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    Para fugir das taxas do iFood e Rappi, restaurantes investem no próprio delivery

    Enquanto apps lidam com a insatisfação dos entregadores, restaurantes que fazem as próprias entregas conseguem lucrar mais e remunerar melhor os motoboys

    Restaurante Estela Passoni: mesmo antes da pandemia, 50% do faturamento do restaurante vinha do delivery
    Restaurante Estela Passoni: mesmo antes da pandemia, 50% do faturamento do restaurante vinha do delivery Foto: Bruno Geraldi

    Leonardo Guimarães, do CNN Brasil Business, em São Paulo

    Os aplicativos de entrega estão por toda parte nas grandes cidades brasileiras. Rappi, Uber Eats e iFood, por exemplo, têm suas marcas estampadas nas costas de motoboys de todo o país. A popularização desses aplicativos foi rápida e ganhou ainda mais tração no período mais rígido de isolamento social, entre março e junho. Mas essa não é a única opção para fazer os pedidos chegarem na casa dos consumidores.

    O delivery existia antes desses grandes marketplaces, com os restaurantes – especialmente as pizzarias – contratando motoboys e traçando para eles as rotas de entrega mais eficientes. Porém, os aplicativos fizeram esse mercado explodir no Brasil.

    No ano passado, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) estimou que o mercado movimentou R$ 15 bilhões em 2019. Sem a pandemia, a expectativa era que a expansão fosse de 20%. Mas a quarentena fará com que o crescimento seja de 30%, a R$ 19 bilhões. 

    Agora, estabelecimentos que optam pela operação “à moda antiga” conseguem cortar custos, ter mais controle sobre a qualidade do delivery e remunerar bem os entregadores. Mas esses benefícios são para os que conseguem lidar com cozinha e a logística ao mesmo tempo.

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    É o que faz o Estela Passioni, que entrega comida saudável, com ingredientes frescos, na região de Pinheiros, em São Paulo. Antes de pensar em deixar a comida em cima do balcão para ser levada por um entregador de aplicativo, Mariana Yoshimoto, sócia do restaurante, decidiu desenvolver um sistema próprio para delivery, com um site “feito em casa”. 

    E deu certo: há três anos operando só com entregadores contratados pelo estabelecimento, ela não pensa em abrir mão do sistema. “Tenho todo o controle da operação, o que me dá uma segurança maior. Isso já fazia sentido antes da pandemia e agora faz ainda mais”, diz Yoshimoto. 

    O Estela Passoni reabriu seu salão no dia 20, mas se viu dependente do delivery já que o movimento na loja física é “quase inexistente”. Antes da pandemia, metade do faturamento já vinha dos pedidos entregues pelos colaboradores da empresa na região de Pinheiros. 

    Além de ter controle sobre todo o processo, da chegada dos pedidos à entrega dos produtos ao cliente, ter os próprios canais para delivery permitiu ao Estela Passoni remunerar melhor seus entregadores. “São os melhores e não me dão dor de cabeça”, diz a sócia do Estela Passoni sobre os 11 entregadores que trabalham para o restaurante. Eles recebem um valor fixo por hora e a remuneração não é impactada pelo número de entregas que fazem.

    Esse modelo de remuneração, que pega por hora trabalhada, também foi adotado pelo Isla Café. O restaurante paga R$ 1.500 por mês aos entregadores por quatro horas de trabalho em quatro dias da semana. Somando auxílio com combustível e alimentação, a empresa gasta R$ 2.000 com cada um dos três motoboys que contratou. 

    A remuneração impacta diretamente na satisfação dos motoboys, que estão em pé de guerra com os aplicativos e recentemente organizaram paralisações, chamadas de Breque dos Apps. Os entregadores pedem taxas maiores pelas viagens, auxílio durante a pandemia, com itens como máscaras e álcool em gel, e o fim do sistema de pontuação, que diminui a nota de quem recusa entregas.

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    Para Marcus Ozi, proprietário do espaço, ter no quadro de funcionários quem faz a entrega mostra compromisso com a valorização dos trabalhadores. “No Isla sempre falamos em fazer parte da mudança e precisamos honrar com nosso palavra. É nosso compromisso combater a cultura de consumo imediatista que adquirimos”, diz o empresário.

    Habilidade em desenvolvimento 

    Operar um sistema próprio de entregas pode ser mais lucrativo para os estabelecimentos. No caso do Isla, Ozi estima, em uma conta aproximada, que consegue investir R$ 10 mil por mês em marketing digital com o que deixa de pagar em taxas para os aplicativos. 

    Priscilla Miguel, coordenadora do Centro de Estudos em Logística e Supply Chain da FGV, explica o que Marcus e Mariana sentem na pele: “com o delivery próprio você não trabalha com comissão tão alta quanto nos aplicativos. Não ter um intermediário reduz o custo da entrega”. No iFood, por exemplo, as empresas pagam uma taxa de 27% sobre o valor de todas os pedidos. 

    Mas, para ver seus custos com delivery reduzidos, os varejistas precisam de quem saiba gerenciar a logística dos pedidos. “Um restaurante que nunca fez sua própria entrega não sabe como calcular frete ou como fazer as entregas sem perder tempo nas viagens”, diz Priscilla Miguel. 

    Na gigante Cacau Show, uma das maiores franquias do Brasil em número de lojas, as entregas no canal próprio da rede são feitas via parcerias com grandes empresas de entrega, como Loggi e Motoboy.com. Um dos desafios da marca foi ensinar seus franqueados a ganhar eficiência nessa operação.

    “Percebemos esse buraco e fizemos um trabalho de desenvolvimento com eles (franqueados) em logística. Esta não é nossa expertise, mas estamos desenvolvendo essa habilidade” afirma Daniel Roque, diretor de Canais e Expansão da Cacau Show.

    Cacau Show delivery motoboy
    Cacau Show: varejista tem parceria com empresas de logística para entregar seus produtos na casa dos clientes
    Foto: Cacau Show/Divulgação

    A varejista famosa por seus chocolates passou aos franqueados uma “trilha de conhecimento” com 13 etapas, que vai do desenvolvimento do delivery ao relacionamento digital com clientes e investimentos em marketing.

    Se sair do core business e gerir as entregas já é um grande desafio por si só, ele ganha dimensão ainda maior quando os restaurantes precisam lidar com clientes impacientes, acostumados a receber seus pedidos com rapidez – e a acompanhar os pedidos pelo mapa do aplicativo.

    “A galera está bem mimada. Me ligam meia hora antes do prazo para perguntar sobre o andamento do pedido”, conta Marcus Ozi.

    No Isla, que usa um cardápio digital que direciona os clientes ao WhatsApp da empresa, os funcionários perguntam logo de cara para os clientes sobre o bairro de destino e, a partir daí, organizam os pedidos na fila da expedição. “Foi um aprendizado e agora estamos acostumados, mas é uma operação difícil, longe de ser simples”, diz Ozi.

    Restaurante Isla Café
    Isla Café: restaurante criou uma logística própria para dar conta da demanda de pedidos
    Foto: Isla Café/Marcus Ozi

    O melhor dos dois mundos

    Além de tirar das mãos do varejista a responsabilidade pela operação logística, os aplicativos também ajudam os estabelecimentos a alcançar clientes sem se preocupar com o marketing. Uma vez dentro das plataformas, os restaurantes têm acesso a uma base de clientes nova e que cresceu muito depois da pandemia com os consumidores em casa.

    Este fator pode ser uma faca de dois gumes, já que os dados dos clientes que compraram daquele restaurante pertencem aos apps, o que deixa a fidelização desses consumidores mais difícil. Por isso, é importante considerar ter um canal próprio e ainda estar presente em marketplaces.

    A Locaweb recomenda essa mescla de canais. A empresa de tecnologia tem uma unidade de negócios dedicada a ajudar empresas que querem fazer as próprias entregas. O Delivery Direto dá ao varejista a chance de ter seu próprio aplicativo de delivery.

    Embora o site da empresa convide os estabelecimentos a receber pelos pedidos “sem pagar comissões para marketplaces”, o CEO do Delivery Direto, Allan Panossian, recomenda o uso dos aplicativos.

    Segundo o executivo, os marketplaces têm um papel importante para os restaurantes, que “não podem se dar o luxo de simplesmente não operar em aplicativos”. iFood e seus concorrentes são uma boa fonte de aquisição de clientes, já que têm uma base enorme e que só vem crescendo. 

    A ideia é simples: usar os marketplaces para chegar àquele cliente e depois atraí-lo para seu canal próprio, onde ele tem vantagens como preços especiais e recompensas por fidelidade. Um jeito de chamar esse cliente ao relacionamento direto é colocar flyers nas embalagens entregues via app divulgando o canal próprio da marca. 

    Priscilla Miguel, da FGV, recomenda o modelo híbrido: “os aplicativos dão acesso a vários novos clientes e esta é uma forma de fidelizá-los e mostrar a eles outras opções”. 

    Além do delivery próprio, que usa o sistema da Locaweb, a Cacau Show tem parceria com o iFood para vender na plataforma. A base de clientes da startup é o grande atrativo para a loja de chocolates. Mais de 1,9 mil unidades da rede têm integração com o iFood.

    “É uma plataforma estável e oferece fácil acesso para ao consumidor”, diz Roque, da Cacau Show, sobre a parceria. O iFood ofereceu à Cacau Show taxas menores, já que mais de duas mil lojas da rede devem se integrar ao marketplace. 

    Voltar ao modelo tradicional é trabalhoso e demanda dos restaurantes esforço em algo que se distancia de sua especialidade. Mas os resultados recompensam o trabalho: margem maior, relacionamento com os clientes e controle de qualidade estão na lista de vantagens do varejista que entrega os pedidos por conta própria.

    E quem quiser ser ainda mais eficiente consegue atrair clientes usando os marketplaces e continuar o relacionamento no canal próprio. 

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