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    Fundos sustentáveis também perdem na crise, mas são promessas no longo prazo

    Gestores reforçam tendência de bons rendimentos para quem aposta em empresas responsáveis nas áreas ambiental, social e de governança

    Luís Lima, do CNN Brasil Business, em São Paulo

    O pessimismo dos mercados com os impactos econômicos do novo coronavírus provocou a maior queda trimestral da história do Ibovespa, e não poupou empresas sustentáveis — e nem os fundos que aportam recursos nelas. O patrimônio líquido de fundos de ações que privilegiam companhias responsáveis nas áreas ambiental, social e de governança sofreu uma redução mensal de 29% em março, para R$ 381,9 milhões, o menor valor em mais de um ano, segundo dados divulgados nesta segunda-feira (6), pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

    Apesar do recuo, em linha com o de fundos de ações em geral, gestores e analistas de investimentos ouvidos pelo CNN Brasil Business reforçam que produtos nessa área são apostas estratégicas para ganhos no longo prazo. 

    Os chamados fundos ESG (abreviação, em inglês, de Environmental, Social and Governance, ou, em português, Ambiental, Social e Governança Corporativa) têm ganhado a atenção dos mercados nos últimos meses, ao conquistar não só investidores institucionais, com seus milhões em aportes, mas também pessoas físicas, engajadas na luta por um mundo mais sustentável. 

    “São empresas que garantem que não irão demitir ninguém neste momento, que estão preocupadas com a sociedade. Companhias com bons níveis de governança e fatores sociais sairão mais forte no futuro”, avalia Jorge Junqueira, sócio da Gauss Capital.

    De acordo com os analistas entrevistados, parâmetros ESG serão extremamente importantes em um momento de retomada, pois é esperado um maior nível de seletividade dos investidores. “A crise trouxe as discussões acerca de ESG para outro patamar, além de ter tido também um viés didático, mesmo que a um alto custo”, diz Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos.

    Em escala global, é um mercado que ganha robustez, sobretudo em países da Europa e Estados Unidos. Números da BlackRock atestam que os ativos alocados em fundos ESG passaram de menos de US$ 700 bilhões em 2018 para US$ 900 bilhões em 2019, o maior volume registrado. No Brasil, é um mercado que ainda engatinha: é difícil de dimensionar, e, literalmente, “verde”. Mesmo assim, já começa a contar com representantes de peso. 

    Um exemplo pioneiro é o Fama, com R$ 1,7 bilhão em patrimônio e rentabilidade quatro vezes superior à variação do Ibovespa, nos últimos treze anos. Fábio Alperowitch, gestor do fundo que tem quase 30 anos de existência, celebra a maior atenção dada ao tema, mas critica a demora com a que a discussão ganhou prioridade. “O Brasil vivia em total negação em relação ao assunto até janeiro deste ano (…). Quando o Larry Fink, presidente da BlackRock, escreveu uma carta em que coloca a sustentabilidade no centro da estratégia de investimentos, muitos passaram a aderir ao discurso ESG”, avalia.

    O Fama, explica Alperowitch, não entra no cálculo da Anbima por discodar dos critérios adotados pela B3 para a inclusão de empresas sustentáveis ou com boa governança em seus índices de referência, como o ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial) e o IGC (Índice de Governança Corporativa). 

    A tragédia de Brumadinho, em Minas Gerais, os incêndios na Amazônia o vazamento de óleo no Nordeste, no ano passado, foram lembrados pelos agentes como episódios que reforçaram a convicção do mercado para a adoção de práticas sustentáveis em decisões de investimento. A isso, somou-se a percepção, concreta, de que é possível ter uma melhor performance dos ativos. 

    Ao mencionar dados de uma pesquisa do banco Morgan Stanley, Thomaz Fortes, gestor da Warren, ressalta que empresas sustentáveis e com boas práticas de governança tendem a ter mais rendimentos  em 64% dos casos, além de volatilidade menor. “Na prática, fundos ESG têm performado melhor, ou igual, que outros fundos, e se protegido mais das quedas ”, defende. Um dos fatores, justifica, é o acesso a capital a um custo menor. “Trata-se de um mercado que associa o retorno à ética, e não só ao risco.”

    Nova geração

    Nos últimos seis meses, gestoras novatas, como a Warren e a Vítreo, e consolidadas, como a XP, lançaram produtos temáticos que defendem causa ESG. Exemplos incluem fundos que privilegiam empresas com mulheres em conselhos de administração até companhias que apostam em pesquisa e desenvolvimento para o cultivo da cannabis.  

    “Empresas com diversidade de gênero tendem a entregar mais criatividade, produtividade e uma marca mais relevante”, afirma Fortes, da Warren. A gestora de investimentos digital lançou no mês passado o Equals, que investe em empresas com políticas de equidade de gênero, e segue um índice correlato da Bloomberg. O aporte mínimo através da plataforma é de R$ 100. 

    Na avaliação de Fortes, tratam-se de companhias que entregam mais lucro aos acionistas e efeitos positivos à sociedade. Levantamento da consultoria americana McKinsey aponta que empresas com diversidade de gênero em cargos executivos têm 21% mais chances de ter lucros acima da média. 

    Assim como os aportes a políticas de igualdade de gênero, outro tema que tem movimentado o mercado de ESG é a cannabis. Focados em entrar em um segmento que deve movimentar US$ 166 bilhões anualmente até 2025, segundo a consultoria Euromonitor, a XP e a Vítreo lançaram no ano passado três fundos relacionados ao tema. 

    No caso da Vítreo são dois produtos: um voltado a clientes considerados qualificados (com R$ 1 milhão em aplicações financeiras ou certificação técnica), e outro focado no público geral. A carteira do primeiro mescla ações e ETFs de companhias no exterior; já o segundo combina 20% do primeiro fundo e 80% da variação da Selic. O patrimônio máximo de ambos chegaram a somar cerca de R$ 57 milhões e quase 6 mil cotistas. O investimento inicial de ambos é de R$ 5 mil.  

    George Wachsmann, chefe de gestão da Vitreo, classifica o momento como promissor para os investidores do ramo. “Lá fora, o setor de cannabis está sendo tratado como essencial, em meio ao lockdown mundial. Nos EUA, as notícias são de que lojas e empresas têm registrado picos de venda”, avalia. 

    Atenção dos bancos 

    O maior protagonismo de questões voltadas à sustentabilidade em escala global nas últimas duas décadas fez com que empresas ESG ganhasse também a atenção de bancos brasileiros. Gestoras ligadas a instituições financeiras, como Banco do Brasil (BB), Bradesco e Itaú têm, ao menos no discurso, um filtro que privilegia companhias socialmente corretas, inclusive na hora de conceder crédito. 

    Nos últimos anos, as signatárias do PRI (Principles for Responsible Investment, ou Princípios para o Investimento Responsável), passaram a formatar diversos produtos. Entre eles, estão o TOP ASG, da Brasilprev, focado na área da sustentabilidade, e o BB Equidade, que investe em companhias que aderiram aos Princípios de Empoderamento das Mulheres, definidos pela ONU Mulheres. “É uma iniciativa no sentido de oferecer uma diversificação ao investidor olhando para o aspecto ESG”, diz Jorge Ricca, diretor financeiro da Brasilprev.

    Com cerca de R$ 590 bilhões sob gestão, a Bram, gestora de recursos do Bradesco, tem 99,5% de seus recursos avaliados pelo filtro ESG. “Já faz parte da nossa rotina, DNA”, reforça Marcelo Nantes, superintendente da asset.  Segundo Nantes, a gestora não tem uma área específica de ESG, mas todos os analistas são cobrados por fazer esse filtro. Entre os produtos oferecidos, estão fundos correlacionados ao ISE e ao IGC. 

    Segundo os gestores, a questão transcende a retórica e já faz parte de uma cultura compartilhada por sociedade, empresas e gestoras. “O engajamento de empresas, gestores e detentores de ativos está cada vez mais crescente e estruturado”, afirma Renato Eid, head de integração ESG da Itaú Asset Management. Entre os produtos da gestora, está o Índice de Sustentabilidade Empresarial (It Now ISE), que segue o mesmo índice da B3. 

    De acordo com André Mileski, sócio responsável pela área de Fundos de Investimentos da Lefosse Advogados, a cobrança parte dos próprios clientes. “Não é incomum, ao sermos contratados, o questionamento sobre práticas ESG”, diz, citando como exemplos bancos comerciais e de investimento. “Há uma preocupação generalizada entre os investidores de buscar as melhores práticas para, consequentemente, obter os maiores retornos.”

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