Nova lei cambial permitirá ter contas em dólar no Brasil? Não é bem assim
Reforma da legislação cambial do Brasil foi aprovada na Câmara dos Deputados e segue para votação no Senado
Muita coisa deve mudar para os bancos, as empresas e as pessoas com a aprovação da nova lei cambial (PL 5387/19), que teve a votação concluída na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (10) . O projeto segue agora para o Senado e, depois, para a sanção presidencial, e a expectativa dos parlamentares é que possa entrar em vigor ainda neste ano.
A intenção da proposta, elaborada entre congressistas, Banco Central, Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Receita Federal, bancos, fintechs e empresas, é dar um banho de modernização na legislação difusa e antiga que ainda rege as trocas de moeda no país.
Entre as principais mudanças, está a flexibilização para que empresas menores, como fintechs, possam também fazer operações que envolvam câmbio, como transferências para outros países e emissão de cartões internacionais.
A compra e venda de moeda em pequenos valores, diretamente entre pessoas, também passará a ser aceita no país –hoje, qualquer troca realizada fora dos bancos ou corretoras habilitadas é ilegal.
Outra mudança está nos valores trazidos na carteira que devem ser declarados à Receita Federal na chegada de uma viagem ao exterior. Atualmente, valores superiores a R$ 10 mil em espécie que entram ou saem do país devem ser declarados no aeroporto. Esse teto passará a ser de US$ 10 mil (cerca de R$ 54 mil).
Vou poder ter conta em dólar?
A nova legislação também trouxe uma grande expectativa quanto à possibilidade de pessoas e empresas passarem a poder ter conta em dólar ou em outras moedas dentro do Brasil.
É algo que já acontece em vários países, inclusive emergentes, e que seria uma facilidade para imigrantes e famílias que têm parentes em outros lugares, além de empresas grandes e pequenas que compram e vendem produtos lá fora.
O texto, porém, delega essa decisão para o Banco Central, que precisaria definir, antes, as regras de como as contas internacionais funcionariam. E, procurado, o BC disse ao CNN Brasil Business que a intenção não é permiti-las tão cedo.
Há o receio de que os brasileiros comecem a guardar dinheiro em dólar, abrindo precedentes para criar uma moeda paralela no país, como aconteceu com o dólar na Argentina. Por essa razão, a instituição afirma que essa permissão para as contas em moeda estrangeira no Brasil não está entre as prioridades agora e deverá ser pensada de maneira gradual. (Veja mais abaixo esta e outras mudanças na lei).
Sistema de 1920
Empresas exportadoras e importadoras, incluindo pequenas e médias, além de investidores estrangeiros, também terão processos simplificados, e que devem facilitar suas operações.
Em última instância, as mudanças propostas pela novo marco regulatório do câmbio ajudam não só a entrar mais dólares no país como, também, aumentar a circulação do real lá fora, estimulando sua relevância no mercado internacional.
“O sistema cambial do Brasil é desatualizado e um dos mais burocráticos do mundo; tentamos fazer um projeto que simplifica e desburocratiza”, conta o relator do projeto na Câmara, o deputado Otto Alencar Filho (PSD).
Não há, hoje, explica ele, uma legislação consolidada para o câmbio no país. Ela é um emaranhado de quase 40 leis, em alguns casos, literalmente, centenárias. A primeira sobre o assunto é de 1920.
O projeto já tinha sido aprovado na Câmara dos Deputados no final do ano passado, antes do recesso parlamentar, e havia ficado faltando os destaques, que são pontos do projeto separados pelos deputados para serem apreciados a discutidos à parte.
O CNN Business conversou com o Banco Central e com especialistas para explicar o que muda com a nova lei cambial. Veja a seguir alguns dos principais pontos:
Contas em moeda estrangeira
Hoje, a possibilidade de ter no Brasil contas em outras moedas que não o real é limitada a um grupo restrito de instituições que inclui os bancos, casas de câmbio, emissoras de cartão, embaixadas e um outro punhado de atividades especializadas.
Pessoas físicas e empresas, independentemente do tamanho, não podem fazer depósitos em outras moedas aqui. “É um recurso que vale a pena para o pequeno exportador, o microempresário individual e a pessoa física que faça transações frequentemente com outros países”, disse César Garcia, diretor jurídico do Travelex Bank, banco especializado em câmbio e comércio exterior.
Decidir quem pode e quem não pode, hoje, cabe ao Conselho Monetário Nacional, órgão vinculado ao Ministério da Economia. O que a nova lei faz é transferir esta alçada do CMN para o Banco Central, que já é o grande regulador do mercado financeiro e de fluxos cambiais no país. Procurado, o BC informou que não tem intenção de ampliar as permissões para as contas internacionais em um primeiro momento.
Isso deve ser feito em um prazo mais longo, de maneira gradual, em meio ao receio de que possa abrir precedentes para uma dolarização da economia, como aconteceu com a Argentina, mesmo que em proporções menores. Os primeiros que serão considerados devem ser empresas exportadoras ou importadoras, que têm receitas ou despesas recorrentes em outras moedas.
Venda direta entre pessoas
Embora seja bastante comum de acontecer, as trocas de moeda diretamente entre pessoas é proibida no Brasil para qualquer valor, e por isso estão hoje no chamado mercado paralelo.
São pessoa que, por exemplo, voltam com alguma sobra no bolso depois de uma viagem e a única opção que têm para usar o dinheiro é trocá-lo de volta para real em uma casa autorizada.
A nova legislação passará a aceitar que trocas de até US$ 500 (em qualquer moeda) possam ser feitas informalmente, diretamente entre as pessoas, sem que seja considerado irregular. Não será necessário nenhum registro ou declaração e os valores poderão ser negociados diretamente entre o comprador e o vendedor.
O texto original previa que este limite fosse de US$ 1.000, mas a versão final aprovada na Câmara reduziu o valor.
Novos concorrentes
Outra grande expectativa em relação à nova lei está na flexibilização das exigências para as instituições financeiras de pequeno porte interessadas em comprar e vender câmbio. Isso pode abrir o mercado para uma enorme variedade de novos concorrentes para além dos bancos e das casas de câmbio.
“Uma fintech hoje tem que obrigatoriamente cumprir as mesmas exigências de um banco grande para poder operar câmbio”, disse o deputado Alencar Filho. “Queremos simplificar essas exigências para elas, de uma maneira adequada ao tamanho, para que elas também possam entrar no mercado.”
São instituições de pagamento já habilitadas para outros serviços financeiros junto ao BC, mas não os que envolvem transações com o exterior. PayPal, PagSeguro e Mercado Pago são alguns exemplos. Elas poderão movimentar valores menores, de até US$ 100 mil, contemplando pessoas físicas e também pequenas importações e exportações.
De acordo com o Banco Central, a ideia é que essas empresas possam atuar em serviços digitais com outras moedas, como transferências entre pessoas de países diferentes e emissão de cartões pré-pagos internacionais.
A realização de compra e venda de moeda em espécie, como é feito pelas casas de câmbio, não está entre as prioridades para as fintechs, já que o caminho do dinheiro em papel é menos rastreável e reduz o controle de crimes como evasão e lavagem de dinheiro.
“Hoje há pouco menos de 200 instituições autorizadas no país a operar câmbio”, disse Garcia, da Travelex. “A partir da nova regulamentação, já há 1.600 instituições prontas para também ter essa autorização, entre fintechs e instituições de pagamentos.”
Declaração no aeroporto
Atualmente, todas as pessoas que entram e saem do Brasil portando em dinheiro mais do que o equivalente a R$ 10 mil, em qualquer moeda (incluindo reais), são obrigadas a declarar o valor à Receita Federal.
A lei atualiza esse limite para US$ 10 mil, também em qualquer moeda. É o equivalente, hoje, a R$ 54 mil. A intenção é ajustar a regra à realidade atual, já que ela foi criada ainda no início do Plano Real, de 1994, quando o câmbio era fixo e cada R$ 1 valia sempre US$ 1.
Investidores estrangeiros
A nova lei cambial flexibiliza também as regras para estrangeiros que queiram investir valores pequenos no mercado financeiro brasileiro.
Hoje, independentemente de qual seja o tamanho da aplicação, além de procurar a corretora ou banco em que vai abrir sua conta, o investidor de outro país também tem que fazer um registro no Banco Central, um processo que é custoso para quem quer movimentar pouco, na faixa de R$ 5.000.
Além disso, cada nova atualização, como novos aportes ou alterações nas aplicações, também devem ser registradas e pagas novamente no BC. Para os investimentos de pequenos valores, essas exigências serão retiradas.