o mercado, em algum momento, vai ceder.

    É possível estimar quando isso vai acontecer?

    Não sou mágico para dizer se vai ser no ano que vem, daqui a dois anos, mas não é no curto prazo. Quando o mercado abrir, estaremos bem posicionados. É onde entra o “melhor para sempre”. Como produtora de minério de qualidade, quando a curva de demanda começar a diminuir, a Vale vai ser o operador de preferência (dos clientes). Vamos ter o minério de alta qualidade de Carajás, as nossas filtragens funcionando nos sistemas Sul e Sudeste, principalmente em Brucutu, Itabira e Vargem Grande (complexos em Minas Gerais).

    Nossa capacidade de produzir produtos de qualidade vai aumentar, já que não estarei restrito a barragens. E temos muita inovação tecnológica. (…) Queremos fazer mais produtos de qualidade. Na hora em que o mercado “suavizar”, vamos estar bem preparados, com 90% do nosso portfólio de alta qualidade. Ou seja, ninguém vai ter esse portfólio.

    A Vale tem meta de produção de 315/335 milhões de toneladas em 2021. Quais os desafios para atingir essa meta?

    Começamos o ano com 322 milhões de toneladas de capacidade e vamos terminar o ano acima disso. Existe uma construção dessa capacidade. A volta da mina de Timbopeba (Complexo de Mariana) era um item. A liberação da correia transportadora de Vargem Grande também é um desafio. Superamos o desafio de voltar a operar Serra Leste (Pará). O sistema Norte é o nosso grande motor, com cerca de 200 milhões de toneladas. Fizemos um primeiro trimestre muito bom. Não posso antecipar o resultado do segundo trimestre, mas estamos O.K. Muito tranquilos sobre os volumes que vieram no primeiro semestre.

    A Vale está focada em fazer sua jornada de transformação e arrumar a casa.

     A Vale está em um momento positivo de geração de caixa. Existe espaço para fazer aquisições?

    Há uma série de coisas a fazer que demandam caixa. Temos um capex (investimento) em torno de US$ 6 bilhões, que mira duas coisas: criar a real capacidade de fazer operações sem barragem ou diminuir substancialmente a demanda por barragem. A filtragem é US$ 2 bilhões nesse número de capex. Podemos investir em cobre, podemos investir em níquel. Por que, então, vou olhar para fora de casa hoje? A Vale está focada em fazer sua jornada de transformação e arrumar a casa. É um negócio cíclico. Já vimos o preço do minério a US$ 30. Temos sempre que nos preparar para o inverno.

    O risco de uma crise hídrica no País atrapalha os planos, preocupa a mineradora?

    Estamos olhando com atenção. Existe um impacto de custo imediato, que não temos como evitar. Temos uma geração de energia própria muito grande. Isso ajuda na nossa própria pauta ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança). Anunciamos o Solar Sol do Cerrado (projeto de usinas fotovoltaicas), que será construído. Continuamos caminhando, e nossa meta é sermos 100% autossuficientes no Brasil, em 2025, e no mundo, em 2030.

    Quebra da barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG)
    Quebra da barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG)
    Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

    O senhor assumiu a Vale logo após Brumadinho…

    Fui trazido para o cargo de CEO pela tragédia de Brumadinho. Estamos agora numa transformação muito forte da companhia. Eu falo três palavras sempre: segurança, pessoas e reparação. Não vamos falar que saímos da crise, porque é um processo longo. Isso se transformou em dois pilares estratégicos para a gente, o de segurança e excelência operacional e um que chamamos de novo pacto com a sociedade. Isso tem guiado a companhia. Temos uma narrativa de de-risking (redução de risco), reshaping (remodelação) e re-rating (reavaliação).

    Recentemente, a Vale ganhou o Prêmio Broadcast Empresas 2021. O que vem sendo feito?

    Por paradoxo, a pós-pandemia foi muito positiva para nós e para todo o setor de commodities, tanto para o minério de ferro, quanto para o níquel e cobre. Isso por causa da forte reação da China e o alívio monetário nos EUA e Europa. Mas a gente também tem um trabalho. O de-risking tem a lógica de reparação de Brumadinho, a segurança das operações e das pessoas, a retomada de capacidade de produção e a agenda ESG. Quando falamos de reshaping, falamos de sair de negócios em que não temos competência, como Moçambique. O re-rating é ser nota dez em segurança, nota dez em ESG. Queremos entrar para o Dow Jones de Sustentabilidade. As pessoas começam a olhar para a Vale e começam a ver uma empresa que vai ser, sim, mais segura, mais confiável e mais humana.

    Há prazo para entrar no Índice Dow Jones de Sustentabilidade?

    Queremos ser uma empresa segura, confiável, humana, líder de baixo carbono e reconhecida como geradora e repartidora de valor. Para todas essas cinco, colocamos metas até 2025.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.