Ouro e mais dólar: as apostas dos gestores de fundos multimercados para a crise
Casas também optaram por mais hedge e aumentaram exposição a ativos no exterior. Produto que mescla renda fixa e variável ganhou adeptos nos últimos anos
A volatilidade trazida pelo coronavírus levou gestores de fundos multimercados a mudarem suas estratégias. Casas consultadas pelo CNN Brasil Business reforçaram mecanismos de proteção do portfólio, ampliando a exposição a ativos seguros como dólar e ouro, e também apostaram mais em ações de boas pagadoras de dividendos e ativos no exterior, por exemplo.
Com a queda significativa dos juros nos últimos anos, que derrubou a rentabilidade das aplicações com ganhos garantidos, cresceu a procura dos investidores por esse produto, que mescla elementos da renda fixa e da renda variável.
Os multimercados são fundos em que os gestores têm liberdade para aplicar em diversos tipos de ativos, desde títulos do Tesouro até ações, derivativos, commodities e moedas. Eles podem apostar tanto na alta (operar comprado, no jargão do mercado) quanto na baixa (operar vendido) desses ativos.
A quantidade de contas nesses fundos aumentou mais de cinco vezes do fim de 2016, quando o Banco Central começou a reduzir a Selic, até o fim do ano passado, passando de 496,4 mil para 2,58 milhões. O número não parou de aumentar até a chegada da crise do coronavírus: atingiu 2,94 milhões em fevereiro, mas caiu para 2,84 milhões em março deste ano, segundo os dados mais recentes da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
O patrimônio líquido, ou seja, a quantidade de dinheiro investida neles, passou pelo mesmo movimento. Os valores passaram de R$ 670 milhões ao fim de 2016 para R$ 1,18 bilhão ao fim do ano passado. Em fevereiro de 2020, os recursos chegaram a R$ 1,25 bilhão, mas caíram para R$ 1,19 bilhão em março e, depois, para R$ 1,18 bilhão em abril.
Os multimercados têm diferentes categorias, definidas em regulamento, e consequentemente, diferentes volatilidades. Em geral, são considerados mais arriscados do que os fundos de renda fixa e menos arrojados do que os fundos de ações.
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Portfólios defensivos ganham vez
Damont Carvalho, gestor de fundos macro da Claritas, destaca que o segredo para um multimercado passar rentável pelas crises é ter sempre um portfólio equilibrado com hedges (proteções). Ele administra cerca de R$ 4 bilhões dos R$ 9 bilhões aplicados na gestora.
“Hedge é como um seguro. Compramos para não usar, mas quando precisamos, ficamos felizes em ter”, diz. Para ele, em momentos de incerteza e sobe e desce nos mercados, como agora, a comunicação clara e direta sobre as perdas e estratégias é a maior aliada dos gestores.
“Quando há muita volatilidade, o que o cliente quer é a verdade. Não existe gestor que acerta todos os dias, mas existe aquele que é mais parceiro do investidor”, afirma.
Do outro lado, Carvalho defende que quem aplica precisa ter visão de longo prazo. “Quando investimos em uma gestora é como se fosse um casamento: não pode se separar em qualquer crise”, afirma.
Ele conta que desde que a crise começou a se desenhar, preparou seu portfólio para um cenário de baixo crescimento global. Apostou, por exemplo, na compra de dólar contra moedas de países emergentes e fez posições vendidas em taxas de juros não só do Brasil, mas do mundo todo, esperando cortes.
“Comecei a comprar ações defensivas, como de empresas que se beneficiam de juros menores e que são boas pagadoras de dividendos. Com as taxas de juros mais baixas, os dividendos ficam cada vez mais importantes na carteira”, afirma. Dentre esses papéis, cita os de companhias do setor elétrico e de saneamento.
Fez também opções de venda para quedas de 5% a 10% no preço de algumas ações. “Consegui ganhar bastante dinheiro nos juros, moedas e proteção de bolsa”, afirma.
Na casa, o multimercado Claritas Institucional, que é de baixa volatilidade, acumula retorno de 7,09% nos últimos 12 meses até 18 de maio, ou 136% do CDI. No ano, a rentabilidade é de 2,44% (170% do CDI) e, em abril, foi de 0,64% (226% do CDI). O fundo tem patrimônio de cerca de R$ 1 bilhão.
Já o Total Return, fundo de alta volatilidade da corretora, acumula rentabilidade de 19,6% (377% do CDI) nos últimos 12 meses, e de 5,71% no ano (398% do CDI). Em abril, foi de 2,45% (860% do CDI). O fundo tem patrimônio de cerca de R$ 200 milhões.
Outro a preparar uma carteira defensiva para atravessar a crise do coronavírus, Carlos Menezes, sócio da Gauss Capital, diz que migrou “boa parte das apostas” do fundo Gauss Master Multimercados, um dos carros-chefes da casa, para o cenário externo e reduziu a exposição local.
O Gauss Master Multimercado tem um patrimônio de cerca de R$ 450 milhões e acumula rentabilidade de 12,05% nos últimos 12 meses até 18 de maio, o equivalente a 230% do CDI. Em 2020, o retorno está em 1,57% (569% do CDI) e, no mês passado, ficou em 7,53% (2.640% do CDI).
Patrick O’Grady, CEO da gestora digital Vitreo, conta que, desde o início da turbulência, o time da empresa intensificou as proteções da carteira por meio do aumento da exposição a dólar e ouro, além de um hedge em Ibovespa futuro.
“Fizemos também algumas alterações no book de ações, privilegiando empresas de elevada qualidade, com posição financeira sólida”, conta. A gestora aplicou ainda 1% do portfólio em criptomoedas, a fim de diversificação.
Um dos fundos multimercado da gestora, o Carteira Universa tem patrimônio líquido de cerca de R$ 1,2 bilhão. Ele acumula um retorno de 0,77% desde que foi lançado, em junho do ano passado, até a última sexta-feira (15). É o equivalente a -0,77% do CDI para o período. Neste ano, a rentabilidade é de -12,82% (-897% do CDI). Em abril, o fundo rendeu 5,86% (2.056% do CDI).
O que analisar antes de investir
Antes de investir em um fundo multimercado é preciso avaliar uma série de variáveis. Esses fundos têm taxa de administração e os rendimentos sofrem desconto do Imposto de Renda no momento do resgate. Além disso, eles também estão sob o sistema de “come-cotas”, que é uma antecipação do recolhimento do imposto de renda: semestralmente, o valor da cota do investidor é reduzido entre 20% a 15% (dependendo do prazo do investimento).
A planejadora financeira e professora da Fundação Getulio Vargas Myrian Lund lembra que é um produto que não garante ganhos. É válido para diversificar o portfólio, mas não deve concentrar a maior parte do dinheiro do investidor.
“A carteira deles normalmente é de renda fixa, com alavancagem em derivativos, que são mercados de alto risco. Quando você aplica nesses fundos, assina um termo assumindo que pode perder todo o patrimônio e ainda ter de entrar com mais dinheiro. Isso não tem acontecido porque os gestores limitam o índice de perdas, mas é um risco”, afirma.
Para ela, o recomendável é não colocar mais do que 30% dos recursos nos multimercados. E ficar de olho na rentabilidade.
“Eu diria, pelo risco que oferecem, que é preciso buscar um retorno de ao menos 200% do CDI. Senão, é preferível aplicar em renda fixa, como no Tesouro IPCA+ ou em debêntures incentivadas que pagam até 130% do CDI isento de IR.”
Para decidir se deve ou não apostar em um determinado fundo, Myrian recomenda pedir um relatório mensal da rentabilidade e comparar se o produto está ou não se distanciado do CDI, além de estudar a história do gestor.
“Rentabilidade passada não garante futuro, mas é um norte.”
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