Leilões privados de energia renovável no Brasil viram tendência no setor
Esses certames, no entanto, tiveram uma diferença fundamental frente ao histórico recente, uma vez que foram agendados por empresas, e não pelo governo federal
Dois leilões para contratar usinas eólicas e solares no Brasil no mês passado geraram disputa entre investidores pelos contratos de longo prazo oferecidos aos vencedores, como costuma acontecer há mais de uma década nas licitações do maior país da América Latina para novos projetos de geração de energia.
Esses certames, no entanto, tiveram uma diferença fundamental frente ao histórico recente, uma vez que foram agendados por empresas, e não pelo governo federal, que desde 2005 tem comandado concorridos pregões para expandir a oferta de energia.
Após os impactos da pandemia de coronavírus sobre a economia global e brasileira, que incluíram forte redução do consumo de eletricidade, o Ministério de Minas e Energia decidiu suspender por tempo indeterminado os leilões para novas usinas deste ano.
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Mas isso não impediu a realização de concorrências por companhias como Copel e Energia Sustentável do Brasil (ESBR)– dona da hidrelétrica de Jirau, controlada pela francesa Engie. Ambas compraram energia em prazos acima de 10 anos para atender interesses próprios, em certames que atraíram grandes grupos.
O leilão da Copel movimentou 595 megawatts (MW), enquanto o da ESBR envolveu 170 MW, ambos com solares e eólicas. Os números parecem modestos frente aos certames para o mercado regulado do governo, que chegaram a movimentar mais de 7 gigawatts (GW) em 2014, mas fazem diferença diante de um cenário de menos oportunidades para investimentos.
“Não houve nenhum outro leilão de longo prazo, então os agentes estavam com projetos ‘estocados’, querendo vender”, disse à Reuters o presidente da unidade de comercialização da Copel, Franklin Miguel, ao destacar que a empresa adquiriu energia a preços competitivos.
A Copel, que já havia feito licitação semelhante no ano passado, tem buscado comprar energia para atender à demanda de seus clientes no mercado livre de eletricidade, onde grandes consumidores como indústrias negociam o suprimento diretamente com geradores e comercializadoras, acrescentou o executivo.
“Temos agora até novembro, dezembro, para confirmar como fica a retomada da economia. Se tudo correr bem, vamos fazer mais um leilão ainda em 2020 e em 2021 vamos fazer também.”
No caso da usina de Jirau, a intenção da contratação de energia foi gerar um “colchão” de reserva contra o chamado “risco hidrológico”, para evitar eventuais perdas em caso de menor geração devido a questões como o nível dos reservatórios.
“Nesse momento, atingimos o objetivo que foi traçado, mas a ideia é que venhamos a fazer outros certames mais adiante”, disse o presidente da ESBR, Edson Silva.
“Não posso revelar os vencedores, mas são basicamente empresas tradicionais, desenvolvedores de projetos que já atuam no mercado”, comentou ele.
O primeiro leilão de uma elétrica nos moldes dos realizados por Copel e ESBR foi lançado pela mineira Cemig em 2018. A companhia contratou então 1,24 gigawatt em capacidade, e depois fez três leilões menores, mas ainda nenhum neste ano.
“Monitoramos a situação do mercado e a expectativa de demanda futura de nossos clientes para poder definir se vamos fazer nova rodada em 2020 ou não, mas ainda não há definição. Está sempre no nosso radar”, disse o superintendente de compra e venda de energia da empresa, Marcos Aurélio Alvarenga.
Os contratos oferecidos pelas elétricas nos leilões variaram de 20 anos nas primeiras rodadas da Cemig a 13 anos no mais recente da Copel, com entrega dos projetos em 2022 e 2023.
“Temos acompanhado o desenvolvimento dos parques e o cronograma está em dia, inclusive a grande maioria dos projetos deve antecipar a entrada em operação”, disse Alvarenga.
As companhias não divulgam detalhes, mas a canadense Canadian Solar já anunciou que viabilizou projetos em licitação da Copel. A Essentia Energia, da gestora Pátria Investimentos, arrematou contratos junto à Cemig, segundo fontes.
Empresas de projetos como a Omega Desenvolvimento, associada à Omega Geração, também têm olhado essas concorrências privadas para tirar do papel suas usinas planejadas, disse em entrevista recente à Reuters o presidente da elétrica, Rogerio Zampronha.
Tendência
Para o consultor João Carlos Mello, da Thymos Energia, a nova modalidade de contratação é “tendência”, mas um mercado para grandes grupos, com capacidade financeira suficiente para que os compromissos de entrega de energia possam ser usados para alavancar empréstimos para investidores em geração.
“Isso já é realidade, não só para eventuais necessidades de reposição, como no caso de Jirau, pelo risco hidrológico, mas também para empresas absorverem energia renovável para concorrer no mercado de varejo, como Cemig e Copel”, afirmou.
“Tem outras empresas olhando, mas evidentemente é algo para quem tem mais pulmão”, afirmou ele, que vê chance “zero” de reagendamento ainda em 2020 de leilões de renováveis do governo.
Neste ano, licitações privadas viabilizaram 765 MW, mais do que os 402 MW do último leilão A-4 do governo, em 2019. Já o volume movimentado desde o primeiro pregão da Cemig em 2018 soma 3,3 GW, na mesma ordem de grandeza dos volumes anuais dos leilões do governo em 2018 e 2019.
E, com proposta do governo em MP de quarta-feira, de encerrar gradualmente alguns subsídios para usinas renováveis, os certames ficam ainda mais atraentes para elétricas, que podem comprar energia com esses incentivos antes que eles acabem.
“Estamos praticamente estocando ativos com esse desconto, os ‘últimos dois moicanos’, porque essa regra vai mudar. Fica mais valioso”, disse Miguel, da Copel.
De acordo com a MP 988, publicada na quarta-feira, descontos em tarifas de transmissão para usinas como eólicas e solares só valeriam para projetos operacionais e outorgados nos próximos 12 meses, sendo depois extintos para novos empreendimentos.
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