Empresas de saneamento disparam na B3 mesmo antes do marco. Ainda vale investir?
A Sabesp subiu 114% desde o pico da crise, enquanto a Copasa e Sanepar avançaram 88% e 65%, respectivamente. Votação do marc do saneamento ocorre nesta quarta
Aprovado pelo Senado Federal nesta quarta-feira (24) e alvo de discussões em todo o governo desde 2018, o marco do saneamento também vem chamando a atenção do mercado financeiro. Prova disso é que as ações de Sabesp (SP), Copasa (MG) e Sanepar (PR), as três companhias estatais de saneamento listadas na B3, já registraram valorização relevante nos últimos dois meses.
Dados colhidos pela corretora Toro Investimentos a pedido do CNN Brasil Business mostram que a companhia paulistana subiu 35,53% e a mineira avançou 20,21% em maio, enquanto o Ibovespa cresceu 8,57% no período. Já no mês seguinte, em números apurados até o dia 23, foi a vez da estatal paranaense disparar 18,49% enquanto o IBOV se valorizou 9,81%.
Se o referencial for o auge da crise, o salto é ainda maior. “A Sabesp já subiu 114% desde o pico da crise, no fim de março. Copasa e Sanepar também avançaram de maneira relevante, 88% e 65%, respectivamente”, analisa Rafael Cota Maciel, gestor de renda variável da AF Invest. “Grande parte disso, além da recuperação do mercado como um todo, vem dessa expectativa pela aprovação do marco no Congresso.”
Os números surpreendem porque o setor é considerado “defensivo” pelo mercado. Traduzindo, são ações que tendem a não ter variações tão bruscas para cima e para baixo porque oferecem um serviço essencial sem grandes mudanças cotidianas. O setor elétrico é outro exemplo disso, apesar de pagar dividendos melhores.
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Essa valorização reforça um movimento típico do mercado que tem se amplificado com a volatilidade. Os investidores antecipam, muitas vezes exageradamente, tendências que ainda não ocorreram na economia real.
“Essas ações já subiram bastante com a expectativa do marco. Agora as atenções se voltam para as privatizações, principalmente na Sabesp, onde o processo está mais avançado”, pondera Luis Sales, analista da Guide.
O governador João Doria demonstrou reiteradamente o interesse de privatizar a companhia, avançando inclusive no plano para realizar a transição para a iniciativa privada. Romeu Zema, governador de Minas Gerais, tem objetivos parecidos em relação à Copasa, mas sofre com maior resistência por parte da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
“O mercado espera que, a partir das privatizações, estas empresas ganhem em eficiência e passem a gerar resultados melhores”, contextualiza Paloma Brum, economista da Toro Investimentos. “De qualquer forma, o investidor que comprar estes papéis tem que olhar para o longo prazo. Essa movimentação não é garantida e, mesmo que aconteça, não deve ser no curto prazo.”
A Sanepar, mesmo sem previsões de privatização, chama atenção dos especialistas por outros motivos. “A companhia entregou aumento de 18% no lucro líquido comparando os resultados dos primeiros trimestres de 2019 e 2020. Acreditamos, pelo crescimento que vem apresentando, que ainda está sendo negociada abaixo do seu preço ideal”, completa Paloma.
Pedro Galdi, analista da Mirae Asset, é mais cauteloso e vê a empolgação do mercado com o setor como um prêmio de consolação. “O governo está com muitas dificuldades para aprovar os projetos e reformas que precisa no Congresso. Por isso, quando surge um projeto como esse, acaba chamando atenção”, diz. “É inegável que temos problemas sanitários graves no Brasil, mas essa questão não vai se resolver rapidamente.”
O marco regulatório
O projeto foi aprovado pelo Senado na noite desta quarta-feira (24), por 65 votos a 13. E, como o texto que chegou da Câmara dos Deputados não foi alterado pelos senadores, a matéria agora aguarda apenas a sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
A proposta tramita no Congresso desde 2018, quando foram publicadas duas medidas provisórias com o foco de reformular as regulamentações do setor, ainda no governo do ex-presidente Michel Temer.
Com o fracasso das MPs – não votadas em tempo hábil –, o governo Jair Bolsonaro decidiu tratar do novo marco por um projeto de lei. O projeto busca cumprir as metas do Plano Nacional de Saneamento Básico, que prevê a universalização do acesso à rede de esgoto no Brasil até 2033. O texto muda as regras para prestação de serviços e facilita a entrada de empresas privadas no setor.
Na última sexta-feira (19), o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), classificou o marco como um dos “projetos mais importantes do ponto de vista da saúde pública dos brasileiros” e mencionou debates intensos no colegiado de líderes nos últimos meses.
“Não tenho dúvida que o plenário vai analisar um dos projetos mais importantes do ponto de vista da saúde pública dos brasileiros. Estamos há pelo menos dois meses discutindo a matéria no colégio de líderes, e temos a perspectiva de votarmos na quarta-feira”, disse no Twitter.
A Câmara aprovou o texto atual do projeto em 20 de dezembro de 2019 e, desde então, era aguardada uma votação no Senado.
Hoje as cidades firmam acordos direto com empresas estaduais de água e esgoto, sob o chamado contrato de programa. Os contratos contêm regras de prestação e tarifação, mas permitem que as estatais assumam os serviços sem concorrência. O novo marco extingue esse modelo, transformando-o em contratos de concessão com a empresa privada que vier a assumir a estatal. E torna obrigatória a abertura de licitação, envolvendo empresas públicas e privadas.
Pelo projeto, os contratos de programa que já estão em vigor serão mantidos e, até março de 2022, poderão ser prorrogados por 30 anos. No entanto, esses contratos deverão comprovar viabilidade econômico-financeira, ou seja, as empresas devem demonstrar que conseguem se manter por conta própria — via cobrança de tarifas e de contratação de dívida.
Os contratos também deverão se comprometer com metas de universalização a serem cumpridas até o fim de 2033: cobertura de 99% para o fornecimento de água potável e de 90% para coleta e tratamento de esgoto. Essas porcentagens são calculadas sobre a população da área atendida.
Outros critérios também deverão ser atendidos, como a não interrupção dos serviços, redução de perdas e melhoria nos processos de tratamento. O cumprimento das metas será verificado periodicamente e as empresas que estiverem fora do padrão poderão sofrer sanções do órgão regulador federal, a Agência Nacional de Águas (ANA). Além disso, elas não poderão mais distribuir lucros e dividendos, caso tenham essa prática.
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Na segunda-feira (22), o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) já havia afirmado que a chance de aprovação do projeto era muito grande, apesar de ainda haver resistências. Ele declarou, durante conferência online promovida pelo BNDES, que o esforço era para que o marco do saneamento não tivesse que voltar para a Câmara dos Deputados. O objetivo é fazer um acordo com o governo para vetar “2 ou 3 pontos” da proposta.
“Esses pontos se congregam em torno do espírito corporativista ligado à insegurança das empresas estaduais…ainda tem algum risco que algum destaque possa ser votado na quarta, mas nosso empenho é que não volte para Câmara e que seja aprovado como está”, afirmou o senador. “A possibilidade de aprovar o projeto é muito grande”, complementou.
O senador estima que o novo marco regulatório atrairá investimentos nacionais e estrangeiros em saneamento nos próximos anos, seja no modelo de privatização, concessão, parceria público-privada e outros.
À CNN, Jereissati afirmou que o Brasil “vive na Idade Média” em termos de saneamento. “Nós temos parte do Brasil vivendo na Idade Média, sem esgoto, com esgoto correndo na frente das casas e as crianças com tablet na mão brincando em cima do esgoto. Isso é absolutamente inaceitável. 50% dos brasileiros vivem nessas condições”, disse.
*Com informações de Diego Freire, Larissa Rodrigues e Agência Senado
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