Estreantes na B3 sofrem com momento adverso no mercado nacional e externo
Mercado não favorece a manutenção de ações com pouco histórico, segundo analistas
Os últimos pregões foram particularmente dolorosos para ações de empresas que estrearam na bolsa paulista neste ano, com a maioria trabalhando abaixo dos preços fixados nos respectivos IPOs, em meio a uma piora nos cenários político e fiscal no país e preocupações com o ritmo de crescimento mundial.
Gestores e estrategistas afirmam que o momento do mercado não favorece a manutenção de papéis com pouco histórico – boa parte divulgou apenas o seu primeiro ou segundo resultado publicamente – ou baixa liquidez em carteira. E isso não necessariamente tem a ver com a qualidade da companhia.
Mesmo que algumas das novatas sejam tidas como “questionáveis” e que não tenham entregue o prometido nos roadshows das ofertas, a avaliação é de que há componentes conjunturais que são mais desfavoráveis a elas.
Um dos destaques negativos em agosto é a plataforma social para investidores TC, que recua cerca de 40% no mês, tendo encerrado a terça-feira (17) a R$ 7,60, abaixo do preço fixado no IPO no mês passado, de R$ 9,50. A correção se intensificou após prejuízo no segundo trimestre, divulgado na semana passada.
A prestadora de serviços em ambiente marinho Oceanpact contabiliza baixa em torno de 14% no mês, mas a queda frente ao preço do IPO em fevereiro ronda 65%. No fim de julho, as ações chegaram a cair 27% em apenas um pregão após um anuncio de acordo trabalhista.
O diretor de investimentos da Reach Capital, Ricardo Campos, observa que há exceções, mas que investidores tendem a ficar mais ariscos em relação a essas empresas em momentos mais tensos no mercado dado o menor histórico e menor tempo de análise, o que ajuda a explicar a queda. “Há uma certa insegurança”.
Ele ressaltou, porém, que a bolsa como um todo está sofrendo, com várias companhias registrando quedas relevantes, o que é explicado pelo ambiente político, com iniciativas do governo federal com potencial efeito negativo no desempenho fiscal do país, além da tensão entre os poderes.
O cenário externo também tem endossado vendas, com o aumento de casos de Covid-19 em meio à disseminação da variante Delta, adicionando preocupações sobre a retomada econômica.
O sócio-fundador e presidente da empresa de serviços financeiros G5 Partners, Corrado Varoli, acrescentou que, com a queda dos juros, “veio um caminhão de dinheiro” buscando retorno com renda variável. “Algumas das que vieram a mercado não têm liquidez”.
O Ibovespa, referência da bolsa brasileira acumula em agosto perda de 3,2%, sendo o pior desempenho registrado por Lojas Americanas PN, com recuo de quase 24%.
O índice Small Caps, por sua vez, cede mais de 8% no mês, com a Méliuz, que estreou no ano passado, respondendo pela maior baixa, de cerca de 29%, a R$ 48,01 – ainda assim bem acima do preço de seu IPO de novembro, quando saiu a R$ 10 reais.
Na visão do gestor e sócio-fundador da Trígono Capital, Werner Roger, os preços de alguns IPOs eram em grande parte absurdos em relação ao real valor das empresas e, em especial, frente a empresas listadas. “Agora, depois de ajustes de 40% a 50%, começamos a garimpar”, afirmou.
No caso das estreantes, nomes como o banco de investimentos BR Partners e o grupo hospitalar Mater Dei resistem ao viés mais vendedor, com altas de 5,6% e 5,4%, respectivamente, em agosto, e desempenho forte também frente ao IPO – BR Partners sobe 58% e Mater Dei avança 12%.
Mas o principal destaque positivo entre as novatas é a Vamos, empresa de locação de caminhões e equipamentos, que mais do que dobrou o preço desde o IPO. A companhia, inclusive, anunciou neste mês desdobramento de ações de 1 para quatro. Em agosto, porém, perde cerca de 20%.
Paciência
Os reflexos desse movimentos em novas ofertas de ações ainda não está claro, segundo os gestores e estrategistas ouvidos pela Reuters, com o apetite futuro dependendo da recuperação do otimismo no mercado e de outra janela de oportunidade, que no momento está difícil de prever.
A avaliação majoritária é de que as companhias que estão na fila para listar suas ações na bolsa precisarão ter paciência e devem encontrar investidores mais exigentes e céticos, não só em relação às teses de investimentos como também com o valuation oferecido.
Apesar da volatilidade e dos problemas do Brasil, o estrategista de renda variável da Ouro Preto Investimentos, Bruno Komura, avalia que, do ponto de vista das empresas, há ainda um ambiente favorável a IPOs, dado o cenário de liquidez elevada nos mercados externos.
Mas a efetivação de uma oferta, segundo ele, dependerá de a empresa aceitar o preço que o mercado quiser dar. Muitos IPOs recentes saíram no piso ou até abaixo da faixa estimada para a operação, o que sinaliza que investidores estão buscando desconto sobre o que está sendo mostrado no roadshow.
Da perspectiva dos investidores, em particular pessoas físicas, Komura reforçou que é muito importante que eles saibam bem o que estão comprando, analisem bem as empresas e o ambiente em que elas atuam. “Tem um ano bastante turbulento daqui para a frente”, disse.
Empresas se manifestam:
O TC, a Oceanpact e a Méliuz foram procuradas pela reportagem da CNN.
Oceanpact afirmou que os desafios de realizar obras durante a Covid-19 atrasaram alguns projetos, mas os investimentos e os novos contratos estão acontecendo como previsto. “De fato, o resultado financeiro está atrasado, mas, com a divulgação das projeções, acreditamos que vamos poder nos comunicar melhor com o mercado. Temos R$ 2.8 bilhões de reais em contratos assinados”, diz.
Já o TC disse que “seus executivos e colaboradores não estão autorizados a comentar o desempenho das ações da companhia”. A Méliuz informou que não vai se pronunciar sobre o tema.