PIB derrapa, mas não é terra arrasada, dizem economistas
Já o governo mostrou satisfação com o resultado e afirmou que a recuperação será em V, dispensando a manutenção do auxílio emergencial
O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil avançou 7,7% no terceiro trimestre de 2020 em relação ao trimestre anterior, divulgou nesta quinta-feira (3) o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com o resultado, o país sai da recessão técnica após dois recuos nos trimestres anteriores.
Na comparação com o mesmo período de 2019, porém, há queda de 3,9%. Em números brutos, o PIB somou R$ 1,891 trilhão entre julho e setembro. No segundo trimestre, o Produto Interno Bruto foi de R$ 1,653 trilhão.
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Em nota enviada por Adolfo Sachsida, secretário de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia, o governo mostrou satisfação com o resultado e afirmou que a recuperação será em V, dispensando a manutenção do auxílio emergencial.
“A forte recuperação da atividade, do emprego formal e do crédito neste semestre pavimentam o caminho para que a economia brasileira continue avançando no primeiro semestre de 2021 sem a necessidade de auxílios governamentais”, diz.
Apesar da confiança interna, economistas ouvidos pelo CNN Brasil Business esperavam mais da recuperação. Um exemplo disso é a mediana das projeções para o resultado do terceiro trimestre, que era de 9%. Confira abaixo algumas análises:
Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco
Eu diria que não foi frustrante o resultado, por um conjunto de razões. Primeiro porque os aspectos mais ligados à retomada da economia, em particular a indústria, que pôde se reabrir, já voltou quase ao nível pré-pandemia.
Além disso, quando olhamos para dados que vão além para o PIB do terceiro trimestre, por exemplo, o emprego formal de outubro, dados de estoques reduzidos nas fábricas e no comércio, a perspectiva segue sendo de aceleração do PIB nos próximos meses.
E claro, o PIB foi menor do que imaginávamos, mas acho que a frustração se daria se estivéssemos perdendo tração. E não foi isso que aconteceu. É uma economia que está se recuperando, ainda que numa velocidade menor do que o esperado.
Felipe Salto, economista e diretor-executivo da IFI Brasil
O resultado é positivo, mas um pouco inferior ao desempenho indicado pelo IBC-Br. A recuperação está ocorrendo, mas a trajetória será gradual.
A indústria se destaca na evolução do terceiro trimestre em relação ao imediatamente anterior, crescendo acima de 14% e serviços acima de 6%. É preciso ter claro que a base de comparação deprimida explica as altas taxas.
De todo modo, estes dados combinados com os da avaliação, mês a mês, dos indicadores de atividade, indicam uma recuperação incipiente, mas presente. Os riscos concentram-se na própria Covid-19, no avanço das vacinas e nos riscos de uma segunda onda.
Estruturalmente, a perspectiva de baixo crescimento para os próximos anos deve-se à ausência de medidas que elevem a produtividade da economia nacional.
Do lado da demanda, o crescimento dos investimentos e do consumo, na margem, é também positivo. O consumo é influenciado pelo auxílio emergencial, de fato, o que evidencia sua importância para um grupo de pessoas com propensão marginal a consumir elevada.
É importante ter claro que o desempenho do PIB do terceiro trimestre em reação ao mesmo trimestre do ano anterior é negativo, mostrando que estamos longe de recuperar o nível pré-crise. Na verdade, isso só tende a acontecer nos idos de 2022. Não há recuperação em V.
Álvaro Frasson e Luiza Paparounis, economistas do banco BTG Pactual Digital
O resultado veio bem abaixo do que era esperado por nós (9,1%) e pelo consenso do mercado (8,7%). Na variação anual, a queda foi de (3,9% ao ano), também pior do que a esperado por nós (-3,1% ao ano) e pelo consenso de mercado (-3,5% ao ano).
Do lado da oferta, com destaque para a aceleração intensa da indústria (14,8%) e do setor de serviços (6,3%). A surpresa negativa em relação a nossa expectativa veio da contribuição ruim da agropecuária (-0,5%). Na indústria destaque para indústria da transformação (23,7%) e construção (5,6%). Em serviços, comércio (15,9%) e transporte e correio (12,5%).
Do lado da demanda, houve aceleração abaixo das expectativas do consumo das famílias (7,6%), e da formação bruta de capital fixo (11,0%t. Consumo do governo avançou (3,5%). Outra surpresa vem do resultado ruim das exportações, recuando (2,1%), enquanto importações caíram 9,6%.
Portanto, o resultado teve aspectos positivos como a acentuada retomada do setor de serviços, principal prejudicado no segundo tri, mas a lenta retomada da indústria e desempenho ruim em agro surpreenderam negativamente.
Para o quarto trimestre, uma demanda global mais aquecida deve fornecer estes setores com pior desempenho no terceiro tri.
André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos
Falar que uma alta de 7,7% na margem é decepcionante só deixa evidente o momento excepcional que vive a atividade econômica do país durante esta pandemia. De fato a perspectiva era de uma alta maior, a mediana do mercado era de 8,7% e nossas estimativas eram ainda mais otimistas, em 11,2%.
Houve três grandes decepções numa leitura preliminar. A primeira foi a queda na exportações que assumimos que viria em alta no trimestre. A segunda foram os dados da Formação Bruta de Capital Fixo que subiram 11,02%, mas temos que lembrar que o tombo no segundo tri havia sido de 16,47%. No entanto, a surpresa realmente negativa veio com o Consumo das Famílias que subiu 7,64% quando estimávamos uma alta em pelo menos 10%.
Esta diferença no Consumo das Famílias pode ser resultado do “fade out” dos programas de auxílio e um impacto mais forte que inicialmente pensado do aumento de poupança precaucional. Sabemos bem que os dados das pesquisas de Desemprego do IBGE estão subestimados e que cerca de 25% da população está sem emprego. Isto pode explicar o arrefecimento do Consumo das Famílias.
Temos assim uma situação de piora das projeções. Como estamos falando há algum tempo estamos vivendo os efeitos da recuperação em “raiz quadrada”, ou seja, após uma forte alta em relação ao fundo temos estabilidade na esteira da falta de estímulos adicionais. Ontem mesmo nos dados da indústria isto ficou mais uma vez evidente; após subir quase 10% em junho a aceleração veio caindo e em outubro subiu pouco mais de 1%.
Isto se repete em todos os dados seja de Serviços ou Varejo e aponta que teremos um quarto tri de 2020 em 0% ou mesmo levemente negativo. Se confirmado este cenário devemos ter o PIB deste ano ficando em -5% e atrapalhando o carrego estatístico do ano que vem.
Atividade fraca deve incentivar a leitura de juros baixos por mais tempo e apesar da economia não ir tão bem quanto esperado juros em queda podem retroalimentar bolsa em alta via fluxo de caixa descontado. A despeito desta perspectiva mais baixista de juros mantemos nossa projeção de alta de SELIC já no 1T de 2021 levando a taxa básica para 4% ao fim do ano que vem.
Stefany Oliveira, analista de investimento e economia da Toro Investimentos
O salto de 7,7% apresenta o maior registro desde 1996. É um marco importante para o mercado, que confirma a saída do Brasil da recessão técnica, mas acontece mais pelo tombo do segundo trimestre.
Olhando para o PIB anual, apresentamos uma queda. Mas um fator em alta foi o IBC-Br, que estava indicando dados acima da expectativa. Mesmo assim, esse PIB não decepcionou o mercado e vemos um movimento comprador.
O destaque, sem sombra de dúvida, foi a indústria de transformação. As famílias também estão voltando a consumir, alta de 7,6% mostra isso. Um setor que não demonstrou um avanço tão significativo foi o de serviços e isso aconteceu apesar das reaberturas.
Só não vemos um cenário de alta mais forte porque o mercado aguarda as notícias da vacina e da política fiscal.
José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos
O PIB veio um pouco abaixo do que projetávamos e, apesar disso, é um resultado razoável. Mostra a economia brasileira voltando de forma bastante forte. Nossa projeção era de alta de 8% (na comparação com o trimestre anterior).
Há também muitos destaques positivos, caso da indústria de transformação, que cresceu 23,7%, e do comércio, que cresceu 15,9%.
Os serviços, que cresceram 6,3%, vieram um pouco pior, mas era também de se esperar, porque são os que mais sofrem com o isolamento social. A expectativa é que já estejam mais fortes no quarto trimestre.
José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator
O resultado veio um pouquinho baixo, mas nada que mude as avaliações gerais. O país voltou a relaxar bastante o distanciamento social ao longo desse trimestre, o que termina fazendo o efeito inverso de quando o distanciamento começou, ao longo do 2º trimestre principalmente.
É importante, porém, estar atento ao comportamento da renda das famílias. Se é verdade que as pessoas voltaram a sair de casa, a trabalhar e a consumir, é também verdade que 15 milhões delas perderam seu emprego no segundo trimestre e ainda não estão com uma nova ocupação.
Ou seja, são pessoas que só continuaram consumindo por conta das transferências de renda do auxílio emergencial. Com o fim do auxílio (previsto para dezembro deste ano), se esses 15 milhões não voltarem a ter renda do trabalho, o consumo não vai ter como continuar nesse ritmo.
Por isso a grande questão é daqui para frente. Nossa projeção para o PIB de 2021 é de uma alta de 2,2%, com um primeiro trimestre muito complicado, por conta dessa saída das transferências de renda.
*Sob supervisão de Matheus Prado
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