Por COVID-19, renegociação de dívidas aumentou em até 25% entre brasileiros
Celular, TV a cabo e cartão de crédito são as principais contas priorizadas por inadimplentes na busca por acordo
Depois que a pandemia do novo coronavírus chegou ao Brasil, obrigando empresas a fecharem as portas e as pessoas a ficarem em casa, o brasileiro ficou mais endividado – conforme dados recentes do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Agora, quem está em débito, busca limpar o nome para garantir o acesso ao crédito.
É o caso da atendente mineira Valéria Almeida, de 32 anos. Com previsão de um corte no salário, ela agora tenta negociar algumas dívidas antigas para evitar a famosa “bola de neve”. Para isso, Valéria baixou o aplicativo do Serasa para acompanhar seus débitos. Foi por lá que recebeu uma proposta de sua antiga operadora de TV a cabo, de 20% de desconto sobre o valor original da dívida.
Só que o acordo, que exige pagamento à vista, não compensa para a atendente. Recebendo salário mínimo, Valéria conseguiria quitar suas dívidas apenas com um parcelamento de médio ou longo prazo, coisa que a operadora não oferece. Há anos, a mineira não utiliza o serviço, mas a dívida segue crescendo.
“Não tenho como pagar à vista, porque só essa dívida já representa metade do valor líquido do meu salário. Então, ou eu como ou eu pago a conta. Eu nunca tive noção de educação financeira, não tinha isso em casa. Agora, aos poucos, estou tentando limpar meu nome”, diz Valéria. Assim como ela, muitos outros brasileiros têm dívidas exatamente assim.
Uma pesquisa da Negocia Fácil – empresa especializada em tecnologia e serviços de crédito e cobrança que atende clientes como NET, Claro e Banco Pan – mostra que o caso de Valéria, infelizmente, tem se tornado cada vez mais comum entre os brasileiros. Isso porque entre as principais dívidas que os inadimplentes procuram negociar, estão as contas de celular, TV a cabo e cartões de crédito.
De acordo com os dados do levantamento, que leva em consideração uma base da empresa, com mais de um milhão de CPFs, além de estatísticas de negociadoras concorrentes, a procura por negociação na segunda semana de abril cresceu até 25%, quando comparada à semana de 15 de março, antes do início da quarentena.
No caso das companhias de telecomunicação, que conseguiram fechar negócio em 9% das vezes, a busca por negociação foi a que mais cresceu, com 25% de aumento. Já entre as empresas que fornecem serviço de televisão por satélite, a busca por um acordo aumentou em 23% e foi assinada em 38% dos casos. Outro serviço muito procurado foi o do setor de cartões de crédito, com um aumento de apenas 9% nas negociações mas efetividade de 38% no fechamento de acordos.
Para o head de Negócios Digitais da Negocia Fácil, José Moniz, o motivo para o aumento da procura é simplesmente a necessidade. Isolado em casa, o brasileiro precisa se comunicar, através do celular, se informar, através da televisão, e pagar as contas, como de costume, com cartão de crédito, segundo a opinião do especialista.
Entre as clientes da negociadora, a média dos descontos oferecidos fica na casa dos 30% e 40%, porção que tem se mostrado eficaz para fechar o negócio. Mas em alguns casos, como o da Credz, administradora de cartões de crédito e uma das clientes da Negocia Fácil, os descontos chegam a 90% no valor original da dívida.
Segundo Moniz, mesmo quando o desconto não chega a ser grande, o acordo é interessante para o consumidor, que se mantem elegível para conseguir mais crédito, nos próximos meses, que, segundo ele, “não vão ser nada fáceis”. Para as empresas, a maior vantagem é recuperar o cliente e trabalhar o marketing, já que, em termos financeiros, a negociação serve apenas para reduzir o prejuízo.
“Alguns ativos intangíveis são criados com essas renegociações. O primeiro é a manutenção de share (participação de mercado), porque a empresa cria um vínculo emocional com o consumidor, que dificilmente vai ser rompido. Além disso, é simpático do ponto de vista de relações humanas, constrói a narrativa da marca”, diz.
Não precisa ter vergonha
Um facilitador de todo esse processo, de acordo com Moniz, são as plataformas digitais. Para ele, empresas que adiantaram o processo de presença e relacionamento online com o cliente, ganham vantagem num momento como este. “O telemarketing está diminuindo, estamos vendo um crescimento no volume de negociações nos canais digitais, porque o consumidor tem demonstrado preferência pelo auto atendimento.”
Dados de uma pesquisa do Instituto Locomotiva, realizada a pedido da negociadora, constataram que 73% das pessoas deixam de atender telefonemas de números desconhecidos após contrair uma dívida. O relatório também demonstrou que 51% dos endividados preferem negociar suas dívidas pelo computador.
Isso acontece porque, ainda de acordo com o estudo, a dívida tem sérios efeitos psicológicos e na autoestima do consumidor. Entre os entrevistados, 87% chegaram afirmar que a dívida afeta seu sono e 72% que atrapalha, inclusive, sua vida amorosa. Mas, segundo o que defende Moniz, agora não é mais preciso sentir vergonha ao negociar um débito.
Mas como eu faço, então?
O diretor de negócios digitais da Negocia Fácil, ressalta que os processos de negociação ficaram muito mais fáceis ao longo do tempo. “Hoje em dia, não precisa nem falar com ninguém. Basta acessar o portal de renegociação das empresas. Muitas vezes, quem está do outro lado, não é um ser humano, mas sim um software. Você vai ser bem tratado e conhecer suas oportunidades”, afirma Moniz.
Além do próprio site das empresas, também é possível negociar através de sites e aplicativos de bureaus de crédito, como SPC e Serasa. Atualmente, entretanto, a plataforma do SPC não está realizando negociações. Por meio do portal Serasa Limpa Nome, o consumidor pode checar a situação do seu CPF, conhecer o valor atualizado de suas dívidas e receber propostas de descontos das empresas credoras.
Basta realizar um cadastro no site, conferir o score do CPF, que é uma pontuação com base na situação de crédito de cada consumidor e conferir se há alguma dívida. Depois, a plataforma oferece um passo a passo para realizar a negociação, emitir um boleto com o novo valor da dívida e quitá-lo em qualquer agência bancária. O mesmo processo pode ser realizado pelo aplicativo do Serasa.
Outra oportunidade para negociar são os feirões realizados pelo bureau, no qual as empresas oferecem descontos de até 90% nos débitos. Geralmente, o plantão acontece duas vezes por ano, em março e novembro, mas por conta da pandemia, o Serasa ainda não confimrou se o próximo feirão acontece na data de sempre. O melhor a fazer é ficar de olho no site.
Não é só você
De acordo com o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), o número de inadimplentes do Brasil já ultrapassava os 61,8 milhões no início do ano – número que equivale a mais de 39% da população adulta. Em março de 2020, o dado cresceu 2% em relação ao mesmo mês do ano passado.
Já em comparação com fevereiro, quando as medidas de isolamento social em combate ao coronavírus ainda não haviam sido aplicadas no Brasil, o número de inadimplentes saltou 1,95%, atingindo a maior variação mensal para o período em toda a série histórica.
Entre os principais setores para os quais os brasileiros devem, se destacam as contas da casa, como água e luz, que apresentam um crescimento de 15% na inadimplência. Outro dado que chama atenção é o endividamento com telecomunicações, que subiu mais de 10% depois do início da crise econômica.
Números ainda mais recentes da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) confirmam que o brasileiro está mesmo no aperto. A última Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC) aponta que o percentual de famílias que apresentam dívidas em cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, empréstimos e seguros alcançou a marca dos 66,6% em abril.