Entenda a ‘espiral negativa’ que levou previsões para PIB de 2022 abaixo de 1%
Movimento se intensificou na última semana, com pressão inflacionária e aumento do risco político no radar do mercado
As incertezas acerca da retomada econômica no Brasil tem levado uma série de instituições a revisar para baixo as projeções para o PIB (Produto Interno Bruto) de 2022. Esse movimento se intensificou na última semana, com muitas apostas, que começaram o ano em 2,5%, ficando abaixo de 1%.
Foi o caso do Itaú, que cortou sua expectativa de avanço do PIB no ano que vem de 1,5%, segundo análise anterior divulgada em agosto, para 0,5%. E do J.P. Morgan, que espera agora um avanço de 0,9% em 2022, de 1,5% divulgado anteriormente.
A MB Associados também engrossa a lista de revisões da semana, com previsão de crescimento de 0,4% para 2022, de 1,4% esperado anteriormente. Em comunicado, a consultoria alerta: “talvez essa não seja a última revisão”.
Há quem acredite também no avanço maior de 1%, mas por mera questão contábil. A economista Marina Garrido, pesquisadora da área de economia aplicada da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), afirma que boa parte do crescimento do ano que vem será garantida pelo simples impulso deixado por este ano, que terá um crescimento forte. É o que os economistas chamam de “carrego estatístico”.
“Nossa estimativa é que o crescimento do ano que vem seja de 1,5%, mas 1,1% disso será carrego deste ano; quer dizer, se o PIB não crescer nada no ano que vem, a alta vai ser de 1,1%”, disse. “O que crescer acima disso é muito pouco e aí que começamos a falar do risco da famosa ‘estagflação’”.
A palavra estagflação é usada por economistas para caracterizar um cenário em que há aceleração dos preços, apesar do ritmo lento de produção e alto desemprego.
A FGV também reduziu recentemente suas projeções para o PIB: o resultado esperado para 2021 foi cortado de 5,2% para 4,9% e, em 2022, de 1,6% para 1,5%.
Espiral negativa
A razão imediata para a deterioração das expectativas quanto ao PIB é a projeção mais alta de Selic — taxa básica de juros da economia –, que, na visão do JP Morgan, por exemplo, deve chegar a 9% ao ano no fim de 2021, após sofrer mais três aumentos de 1 ponto percentual. A previsão anterior era de 7,5%.
A mediana das previsões do mercado, medida pelo Boletim Focus, do Banco Central, espera que a taxa básica chegue a 8% no fim do ano.
Por trás disso, porém, há uma espiral negativa que vem dificultando o caminho da recuperação. Um dos elementos dessa espiral é a inflação em alta, o alvo principal do Comitê de Política Monetária na escolha de uma postura mais contracionista. Em outras palavras, a ferramenta do Banco Central para combater a elevação dos preços é frear a atividade, reduzindo a quantidade de dinheiro no mercado.
Um efeito colateral desse modus operandi pode ser visto justamente no crescimento da economia, na medida que penaliza consumo e investimento produtivo. Resultado: PIB menor. Melhor seria, então, deixar a inflação “comendo solta”? Nada disso. O efeito da elevação desenfreada dos preços tem potencial altamente destrutivo — e os brasileiros já viveram isso na pele.
O IPCA, índice oficial que mede a variação dos preços no país, tem surpreendido negativamente o mercado e, nesta semana, chegou a acumular quase dois dígitos em 12 meses, muito acima do teto da meta para 2021, de 5,25%.
O BC faz o que pode, mas nem tudo está nas suas mãos. Isso porque um dos grandes vilões da inflação atualmente não se assusta com os juros altos: a energia elétrica. O país passa pela mais grave estiagem dos últimos 90 anos, o que impacta o funcionamento das hidrelétricas e aumenta o custo de geração. Quem paga essa conta são os consumidores.
Outro componente que vem pesando cada vez mais nos cálculos das instituições vem da tensão crescente entre os Poderes.
“As crescentes tensões políticas e pressões inflacionárias conduziram as projeções de juros para cima e de crescimento para baixo”, disse o JP Morgan em relatório.
“Eventuais novas revisões [do PIB] não dependem de simplesmente mais juros ou uma crise energética, pois estas já estão na conta. O agravamento político que coloca portas de saída difíceis quanto mais próximo da eleição ano que vem vai afetar a economia ainda mais do que os fatores puramente econômicos de juros e energia”, diz Sergio Vale, economista chefe da MB, em carta enviada aos clientes nesta semana.
Tanto na visão do JP Morgan quanto na de Vale, os investidores nacionais e internacionais perceberam um agravamento na turbulência política local, intensificada em meio às manifestações de 7 de Setembro, quando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a fazer ataques contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Somado a isso, há ainda o temor com o avanço da variante Delta do coronavírus no mundo, que vem deteriorando a expectativa sobre o crescimento global. Esse mau humor também impacta negativamente a economia local.
Por fim, mas não menos relevante, paira no ar a incerteza sobre o orçamento da União em 2022, que ainda precisa de respostas para questões como de onde o governo vai tirar espaço para viabilizar um programa social mais robusto que o Bolsa Família. Ainda não está claro, e isso pesa na conta do PIB.