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    Lives musicais são ‘caminho sem volta’ na relação entre marcas e consumidores

    Pesquisa exclusiva da MindMiners mostra que mais de 70% dos consumidores querem a continuidade de transmissões ao vivo e admiram empresas apoiadoras

    Luís Lima, , do CNN Brasil Business, em São Paulo

    De chinelo Havaianas slim glitter e vestido preto de malha da Riachuelo, a rainha da sofrência, Marília Mendonça, “quebrou a internet” na semana passada ao protagonizar a maior transmissão ao vivo, ou live, da história, com 3,3 milhões de usuários simultâneos, ou quase 54 milhões visualizações até a manhã desta sexta-feira (17). Direto de sua casa, em Goiânia, a cantora de 24 anos entoou suas músicas de sucesso por 3h30, acompanhada por um ítem de decoração, no mínimo, inusitado: três máquinas de pagamentos da Stone, verdes, cor que deu o tom à sala improvisada de palco.

    Os resultados não foram favoráveis apenas à popularidade da cantora: as empresas que apoiram o show virtual tiveram bons motivos para comemorar. Para a Stone, principal apoiadora da live, cada centavo investido valeu a pena. Isso porque, durante a transmissão da live, a companhia deixou ativo um QR Code que direcionava ao seu site principal. Como retorno, a empresa teve 200 mil acessos em seu site.

    Já o estoque do vestido preto que a cantora usava esgotou em todas as lojas da Riachuelo, antes mesmo de a live a acabar. No caso da Havaianas, a empresa não abriu o quanto a ação repercutiu em seu número de vendas – só afirmou que teve aumento após um tuíte da artista promovendo o produto, que somou 18 mil curtidas.

    Caminho sem volta

    Este formato de entretenimento, que ganhou destaque com a quarentena imposta pela pandemia de coronavírus, é um “caminho sem volta”, definem executivos de empresas patrocinadoras e especialistas em mídia e marketing. A depender do público, a tendência também é de continuidade, segundo uma pesquisa exclusiva da MindMiners, empresa de tecnologia especializada em pesquisa digital, feita a pedido do CNN Brasil Business. Segundo o levantamento, 76% dos participantes querem a continuidade das lives, mesmo após o fim da pandemia.

    O formato de anúncio em transmissões ao vivo é bem visto pela audiência: quase 85% dizem admirar companhias apoiadoras, e mais de 67% declararam que este tipo de publicidade aumenta a sensação de proximidade com as marcas, ainda de acordo com a pesquisa. O levantamento foi realizado com 500 pessoas, de todas as regiões do país e classes sociais distintas, nos últimos dias 13 e 14 de abril.

    O caso da Riachuelo reflete bem esse sentimento: a rede de varejo registrou, entre 4 e 12 de abril, semana da live da Marília Mendonça, um aumento de 124% nas vendas do e-commerce, além de um crescimento de 56% no tráfego do site, na comparação com o mesmo intervalo de dias do ano anterior. Já o aplicativo da loja contabilizou 50 mil downloads – na mesma base de comparação.

    O comércio online tem sido um importante aliado das empresas em tempos de quarentena. A última estimativa da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm) é de que o e-commerce nacional fature R$ 106 bilhões este ano, alta de 18% sobre 2019. No caso do Carrefour Brasil, por exemplo, as vendas online mais que triplicaram no último mês como resultado das medidas de isolamento social.

    “Todo artista tem de ir aonde o povo está”, diz o CEO da Interbrand, Beto Almeida, ao parafrasear uma frase do cantor Milton Nascimento, da canção Nos bailes da vida. “Essa afirmação também vale para as marcas”, acrescenta. Segundo ele, as lives são mais uma fatia no “bolo de oportunidades” de ativação e podem ser “espetaculares” para construir relevância entre o público. “Essas ações devem estar conectadas aos objetivos de construção de marca, com a mensagem e propósito levados ao público, para gerar empatia.”

    No topo da lista de marcas mais lembradas, ainda segundo a pesquisa da MindMiners, estão Brahma e Bohemia, da Ambev, que patrocinaram grandes lives recentes, como a da dupla Jorge e Mateus, que alcançou mais de 3 milhões de espectadores simultâneos, e a do cantor Gusttavo Lima, com 2,6 milhões de acessos.

    Assim como as outras anunciantes, a empresa não abre número do investimento realizado, por se tratar de um dado confidencial, e reforça que é difícil a comparação com anúncios em mídias tradicionais, por se tratarem de formatos muitos diferentes.

    Mesmo assim, a Ambev admite que seguirá apostando neste mercado, mesmo depois do fim da quarentena. “Shows online e offline vão coexistir mais intensamente”, avalia Ricardo Dias, vice-presidente de marketing da companhia. “São novos hábitos que foram adotados pelos consumidores e não tem mais como voltar atrás”, acrescenta.

    Empresas que posicionaram de forma mais alinhada às diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), e apoiaram o isolamento social, tiveram melhor performance em outro levantamento, da Refinaria dos Dados, que avaliou 103 companhias, entre 19 de março e 4 de abril, em postagens nas redes sociais com um alcance de 110 milhões de usuários. As duas melhores colocadas no ranking são Magazine Luiza e Ambev, ambas também empresas patrocinadoras de lives.

    “Magalu veio a público dizer que não demitiria. A Ambev anunciou que faria um hospital e bancou a primeira grande live (do Gusttavo Lima), viabilizando os shows que tinham parado por causa da pandemia”, cita Rafael Zenorini, CEO da Refinaria de Dados. No outro extremo, com mais menções negativas, está a Havan, fundada por Luciano Hang, um dos principais apoiadores de uma redução do confinamento.

    O formato “watch party” entrou no radar da própria OMS, parceira do festival One World: together at home, neste sábado (18), às 15h, que contará com nomes como Lady Gaga, Paul McCartney e Elton John — todos se apresentando de suas próprias casas. O objetivo de Gaga, curadora do evento, é o de arrecadar fundos para ajudar a profissionais que estão na linha de frente no combate à COVID-19. Na coletiva de imprensa de lançamento do evento, na semana passada, a artista disse que indústria de entretenimento já havia levantado cerca de US$ 35 milhões em sete dias para o fundo de solidariedade da OMS.

    Estratégias

    Todo esse impacto positivo no consumidor acendeu uma luz no setor de marketing das companhias: as redes sociais e as transmissões ao vivo trazem uma possibilidade nova de engajamento no consumidor, assim como o alcance de novos públicos. Além disso, tem se tornado um caminho alternativo de vendas e, de certa maneira, contorno da crise que a pandemia tem causado a inúmeros setores da economia.

    No caso da Alpargatas, dona da Havaianas, a empresa aproveitou o momento para se aproximar dos mais jovens e da geração Z, considerada a geração mais conectada. “Quisemos estabelecer uma conexão maior com a geração Z, nascida na internet e acostumada a consumir conteúdo por meio de plataformas de streaming”, conta Fernanda Romano, CMO da Alpargatas.

    Já a Seara, que patrocinou a live da dupla Zé Neto e Cristiano, mira um público amplo. “Pesquisas já apontam aumento na audiência na faixa etária de 18 a 25 anos, mas o que mais surpreendeu foi a entrada dos consumidores acima de 45 anos”, afirma José Cirilo, diretor executivo de marketing da marca que pertence à JBS. “É possível usar as plataformas digitais para nos comunicarmos com todas as idades”, defende.

    Ouça: Na Palma da Mari: As lives vieram para ficar? Por que atraem tanta gente?

    Em tempos de pandemia, as companhias também identificam a criação de um valor agregado ao entregar “entretenimento com propósito”, já que os eventos também buscam arrecadar fundos e doações para instituições de saúde e projetos sociais. “Em nossa primeira experiência nessa mídia, na live da dupla Matheus e Kauan, houve uma arrecadação de R$ 70 mil para o projeto ‘Fome de Música’, em quatro horas de transmissão”, exemplifica Cristianne Alves, head de branding do PicPay.

    Sobre a Stone, Alessandra Giner, diretora de marketing, reforça que a opção por Marília Mendonça foi a bandeira da cantora em defesa dos pequenos e médios negócios e consequente relação com o serviço de pagamentos prestado pela marca. “A live foi consequência de um formato que queríamos buscar, que não fosse um anúncio no intervalo de um programa, somado à aderência com a artista”, justifica.

    Fisicamente, admitem os executivos, seria praticamente impossível reunir um público de mais de 3 milhões de pessoas, como acontecem em algumas lives. Este é um ponto positivo e consensual. E ainda que a monetização dessa modalidade esteja dando seus primeiros passos, todos reforçam que é um formato que tende a se profissionalizar. “As lives vieram para ficar. Uma experiência não exclui a outra. E como diz Milton Nascimento, temos que ir aonde o povo está”, reforça Almeida, da Interbrand.

    Riscos

    Ao vivo durante horas, expostos às armadilhas do improviso, em uma narrativa intimista que mescla conteúdo e publicidade (que lembra o branded content), os artistas podem cometer deslizes, que respingam negativamente nas marcas. Nesta semana, o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) abriu uma representação ética contra ações publicitárias da Ambev nas lives do cantor Gustavo Lima, depois de receber denúncias de dezenas de consumidores.

    Gusttavo Lima em live
    Gusttavo Lima ingere bebida alcóolica em live promovida no último dia 12 de abril
    Foto: Dilvugação/Youtube

    A denúncia do Conar menciona a “restrição de acesso ao conteúdo a menores de idade” associada ao “potencial estímulo ao consumo irresponsável” de cerveja. Em sua primeira live, o artista chegou a confundir uma garrafa de cerveja com o microfone.

    Na semana anterior, outra live, da dupla Jorge Mateus, recebeu críticas de internautas e infectologistas, devido ao acúmulo de pessoas na linha de frente da produção, conduta não recomendada pelo Ministério da Saúde em tempos de pandemia. A assessoria da dupla contabilizou 18 pessoas na equipe, com o uso de máscaras, luva e álcool em gel, e sem a existência de “aglomeração”.

    Para Carlos Giusti, sócio da PwC Brasil, esse tipo de contexto pode ser sensível e afetar as marcas. “A conduta, a postura, a atitude dos artistas, dão margem ao debate: que tipo de comportamento se está promovendo, incentivando?”, pontua  “É uma relação que pode ser de perda, e extremamente delicada. O storytelling, muitas vezes vai além da música”, alerta o especialista.

    As empresas estão conscientes dos riscos, mas dizem que não deixariam de anunciar por isso. “É um formato com menos controle sobre o que vai acontecer. Por outro lado é um pouco da vida como ela é: há uma naturalidade de relação e da comunicação”, diz Elio Silva, diretor executivo de marketing da Riachuelo.

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