Por que há o medo de que os EUA subam juros, e por que isso não deve acontecer
Desde o início da pandemia, o Fed, banco central americano, reduziu os juros a 0% e injeta bilhões em estímulos todo mês no mercado financeiro


Os temores de que o Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, pode voltar a subir os juros básicos do país antes do previsto entraram de vez para o radar de investidores e fez bolsas do mundo todo entrarem em um sobe-e-desce nos últimos meses conforme as notícias avançam.
É por isso que o mercado financeiro dos cinco continentes estará atento nesta quarta-feira (16) ao que o Fomc, o comitê de política monetária do Fed, terá a dizer ao fim da reunião em que anuncia se baixa, mantém ou sobe a taxa de juros dos EUA.
A expectativa unânime é que, por ora, a taxa fica onde está, praticamente zerada, mas os sinais do colegiado sobre o que pode acontecer nos próximos meses serão vitais. O medo é que os juros do Fed tenham que começar a subir antes do combinado, em meio a pressões de inflação que começaram a aparecer no país.
No Brasil o holofote ainda é duplo, já que o Banco Central brasileiro também decide qual será a nova Selic, a taxa de juros do país, em mais uma “super quarta”, como o mercado convencionou chamar.
Juro a 0% e maior corte desde 2008
Os juros de referência da maior economia do mundo sofreram, no início do ano passado, os maiores cortes já feitos pelo Fed desde a grande crise financeira de 2008, e estão desde então estacionados perto do zero, em uma banda que vai de 0% a 0,25%.
As reduções extraordinárias foram feitas logo no início da pandemia de coronavírus, em resposta à grande depressão que se sabia que viria, e o Fed jura repetidamente em seus comunicados e declarações que não vai voltar a subir seus juros tão cedo.
Em agosto do ano passado, o órgão até anunciou uma inversão histórica em seus objetivos, dizendo que iria passar a tolerar uma inflação eventualmente mais alta do que os 2% padrão para poder manter os juros baixos por mais tempo. É justamente o oposto do que se costumava esperar dos bancos centrais, que têm a função de monitorar a inflação.
Inflação fora da meta
Ainda assim, um combo de inflação subindo, com crescimento econômico acima do esperado, turbinados por uma montanha de trilhões de dólares que o governo norte-americano não para de jogar em incentivos sobre a economia não demorou para acender os alertas. Para este ano, por exemplo, já é consenso que inflação dos EUA deve passar com folga dos 2% de referência e ficar acima dos 3%.
O receio é que a economia americana superaqueça demais e desande para um cenário de inflação fora do controle que poderia trazer lembranças dos anos de “estagflação” que o país viveu na década de 1970.
Fuga de investimentos de risco
Juros mais altos melhoram os rendimentos de títulos e outros investimentos em renda fixa e tendem a tirar o dinheiro de investimentos na economia real e de ativos de mais risco, como a bolsa de valores.
Caso a subida de juros seja em uma economia do tamanho dos EUA, e em dólar, a bagunça toma proporções globais. Capitais do mundo todo começam a abandonar as ações e a ir embora de países emergentes para voltar para o porto seguro dos títulos do Tesouro americanos, os mais fortes e mais seguros do mundo.
Em um país como o Brasil, as consequências seriam coisas como ondas de baixa no Ibovespa, dólar em alta e a pressão para que o nosso Banco Central também suba os juros locais, para não descolar demais do país-líder.
Aumento de preços temporário
Ainda assim, muitos bancos e consultorias tentam conter os ânimos dos mercados e ainda apostam que os juros americanos devem ficar no 0% por um bom tempo – o acordo tácito entre mercado e Fed é de que a taxa não sobe antes de 2023.
“A sinalização de um aumento de juros em 2023 não deverá causar sobressaltos”, escreveu a LCA Consultores em relatório, mencionando as possíveis revisões para cima de inflação e PIB que o Fed deve incluir em seu relatório desta quarta.
“Os mercados já precificam o início de um ciclo de ajuste monetário nos EUA para esse horizonte. Haveria impacto sobre os mercados se as projeções dos diretores do Fed passasse a incorporar um aumento de juros já em 2022, mas isso parece bastante improvável.”
Por trás da segurança de juros baixos por mais tempo, está o diagnóstico dentro e fora do banco central de que as pressões inflacionárias a que o pais está assistindo são passageiras.
“A inflação tem que ser persistente, e os resultados têm algumas características que mostram que ela está localizada em alguns itens específicos”, disse o sócio e economista da Kairós Capital, Marco Maciel, mencionando a quebra de oferta que indústrias como a automobilística estão tendo na pandemia por conta de produtos que pararam de chegar.
Injeção de bilhões de dólares
Maciel lembra que, antes de partir para a subida de juros, o Fed ainda tem pela frente seu bilionário programa de compra títulos (o chamado “quantitative easing”), que deve começar a ser revisto primeiro, provavelmente na segunda metade deste ano.
Também parte dos pacotes agressivos feitos no ano passado para combater a crise da pandemia, o Fed passou a injetar US$ 120 bilhões todos os meses em compras de ativos do mercado financeiro, medida repetida da crise de 2008 que visa injetar dinheiro extra para que os mercados não parem de girar.
“Antes de mexer nos juros, o Fed vai reduzir gradativamente essa compra de ativos, mas a mudança nos juros ainda vai demorar”, disse Maciel. “Começar a reduzir esse balanço [com menos compras de ativos] já faz com que tenha menos moeda no sistema, mas o potencial de estragar as bolsas é pequeno. Elas só não vão ter mais os impulsos superexpansionistas que tiveram no ano passado.”