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    Índice que reajusta aluguéis sobe o triplo da inflação: dá para negociar?

    Quem tem contrato da casa ou da loja fazendo aniversário pode ter aumento superior a 7%, enquanto inflação oficial está em menos de 2%

    Imóveis em Águas Claras, no Distrito Federal
    Imóveis em Águas Claras, no Distrito Federal Foto: Pedro Ventura/Agência Brasília

    Juliana Elias, do CNN Brasil Business, em São Paulo

    Quem tem contrato de aluguel, seja da casa ou da loja, fazendo aniversário nos próximos meses pode tomar um susto com o reajuste: o IGP-M, índice de preços usado como padrão para a correção anual, está bastante salgado. 

    Nos 12 meses até junho, o IGP-M, calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), acumula alta de 7,3%. O valor é mais que o triplo da inflação oficial do país, o IPCA, que é medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e no mesmo período subiu apenas 1,88%.

    É o terceiro ano seguido que o IGP-M fica acima – e bastante acima – da inflação básica do país. Os dois índices têm metodologias bastante diferentes e é comum que em alguns momentos andem em ritmos próprios – mas não por tanto tempo e nem com tanta distância.

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    Para se ter uma ideia, desde o início de 2018 até aqui, o IGP-M acumula uma alta de 20,5%, enquanto o aumento do IPCA no mesmo período foi de apenas 8,3%. 

    Um dos grandes problemas disso é que, de um lado, é o IGP-M que dita quanto será o reajuste dos alugueis a serem pagos em casas residenciais e em comércios, e, como ele está alto, está puxando esses custos para cima. 

    Na outra ponta, o IPCA está muito mais ligado aos reajustes dados aos salários dos trabalhadores, e está baixo já há algum tempo. Um IPCA muito baixo é também sintoma de economia fraca, típica de cenários de desemprego e de vendas lentas nas fábricas, comércios e serviços, o que também significa receita e renda crescendo menos.

    Um aluguel que, por exemplo, custasse R$ 2.000 no início de 2018, chegaria a junho deste ano reajustado para R$ 2.410, pelo IGPM. Já quem recebesse um salário de R$ 2.000 naquele ano, receberia agora R$ 2.166, considerados os aumentos pelo IPCA.

    Em um momento em que a economia está em colapso por conta da pandemia do coronavírus, com comércios de portas fechadas por meses e milhares de pessoas perdendo seus empregos e sua renda, um novo aumento de mais de 7% no aluguel não vem exatamente em boa hora. 

    “Há um número enorme de acordos acontecendo entre imobiliárias e inquilinos, as pessoas estão conversando como nunca”, diz o advogado especializado em direito imobiliário Jaques Bushatsky, do escritório Bushatsky Advogados. 

    “A grande maioria dos acordos suspendeu o pagamento de ao menos uma parte do aluguel, para ser paga depois, e alguns mais elaborados chegaram até a atrelar a retomada do valor do aluguel ao nível do faturamento do inquilino [no casos de imóveis comerciais].”

    Dá para negociar?

    Bushatsky explica que o reajuste frequente do aluguel é um direito do proprietário previsto na lei que regulamenta as locações. Geralmente a correção anual e o índice que será usado já estão inclusos no contrato – “pode ser qualquer índice”, diz, “mas o IGP-M acabou virando a convenção e é o que a esmagadora maioria usa”.

    Por essa razão, uma vez que esteja no contrato, o proprietário tem o direito de aplicar o reajuste anual e não tem a obrigação nem de rever o aumento, nem de reduzir temporariamente o valor, por conta dos efeitos da pandemia. 

    “Mais do que nunca, o principal atributo nessa situação, hoje, é saber conversar”, disse Bushatsky. “Ligue para o proprietário ou para a imobiliária, que geralmente está mais habilitadas para isso do que o locador, e converse.” Cancelar o contrato – sujeito a multa contratual – e buscar outro lugar são as outras opções. 

    O despejo pelo atraso nos pagamentos também segue valendo, mesmo na pandemia. Uma lei de emergência foi criada em junho para dar condições especiais a diversas relações contratuais durante a pandemia, mas o artigo que suspendia temporariamente também os processos de despejo por atraso de aluguel ou condomínio foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro

    Como último recurso, o morador pode reunir as comprovações de sua dificuldade financeira e buscar a Justiça – principalmente para evitar o despejo ou a cobrança de multa no caso de rompimento do contrato.

    “O judiciário está muito cauteloso nas decisões”, diz Bushatsky. “Eles querem se certificar de que a situação atual mexeu mesmo com o negócio e se houve tentativa de diálogo entre as partes antes.

    Por que tanta diferença?

    A razão para o descolamento entre o IGP-M e o IPCA passa pela fórmula de cada um deles, que medem coisas diferentes.

    O IPCA, ou Índice de Preços ao Consumidor Amplo, verifica a variação média de preços apenas de bens e serviços usados diretamente pelo consumidor, como os alimentos do supermercado, refeições em restaurantes, artigos de limpeza, gasolina ou tarifa de metrô e ônibus. 

    Por essa razão, ele é um termômetro bastante acurado da atividade econômica do país: se o emprego, a renda e o consumo estão em alta, os preços sobem, e, do contrário, caem. 

    Já o IGP-M – Índice Geral de Preços do Mercado – verifica, principalmente, a variação de preços no atacado e ao produtor. Nisso, entra uma cesta enorme de produtos básicos que têm os preços cotados em bolsas no exterior e podem passar ao largo do que está acontecendo dentro do Brasil, como minério de ferro, soja, café em grão ou boi vivo.

    “São matérias-primas que têm influência muito grande da taxa de câmbio”, explica um dos coordenadores dos índices de preços da FGV, André Braz, lembrando o forte ciclo de valorização por que passou o dólar nestes últimos anos. Ele saiu de R$ 3,30, no começo de 2018, para a casa dos R$ 5,40 agora. É um avanço de 63%. 

    “Não é comum os dois índices ficarem distantes por tanto tempo, mas a pandemia atrasou a recuperação da economia e aprofundou a diferença”, disse Braz. “No longo prazo, eles tendem a convergir.”

    Na prática, significa que há anos em que o IGP-M sobe mais, favorecendo os proprietários, e há outros em que o IPCA sobe mais, o que é melhor para os locatários. Mas, ao longo de vários anos de reajustes, o preço final do aluguel acaba ficando meio parecido independentemente de qual dos índices seja usado para a correção. 

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