"Processo de privatização começou errado", diz ministro do TCU sobre Eletrobras
Ministro Vital do Rêgo se diz frustrado com o resultado, e afirma que não sabe se o órgão conseguirá remediar esse erro
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Derrotado no plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) durante o julgamento da primeira parte da privatização da Eletrobras, o ministro Vital do Rêgo se diz "frustrado" com o resultado e afirma que não sabe se o órgão conseguirá "remediar esse erro". "Acho que não", disse.
A principal discussão durante o julgamento da privatização da Eletrobras foi a precificação da potência. Por que o senhor decidiu abordar essa questão?
Temos uma ampla legislação que começa em 2004 e vai para 2021, além de um decreto que regulamentou a existência da possibilidade de vender potência. A própria EPE (Empresa de Pesquisa Energética) encaminhou estudos ao TCU informando qual seria o CME (Custo Marginal de Expansão) após 30 anos. Não pode vender energia sem dizer que está embutido um valor de potência. A minha questão foi simples, e os ministros não explicaram por que o ministério determinou à EPE para não arbitrar a potência.
O governo até agora não avançou com a pauta da privatização, e a Eletrobras é estratégica para a gestão governo. Essa pressa influenciou o julgamento no TCU? O próprio ministro Benjamin Zymler disse no voto que as contas não estavam maduras.
O ministro Zymler teve a dignidade intelectual de dizer que o processo não estava maduro e disse que, se a Eletrobras fosse dele, não seria privatizada. Não imagino que o TCU pudesse ser capturado por razão do calendário político, pois não podemos fazer isso por situação nenhuma. Somos um órgão absolutamente técnico.
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Apesar de a discussão ter reacendido recentemente, não é a primeira vez que a privatização da Eletrobras vira tópico de debate na política e sociedade. Conheça a história da companhia, da sua criação até a MP 1.031/2021
• REUTERS/Brendan McDermid/File Photo
Em 1961, o presidente Jânio Quadros assinou a Lei 3.870-A, que autorizava a construção das Centrais Elétricas Brasileiras S.A. A instalação da empresa ocorreu oficialmente em 1962, pelo presidente João Goulart—nascia, então, a Eletrobras
• Agência Brasil
Após a posse do presidente Fernando Collor de Mello em 1990, foi anunciado o “Plano Brasil Novo”, que instituiu, entre outras medidas, a MP 155/90. Ela implementava o Programa Nacional de Desestatização (PND) que, como o nome já diz, visava transferir atividades exercidas pelo setor público ao setor privado
• Foto: Wilson Dias/ Agência Brasil
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A Eletrobras foi incluída no plano, e as reformas institucionais e privatizações na década de 1990 acarretaram a perda de algumas funções da estatal e mudanças em seu perfil. Ela só foi removida do PND em 2004 --e adicionada novamente em 2021
• REUTERS/Mike Blake
Em 2012, a MP579 mudou completamente o rumo da companhia. A medida provisória propunha a renovação antecipada de uma série de usinas hidrelétricas, com a condição do regime de cotas
• George Becker/Pexels
Isso significa que a empresa passa a ser obrigada a vender energia pelo preço que cobria basicamente o custo de operação e manutenção daquelas plantas. Quando não estão submetidas a ele, o preço de mercado da energia elétrica cobrados pelas usinas chega a R$180/MWh. Nas usinas que estão sob o regime, o valor fica em torno de R$60/MWh. Na Eletrobras, cerca de 40% da energia vendida acabava saindo por esse preço
• REUTERS/Pascal Rossignol
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Além disso, a MP cortou cerca de 70% das receitas da companhia em transmissão. Isso provocou uma queda de R$10 bilhões no faturamento da Eletrobras, que somadas à crise econômica e ambiental, quase levaram a empresa à falência.
• Pixabay
Em 2016, Wilson Ferreira Júnior, CEO escolhido pelo então presidente Michel Temer, melhorou o cenário da empresa com um projeto de "turnaround"
• Marcelo Camargo/Agência Brasil
Ele demitiu cerca de 53% dos funcionários da companhia, reduziu para menos da metade o número de subsidiárias e ordenou a venda das distribuidoras de energia da empresa --a medida mais polêmica do projeto. Isso fez com que o PMSO— ou seja, as despesas gerenciáveis da empresa com pessoas materiais, serviços e outros— fosse de RS$ 12 bilhões em 2016 para RS$ 9 bilhões em 2020
• Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Em 2018, a empresa volta a ser tópico de discussão em todo o país: Temer deu o primeiro passo legal para a privatização da empresa, enviando ao Congresso o PL 9463/2018. Ele argumentava que a Eletrobras estava perdendo espaço para a iniciativa privada e, diante do acúmulo de dívidas, tornava-se custosa para a sociedade. O projeto ficou parado e nem sequer chegou à fase de votação
• Isac Nóbrega/PR
O presidente Jair Bolsonaro (PL) reacendeu a discussão em 2019, com o PL 5877/2019. Esse projeto buscava demonstrar, assim como o anterior, o decaimento da estatal, sua perda de espaço no mercado e seus custos ao contribuinte. Mas ele também ficou parado no Poder Legislativo
• 16/1/2021REUTERS/Adriano Machado
Em 2021, em um cenário que o governo julgou de relevância e urgência, a MP 1.031/2021 foi editada. Na foto, vemos o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, o presidente Jair Bolsonaro, o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes e o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, durante declaração após entrega da MP
• Marcelo Camargo/Agência Brasil
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A ideia é a seguinte: a Eletrobras é uma empresa de capital misto. Como o governo detém 60% de seus papéis, ela é considerada uma empresa estatal. A MP propõe reduzir a participação da União para menos de 50%, por meio da venda de novas ações no mercado
• Alan Santos
A capitalização da Eletrobras foi aprovada pela Câmara dos Deputados, pelo Senado Federal, e pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O processo foi finalizado em junho de 2022, em uma operação que movimentou mais de R$ 30 bilhões
• 3/01/2019REUTERS/Pilar Olivares
Hoje, a Eletrobras é responsável por 1/3 da energia elétrica do Brasil. Ela detém 43% das linhas de transmissão, e cerca de 29% da geração de energia do país –fazendo dela a maior companhia do setor elétrico da América Latina
• Reuters
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O senhor disse no voto que, no futuro, existirá um sentimento de que a 'Eletrobras foi vendida pela metade do preço e a iniciativa privada está fazendo a festa'. Após o resultado, qual sentimento fica?
Frustração, pois tenho um sentimento de nacionalismo. Nacionalismo sem ser ideológico, nacionalismo de cunho responsável. Fiz questão de não discutir se sou contra ou a favor do processo de desestatização. Como julgador, não posso fazê-lo. Mas como eu posso me permitir, em sã consciência, assinar um acórdão mantendo uma privatização com uma subavaliação de R$ 63 bilhões? Não me sinto confortável em fazê-lo. Não sei se conseguiremos remediar esse erro, acho que não. O processo começou errado.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.