Expectativa para nova política econômica põe mercado em alerta, dizem economistas
PEC da transição amadurece como alternativa para waiver, mas ministério de Lula continua indefinido
A equipe do presidente eleito, Luiz Inacio Lula da Silva, têm sentido forte pressão para anunciar aquele que será o representante maior da política econômica a partir do próximo ano. Membros do governo eleito, inclusive, defendem que o primeiro nome anunciado seja o do novo ministro da Fazenda, segundo apuração do analista da CNN Brasil Gustavo Uribe.
Especialistas consultados pelo CNN Brasil Business disseram que esse é um dos pontos mais delicados nessa transição. Isso porque há um temor de que as medidas propostas para viabilizar o Auxílio Brasil no valor de R$ 600 para 2023 — que precisa de ajustes no teto de gastos para ser viabilizado — possam aumentar a percepção de insegurança sobre a sustentabilidade fiscal brasileira.
Segundo o economista e ex-governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, o governo eleito herdará um orçamento federal com muitos problemas. “O novo governo precisa ser sincero com a sociedade: as promessas eleitorais não poderão ser cumpridas já no primeiro ano de mandato, e algumas terão de ser reformuladas”, ressalta.
Para o pesquisador associado do Insper, Marcos Mendes, descumprir teto para cumprir promessas pode elevar o déficit primário para R$ 400 bilhões. Atualmente, a previsão do governo para o déficit de 2023 é de pouco menos de R$ 70 bilhões, no entanto, os cálculos consideram o Auxílio de R$ 400.
Além disso, um levantamento feito por Mendes mostra que há despesas que não foram incluídas no orçamento, mas que devem ocorrer em 2023.
“O teto precisaria crescer pouco mais de R$ 100 bilhões só para acomodar gastos ‘já contratados’, a menos que se faça uma necessária e dura rediscussão de prioridades. Além disso, não estão incluídas nos gastos muitas promessas eleitorais de última hora e pressões que se avolumam”, explica.
Mendes mostra ainda que, mantendo essa política econômica, a dívida ao final de 2023 vai a quase 82% do PIB ante 77% de 2022. “O esforço para segurar a dívida em 80% do PIB seria de, pelo menos, 3,6 ponto percentual do PIB (R$ 360 bilhões)”, destaca.
Na reunião da última segunda-feira (7) a equipe do presidente eleito citou que vai precisar de uma licença para gastar de R$ 170 bilhões a R$ 175 bilhões em 2023, mas a apresentação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição foi suspensa para depois de um diálogo político com o Congresso.
O teto de gastos para o próximo ano acomoda R$ 1,8 trilhão, segundo o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2023, dos quais mais de 90% estão comprometidos com gastos obrigatórios, como os com Previdência e salário de servidores.
A agenda de Lula informa que ele fará reuniões internas em São Paulo nos próximos dias, e, possivelmente a partir de quarta-feira, terá agenda em Brasília, com o seu vice-presidente, Geraldo Alckmin, o responsável pela transição de governo, para definir os prováveis nomes dos ministérios.
Waiver para 2023
Um termo que está presente nas discussões dos economistas é o Waiver. A palavra Waiver de origem inglesa significa “renúncia de um direito” ou “dispensa de uma exigência”. É a dispensa de uma exigência ou de obrigações, geralmente de pagamento total ou parcial (principal, juros etc.), de um país ou instituição frente a outros países, ou instituições.
Na visão de Mendes, “Waiver” para 2023 é um termo inadequado, uma vez que qualquer elevação do teto será permanente, e não apenas uma “licença”. “Será necessária emenda constitucional elevando o teto. Sem elevação do teto, o governo vai entra em 2023 executando um orçamento que não terá espaço para muitos meses”, aponta.
O pesquisador afirma que o pagamento do adicional de R$ 200 do Auxílio Brasil, nessas circunstâncias, dependeria de uma Medida Provisória para manter a vigência do adicional e da compressão de outras despesas em pouco mais de R$ 4 bilhões por mês para respeitar o teto. “Sem elevar o teto e sem aprovar orçamento, 2023 será um ano com mais restrições ainda”, diz.
O Auxílio de R$ 600 já era esperado por analistas de mercado, independente do vencedor das eleições deste ano, ressalta o economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale. O detalhe é que não cabe na Constituição, por isso precisaria ser feito um ajuste constitucional. A grande questão, segundo ele, é: como este ajuste será feito?
Megale diz que a dúvida sobre o cumprimento das promessas é se os valores a mais serão extraordinários (fora do teto) ou se serão valores temporários para 2023 e, a partir daí, se estabeleceria uma nova regra para a evolução das despesas.
“O ideal é aprovar uma regra a partir de agora, optando por um gasto maior, e, depois desse novo patamar de gastos, ver se as despesas e receitas se comportam para gerar um superavit em algum momento”, opina.
Entretanto, a maior dúvida dos investidores e empresas, de acordo com Megale, é de quanto será a trajetória do endividamento do Brasil daqui para frente. “Para isso, o mercado precisa saber quanto será o gasto de agora e como vai ser as regras de despesa e de receita ao longo do próximo governo”, pontua.
Ele ainda faz questionamentos referentes à política econômica que o governo vai escolher para realizar essa promessa. “Seremos um país com dívida sustentável e equilibrada, com juros mais baixos, mais previsível, com mais investimentos, ou país com uma dívida que não para de subir, com riscos de mais impostos, mais inflação e menos equilibrado. O país precisa de sustentabilidade das contas públicas brasileiras”, aponta.