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    EUA querem que multinacionais paguem mais imposto –e Brasil pode ganhar com isso

    Presidente dos EUA propõe criação de um imposto corporativo global mínimo para acabar com paraísos fiscais e aumentar arrecadação

    Juliana Elias, , do CNN Brasil Business, em São Paulo

    Os projetos do presidente norte-americano, Joe Biden, que assumiu a Casa Branca em janeiro, são audaciosos. Com a missão adicional de fazer a economia voltar a girar, os anúncios já feitos incluem ajudas trilionárias em auxílio emergencial, um mega-pacote de infraestrutura e aumento de impostos dos mais ricos para ajudar a pagar a conta toda. 

    Interessado em levantar a receita que será necessária para cobrir os gastos vultuosos, Biden quer também aumentar o Imposto de Renda (IR) pago pelas empresas nos Estados Unidos. Desde 2017, a cobrança sobre os lucros corporativos, que era antes de 35%, foi reduzida a 21%, uma das mais baixas do mundo desenvolvido. O corte foi uma das grandes bandeiras do antecessor Donald Trump, e Biden quer agora recompô-lo parcialmente, para 28%. 

    Só tem um problema: para garantir que o plano funcione, Biden precisa antes mudar o mundo. Ciente de que quanto maiores os impostos, mais as grandes empresas irão buscar brechas possíveis para não pagá-los, o democrata está engajado agora em também fixar um piso global para os impostos corporativos.  

    A ideia é bater de frente com os paraísos fiscais, para onde muitas multinacionais levam suas sedes burocráticas só para pagar menos imposto, mesmo que quase nada da operação funcione ali. É o caso, por exemplo, da Irlanda, que cobra IR de apenas 12,5% sobre o lucro, e que sedia os escritórios internacionais de gigantes como Apple e Google

    Uma iniciativa do gênero já vem sendo discutida há alguns anos pelos europeus dentro da OCDE, o grupo que reúne as economias desenvolvidas. O Fundo Monetário Internacional é outro que também defende a articulação para acabar com a evasão fiscal.

    Mas eles ganham agora um porta-voz do tamanho dos Estados Unidos e ainda mais agressivo: as conversas da OCDE falavam em um piso comum de 15%. Biden quer 21%. No início de abril, a Casa Branca enviou um documento com a proposta para 135 países, para eles já irem começando a pensar no assunto. 

    Impostos internos não mudam

    O foco da proposta é remanejar a maneira como as cobranças sobre as operações internacionais são feitas hoje, de maneira a atingir, essencialmente, as companhias gigantes. A estratégia não é obrigar os países que hoje têm imposto baixo a aumentá-lo –o tributo doméstico de cada país continuaria igual, e as empresas que produzem e vendem lá dentro seguiriam pagando o mesmo.

    O plano é que a diferença do que estiver abaixo dos 21% seja paga aos países de destino caso os lucros sejam remetidos para outro lugar. Isso já deixa bem menos interessante continuar em países pequenos como a Irlanda ou as Ilhas Cayman, já que, para pagar o imposto local, o dinheiro da empresa não pode mais sair de lá.

    “O IR sobre as empresas vem caindo desde os anos 1980 e acabou se convertendo numa espécie de guerra fiscal global, na disputa pela atração de investimentos”, diz o diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), Bernard Appy, especializado em tributação e ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda.  

    Quando eram majoritariamente indústrias, não era um problema tão sério, porque a localização física delas é muito bem definida. Quando passamos a ter uma nova economia, em que a base do lucro é a ideia, e a empresa pode estar em qualquer lugar, essa competição internacional ficou mais forte.

    Bernard Appy, diretor do CCiF

     

    Até US$ 14 bi a mais para o Brasil

    Um ensaio feito pela Rede de Justiça Tributária (Tax Justice Network), um centro internacional de pesquisas sobre o assunto, estimou que um imposto global mínimo de 21% aplicado sobre as grandes multinacionais poderia devolver aos países uma receita total perdida de até US$ 640 bilhões por ano (cerca de R$ 3,5 trilhões), sendo US$ 166 bilhões disso só dos Estados Unidos, sede de boa parte das maiores empresas do mundo. 

    No Brasil, o quinhão a ser resgatado poderia chegar até os US$ 14 bilhões (R$ 77 bilhões), a depender do rigor das regras. É dinheiro suficiente para cobrir mais de 60% do orçamento anual da Saúde ou para pagar sete meses do auxílio emergencial de R$ 350 aprovado para 2021.

    Só dez países não sairiam com mais arrecadação do que antes, uma lista que inclui vistosos paraísos fiscais, como Ilhas Virgens, Ilhas Cayman e Bermudas. 

    Por outro lado, fica o efeito colateral de que tributar empresas é sempre, em última instância, tributar produção e emprego, o que inibe investimentos e come também a renda dos trabalhadores.

    Outra instituição internacional especializada em tributos, a Tax Foundation, calculou que o aumento de 21% para 28% do imposto corporativo dos Estados Unidos pode tirar US$ 720 bilhões da economia do país em 10 anos. É mais do que os US$ 690 bilhões que Biden calculou arrecadar a mais no mesmo período. 

    Fim de uma era

    Se vingar, o plano de criar um imposto global mínimo pode ser o fim de uma era. Ele pode reverter uma tendência que vem desde os anos de 1980 derrubando paulatinamente a carga tributária e, em especial, os impostos cobrados das grandes empresas, ao mesmo tempo em que os Estados foram também diminuindo de tamanho. 

    A alíquota média global do imposto corporativo caiu de 49%, nos anos 1980, para 23% atualmente. Em um momento em que populações do mundo todo pedem mais suporte em saúde, educação, previdência e distribuição de renda, lideranças globais e a sociedade parecem mais dispostas, agora, a rediscutirem o tabu. 

    Na maneira como é hoje, a falta de uma regra comum acabou gerando esse “rouba-monte” tributário que, lá fora, começaram a chamar de “corrida para o fundo” (“race to the bottom”): um país que quer atrair empresas de fora baixa um pouquinho seu IR sobre o lucro. O outro, para segurar as empresas que tem, também baixa. Isso obrigada o anterior a reduzir ainda mais, o que obriga o seguinte a cortar de novo também.

    É uma espiral sem fim, em que as empresas ganharam muito, mas os países e, portanto, sua população, vão cada vez mais abrindo mão de arrecadação.

    “Não vai ser uma negociação fácil. Alguns países, como a Irlanda, não vão concordar de imediato, ou vão querer uma alíquota menor que 21%”, diz Appy. “Mas as chances de que a ideia avance, hoje, são reais. Há um número significativo de países relevantes interessados na mudança. E é uma sinalização importante no sentido de tentar começar a mudar essa guerra fiscal mundial.”

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